Olá, gente! Nesta minha primeira coluna, antes de qualquer coisa, quero me apresentar a vocês: Meu nome é Rodrigo Bernardes, tenho trinta e cinco anos, sou paulistano, casado, minha esposa está esperando nosso primeiro bebê (uma menina) e estou envolvido com o automobilismo desde os meus doze anos de idade. Na verdade, sou um apaixonado por automóveis desde sempre e já com oito anos pedi que a minha mãe assinasse pra mim a revista 4 Rodas, que lia com avidez junto à Autoesporte que eu comprava na banca de revistas próxima ao Externato Rio Branco de São Bernardo do Campo, onde eu estudava. Costumava decorar detalhes técnicos dos automóveis da época (meus preferidos eram o Kadett GS e o Gol GTI), como potência, torque, aceleração de 0 a 100 km/h, velocidade máxima etc. Adorava isso... Tenho todas estas revistas até hoje, bem conservadas na casa da minha mãe, no meu “ex-quarto”. Infelizmente não houve espaço pra elas quando eu me casei! A paixão pela Fórmula 1 veio depois... Obviamente, eu já acompanhava as corridas de Fórmula 1 junto com o meu pai na televisão. Tenho memória de assistir a primeira vitória do Senna na Fórmula 1 em 1985, de assistir o Piquet vencendo o campeonato de 1987 e, com mais detalhes, da campanha do Ayrton no campeonato de 1988, que o levou ao seu primeiro título. Já em 1989, eu tinha decidido o que queria ser da vida: Piloto de Fórmula 1! Neste ano eu acompanhei de perto toda a temporada da Fórmula 1, acordando cedo pra assistir às tomadas de tempo, lendo a cobertura das corridas pelo jornal O Estado de São Paulo. O difícil foi convencer o meu pai a me colocar pra correr de kart. Ele é delegado de polícia civil aqui em São Paulo e, apesar de gostar de assistir corridas na televisão, nunca sonhou em ter filho piloto e muito menos estava disposto a gastar um dinheirão em algo que parecia mais um capricho de menino. Só que eu não desisti... Enchi tanto o saco dele, que em 1991 ele resolveu me colocar numa escolinha de pilotagem de kart que existia em Interlagos, a Playkart do Keko Pati. Ingenuamente, ele pensava que eu fosse fazer o curso de um mês, matar a minha lombriga e não incomodá-lo mais. Ledo engano! O início de tudo: Em outubro de 1991 Rodrigo saía dos boxes com seu primeiro kart. Nunca vou esquecer a primeira vez em que cheguei ao Kartódromo de Interlagos, hoje Kartódromo Ayrton Senna: Era uma manhã fria e nublada de uma segunda-feira de agosto de 1991, típica da região de Interlagos. Eu estava entrando nos boxes e já ouvi o ronco dos motores 2 tempos da molecada que estava andando... O cheiro de óleo M50 misturado ao álcool, junto com o cheiro de borracha queimada e graxa é algo que ficou marcado na minha memória. Cada vez que chego ao estacionamento do Kartódromo de Interlagos ainda sou capaz de sentir aquele cheiro e o mesmo frio na barriga! Quem já teve a experiência sabe do que estou falando... Conheço pessoas que ainda têm óleo Castrol M50 em casa só pra dar uma cheirada no perfume de vez em quando! Pra resumir a minha história, tornei-me um piloto profissional e competi até o ano de 2002, em categorias como F-Ford, F-Chevrolet, F-2000, F-3 Sul Americana, Barber Dodge Pro Series, Indy Light Panamericana e F-Renault Européia. Conquistei vitórias, fiz grandes amizades, conheci outros países, adquiri muita experiência de vida, mas também, como aconteceu a centenas de pilotos antes de mim e continuará acontecendo enquanto este esporte existir, tive que desistir do meu sonho por falta de apoio financeiro. Durante anos, tive uma frustração amarga dentro de mim e ficava imaginando o que poderia ter acontecido se tivesse conseguido o apoio certo, na hora certa... Em 1993, o primeiro campeonato disputado, na categoria Junior. Minha volta ao ambiente do kart deu-se por acaso. No ano de 2011, entrei em um grupo do Facebook chamado “Kartistas Clássicos”, onde se encontram diversos pilotos que fizeram história no kartismo brasileiro e mundial, como Waltinho Travaglini, Carol Figueiredo, Henri Strasser, Guga Ribas... Imagine um grupo de pilotos e ex-pilotos deste quilate, compartilhando fotos e histórias de sua época? Eu ficava lá horas e horas, observando fotos, batendo papo, me deliciando enfim, quando soube que seria realizada uma prova com karts clássicos, que englobaria modelos desde o começo dos anos 70 até o ano de 1990. Mais do que isso, soube também que havia kart disponível pra locação! “Tô dentro!”, pensei. Entrei em contato com o Marcelo Afornali, que era um dos moderadores do grupo e proprietário do kart disponível pra locação e fechei negócio. Só que o Marcelão me ferrou! Acabou me convencendo a comprar um kart e restaurá-lo com ele. O Marcelo é o mais detalhista e caprichoso restaurador que conheço e montou uma obra de arte pra mim, um Mini Inter 1980 com motor Parilla TT22 de 100cc. E assim, junto a outros desbravadores e malucos como o próprio Marcelo, tornei-me um dos participantes da primeira corrida oficial de karts clássicos do Brasil, que aconteceu no dia 17 de novembro de 2011 no Kartódromo Raceland, na região de Pinhais, Curitiba. A carreira teve seguimento. Em 1995, em Itu, disputando prova da categoria Graduados A. O vencedor seria determinado pela sua média de tempos comparada à sua melhor volta, para que todos tivessem condições de brigar pela vitória. Por este critério, eu fui o vencedor da corrida, mas acabei não levando o caneco por um erro de cálculo... Assim, o primeiro vencedor “oficial” de corridas de kart vintage no Brasil foi o Clay Lopes, com um Mini Star 1982 e motor Silpo 125 cc. Depois de três anos na categoria, não só como piloto, mas também como um dos organizadores e moderadores do grupo no Facebook, o “Vintage Kart Brasil”, acabei voltando para os karts modernos. Comprei um kart shifter (motor 125 cc refrigerado à água, 45 hp, câmbio de 6 marchas e freio à disco nas quatro, um foguete!) e estou participando de algumas provas da Copa São Paulo de Kart Granja Viana, o principal campeonato de karts shifter do Brasil. O Mini Inter, Parilla, acima, totalmente restaurado, é obra do mestre Marcelo Afornali. Bom, mas eu não poderia deixar de falar nesta coluna a respeito do meu antecessor e criador do espaço Karting no Nobres do Grid, o querido Dionísio Pastore. Eu o chamava carinhosamente de “titio”. Nós nos conhecemos no grupo Kartistas Clássicos, onde ele sempre foi um dos principais colaboradores e depois o administrador do grupo até a sua morte. O Dionísio era o cara com a melhor memória sobre a história do kartismo brasileiro, indiscutivelmente. Lembrava de detalhes que ninguém conhecia, era capaz de bater o olho em uma foto qualquer dos anos 70 e dizer quem era cada piloto pelo número, o modelo de seu kart, onde foi realizada a corrida e por aí vai. A sua partida precoce foi uma perda irreparável para o resgate da memória do kart no Brasil... Ele inclusive pretendia escrever um livro tratando do tema. Em primeiro plano, com o kart #70, Dionísio pastore pilotando o Mini Inter, seguido pelo Flavio "Capeta". Para o meu privilégio, logo nos tornamos grandes amigos. Costumávamos conversar noite adentro a respeito de kart e automobilismo em geral e nossa amizade saiu do ambiente da internet pra “vida real”: Viajávamos juntos pras corridas (nos finais de semana ele inclusive me ajudava a carburar o kart e palpitava no acerto e na minha tocada), saíamos pra comer pizza, criamos um grupo secreto no Facebook junto com outro amigo, o Fábio Farias, só pra falar besteira e dar risada... E brigávamos muito também! O Dionísio sempre foi um cara chato, um cricri. Ele se divertia contrariando os outros e provocando polêmica. O Marcelo Afornali, inclusive, deu a ele o troféu “Mala Sem Alça” do Vintage kart Brasil em 2012, troféu este que acabou ficando na minha casa, pois o Dionísio se recusou a ficar com ele, hehehe! Enquanto eu admirava Peterson, Villeneuve e Senna, ele preferia Emerson, Prost e Schumacher. Aliás, ele adorava me chamar de viúva, enquanto eu o chamava de namoradinha de infância, pois ele teve um relacionamento bem próximo do Ayrton Senna na adolescência dos dois. Uma foto de 2012. Eu e o Dionísio, frustrados com a quebra do kar ainda na primeira bateria em Araraquara. Eu acabei sendo o responsável pela volta dele às pistas, no ano passado. Emprestei pra ele o meu Mini Inter 1980, desta vez com um motor Komet 144cc e ele participou da primeira etapa do Vintage Kart Brasil em Paulinia. Correu com a competência de sempre, de um cara que ganhou 5 campeonatos paulistas e 2 brasileiros, mas colocou a língua pra fora no meio da corrida e abandonou a etapa. No intervalo dos treinos do sábado, foi deitar no chão do box e depois pediu analgésicos pro Flávio “Capeta”, um dos pilotos do VKB, pois estava com dor no corpo todo. O Capeta, que pelo próprio apelido vocês podem imaginar que não vale uma nota de 1 real, aproveitou para apelidá-lo de Didi Feldene! Essa foi em Paulínia, em março do ano passado. Depois desta etapa, o Dionísio se empolgou! Comprou macacão novo, comprou um Arai GP6 e mandou pintá-lo na Artmix e resolveu que não queria andar de Mini Inter, mas sim de Mini Super 1990, o kart mais moderno permitido pelo regulamento. Só que para o Dionísio, correr com um Mini 90 não bastava: Ele queria que o kart dele fosse o mais rápido da pista! Assim, ao invés de utilizar o eixo de 30 mm original do chassis ou as mangas dianteiras da época, mais estreitas, ele colocou no kart dele um eixo de 40mm, mangas modernas etc. Adivinhem o que aconteceu? Protestos de todos os lados, ninguém queria deixar o titio colocar o kart na pista. Ele ficou tão chateado, que decidiu não correr mais e acabou doando o equipamento para o nosso meca, o Mazinho. Com toda a bagagem que tinha, com toda a história que viveu, o Dionísio nunca foi saudosista, muito pelo contrário. Era um entusiasta do kart moderno e ficava sempre antenado nas novidades. Sua maior diversão era observar os detalhes de uma inovação qualquer que chegasse às pistas. No dia em que andei pela primeira vez no meu shifter em Interlagos, o titio tava lá e depois se sentou no meu kart como uma criança! Tava louco pra dar umas voltinhas nele, pena que não deu tempo disso acontecer. Esse é o meu brinquedo atual: um Mini Vortex 125cc, 6 marchas e 45cv. Nas próximas colunas, pretendo explicar a vocês a evolução do kart e seu impacto na mudança dos estilos de pilotagem, contar algumas histórias inéditas, dar dicas de acerto de chassis e carburação, e analisar o ambiente do kart atual, tocando principalmente numa questão que o titio já abordou aqui anteriormente: “Por que o Brasil não tem mais produzido super-talentos que se destaquem de forma a chegar à Fórmula 1 com condições de vencer?” Minha opinião é bem divergente da dele e penso que será interessante vocês conhecerem outro ponto de vista... Abraços, Rodrigo Bernardes |