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Um Rubinho de alma leve PDF Print E-mail
Written by Administrator   
Friday, 08 August 2014 10:52

Olá fãs do automobilismo,

 

Tem muita gente que pensa que as pessoas que procuram profissionais da minha área são pessoas com problemas, mal resolvidas, angustiadas... e isso não é verdade. Pelo menos não completamente.

 

Muitas pessoas procuram fazer terapia para descobrir coisas dentro delas mesmas, para crescer como indivíduo e como parte de uma sociedade cada vez mais conectada, mas – antagonicamente – mais individualista e competitiva.

 

Não conheço nenhum terapeuta que não se sinta pessoal e profissionalmente realizado quando, do nada, recebe um telefonema em que um de seus pacientes decide partilhar um momento feliz de sua vida com ele.

 

É claro que não é incomum ver alguns pacientes vendo em seu terapeuta um “amigo íntimo”. Na verdade essa “relação” não pode acontecer e, ao menos do lado dos profissionais, há um enorme cuidado em não se deixar as coisas se confundir.

 

Contudo, quando se é um fã do automobilismo – o meu caso – e alguns dos seus pacientes é um dos seus “ídolos”, entra o aspecto “fã – ídolo” e o meu trabalho fica mais difícil. Quando estou em sessão com eles, o “lado fã” não pode aparecer... jamais. Agora, se estou vendo-o correr, seja num autódromo, num kartódromo ou na televisão, este “lado fã” aflora como aflorou no domingo da Corrida do Milhão.

 

Rubens Barrichello é meu paciente desde os tempos da Williams, na Fórmula 1. Para mim, ele é um piloto espetacular e que só não foi campeão do mundo porque teve a infelicidade de ser contemporâneo do maior fenômeno do automobilismo pós-guerra, meu também paciente, Michael Schumacher.

 

Estreia em 2012 homenageando o amigo e ídolo Ingo Hoffmann.

 

Quando ele decidiu, ainda em 2012, que correria na Stock Car, conversamos muito sobre isso em nossas sessões. Eu, particularmente, achava um “desperdício de talento”. Ele tinha – e tem – tanto a oferecer, mesmo hoje em dia, para estar num carro do Mundial de Endurance ou mesmo ter permanecido na Fórmula Indy...

 

Enfim, ele decidiu que, para estar mais perto da família, ter uma vida mais sossegada, poder jogar golfe com mais frequência e principalmente poder acompanhar os primeiros passos dos filhos no kartismo, precisava viajar menos e ficar mais tempo no Brasil. A Stock Car era o único meio de continuar fazendo o que tanto ama e conciliar com as outras atividades importantes de sua vida.

 

Depois de “três corridas de adaptação”, ainda em 2012, Rubens encarou a temporada completa em 2013. Os primeiros passos – no caso, voltas – não foram fáceis. Depois de duas décadas de carros de Fórmula, como adaptar-se a disputa “centímetro a centímetro” onde “trocar tintas” é uma delicadeza visto feito à disputa por espaço nas primeiras curvas das corridas. Mas ele foi conseguindo compreender a “metodologia” da guiada, tão diferente da tocada limpa e precisa que um Fórmula 1 exige.

 

Muito trabalho, adaptação ao novo jeito de correr e a busca da vitória que teimava em não chegar.

 

A temporada de 2013 passou e veio a temporada deste ano. Em nossas conversas, era visível – apesar dele nunca tocar no ponto – que uma coisa o estava incomodando... e muito: a vitória não chegava! Dentro da filosofia tipicamente brasileira de que o segundo colocado é o primeiro perdedor, chegar no pódio em algumas corridas o deixava ainda mais ansioso.

 

A última corrida que vimos pela televisão, a Corrida do Milhão, que de certa forma é a corrida mais importante do calendário da Stock Car, seria o cenário perfeito para uma vitória, para a primeira vitória... e o carro parecia estar perfeito. A pole na classificação no sábado trazia um “estigma”. Até este ano, o pole nunca venceu a Corrida do Milhão! Mas Rubens não parecia preocupado com isso.

 

Em Goiânia, na corrida do milhão, finalmente a vitória!

 

Na corrida, impôs um ritmo forte e para sua felicidade, a entrada do safety car que costuma acontecer algumas vezes nas corridas, não interrompeu as disputas, exceto pela necessidade no início da corrida. Depois, foi disputa aberta e tudo correu certo, inclusive as paradas de boxe para troca de pneu obrigatória e depois a do reabastecimento.

 

No final, a disputa com Thiago Camillo foi dura, mas estava sob controle. A bagagem das disputas internacionais deu a tranquilidade necessária destes momentos e a chegada, com aquela diferença ínfima o fez soltar aquele menino dos tempos do kartódromo de Interlagos que alguns de vocês, queridos leitores, tiveram a oportunidade ver nos anos 80.

 

Rubinho 100% Rubinho.

 

Rubens “foi para a galera”. Jogou o carro na grama que margeia a reta dos boxes e abriu a porta do carro para comemorar mais de perto com o público que encheu o autódromo de Goiânia. Fez zerinhos, levantou a poeira do barro vermelho. Depois fez mais na área de escape asfaltada. Era mais do que uma comemoração: era um grito de liberdade e independência. Era um fardo que sumia de suas costas.

 

A comemoração com o filho, Eduardo, foi divina. E teve um detalhe: ele não chorou! Seu filho sim, emocionado, foi às lágrimas, mas Rubens não chorou. Eu juro que não havia percebido isso... porque eu estava chorando! Foi meu colega aqui do site, o Alexandre Bianchini, que escreve todas as segundas-feiras que comentou este importante fato.

 

Novidade: filho no pódio.

 

O choro ficou mal marcado por conta da Copa do Mundo. Rubens sempre foi criticado pela massacrante mídia nacional e por boa parte dos admiradores do automobilismo por sua emotividade exacerbada. Desta vez ele foi emotivo, sim. Foi vibrante, sim, mas não chorou!

 

O que eu não esperava foi o telefonema, em meio a muito barulho ainda do trabalho de desmontagem dos boxes. Estava almoçando na casa da família do meu noivo quando Rubens telefonou. Ele ainda estava eufórico e perguntava: “você viu a corrida? Você viu a corrida?”

 

Claro que vi! Não vi foi a entrega do troféu porque a transmissão da emissora de sinal aberto cortou a transmissão sei lá porque. Falta de respeito total com o piloto que é seu comentarista nas transmissões da Fórmula 1. Nem tive coragem de dizer isso pra ele.

 

Desta vez, sem choro. Só sorrisos.

 

Rubens fez questão de confirmar a consulta da terça-feira, 14 horas, como de praxe. Foi uma sessão diferente. Pela primeira vez senti em meu paciente uma adorável leveza do ser, contrapondo-se ao livro que li anos atrás, onde a leveza era insustentável.

 

Voe leve, Rubens. Voe sempre e, por todos nós, nunca perca a sua essência.

 

Beijos do meu Divã,

 

Catarina Soares