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Fernando e suas angústias PDF Print E-mail
Written by Administrator   
Monday, 08 September 2014 22:49

Olá fãs do automobilismo,

 

Na última quinta-feira chegou a hora de rever um dos pacientes que mais tem me preocupado ultimamente, tamanho o grau de angústia que ele vem passando. Não é fácil para eles ter que vir até aqui em Cuiabá para conversar comigo. Seria mais fácil para boa parte dos meus pacientes se eu tivesse um consultório itinerante e seguisse o circo da Fórmula 1, mas eu tenho outras responsabilidades por aqui e nisso, eles tem sido bastante compreensivos.

 

Fernando é um paciente que não gosta muito de ser visto. Costuma marcar suas sessões para o final do dia, apesar de que, aqui no consultório que sai da sessão não passa pela sala de espera e assim, é possível evitar encontros constrangedores como ter os dois pilotos da Mercedes frente a frente, por exemplo.

 

Fernando estava um tanto abatido quando abri a porta e o cumprimentei. Perguntei se ele estava cansado da viagem ou se o calor nas ruas o estava incomodando muito... mas ele, como de costume, não fez rodeios e foi direto ao ponto.

 

Sabem aquela coisa de que você reencontra a pessoa e parece que, em semanas ela envelheceu 10 anos? Foi essa a expressão que vi nos olhos do Fernando quando ele levantou do sofá. Ele tentou sorrir, mas era demasiado esforço para alguém que viveu tudo o que ele viveu na última semana.

 

Fernando tem  tentado sorrir... mas não está fácil.

 

O primeiro desconforto era o de ver o seu nome “no olho do furacão” das possíveis trocas de pilotos nas equipes. Normalmente, quando um profissional é cobiçado por outras empresas do meio é um motivo para se orgulhar do reconhecimento do seu trabalho, e nisso Fernando se orgulha (as vezes até demais). O problema está nas implicações relacionadas ao fato.

 

Duas delas são bem evidentes: durante dois anos Fernando, com apoio maciço da imprensa de seu país e dos dirigentes da Federação Espanhola de Automobilismo, fez de tudo para conseguir um lugar na Ferrari. Tanto fez que conseguiu. Em lá chegando, queria repetir o ciclo de vitórias que Michael Schumacher conseguiu na década anterior.

 

A Ferrari, contudo, não era mais a mesma. Não contava com a “legião estrangeira” que parecia ter mudado o “modus operandis” da ‘casa di Maranello’. Ali estava apenas o presidente, Luca di Montezemolo, que também sonhava em ter, com o melhor piloto, a volta do domínio na categoria.

 

Aposta de Luca di Montezemolo para levar a Ferrari novamente ao topo, essa também era a sua aposta.

 

Contudo, caminhamos para o desfecho da quinta temporada de Fernando na equipe e nestes, apenas em 2010 as chances de conquistar o título estiveram realmente em suas mãos. Em 2012 o título era possível, quase se concretizou devido à sua regularidade, mas foi devido à isso e não ao fato de ter um bom carro, de poder enfrentar os adversários de igual para igual.

 

Há tempos a Ferrari não consegue entregar um equipamento capaz de permitir que Fernando mostre, com um carro minimamente próximo aos melhores, de que ele é o homem capaz de fazer a diferença. Onde ele chegou num ponto em que a velocidade e a experiência são forte aliadas... e aí entra o segundo ponto.

 

A convivência com Kimi na Ferrari tem sido tranquila... até demais! Diferente do que encontrou na McLaren. 

 

O tempo está passando... passou rápido demais. Desde a conquista do bicampeonato, em 2006, Fernando perseguiu um local de trabalho onde pudesse estabelecer uma continuidade de trabalhos e vitórias. Achou que encontraria isso na McLaren em 2007. Em termos de equipamento até existia, mas o ambiente britânico com um veloz prodígio, britânico e “cria da casa”, não permitiram que o sonho se tornasse realidade “repetir o reinado de Ayrton Senna” em Woking.

 

Nos últimos dois anos a Ferrari conseguiu “ir além” no quesito erros de projeto e juntando a construção do carro com as novas regras para o motor turbo deste ano foi um balde de água fria no que poderia ser a chance de ouro para virar o jogo diante do domínio da Red Bull... e não foi. A protagonista, neste caso, foi a Mercedes.

 

Piloto nenhum se sente feliz longe das vitórias e Fernando não está nada feliz com o que está vivendo na Ferrari. 

 

Surpreendi-me quando ele falou sentir falta do Felipe – pela primeira vez de forma clara e direta – na equipe. O trabalho com o Kimi é bom, é tranquilo, mas falta um “calor latino” que com o finlandês não existe. Além disso, a forma como o novo companheiro foi levado para a equipe também não foi das mais agradáveis. Era pra ser “a pedra na sapatilha”... e acabou não sendo. Isso poderia ter sido bom, por um lado, mas acabou não surtindo o efeito desejado por quem o queria lá.

 

Fernando quis voltar à semana em questão, com o GP de Monza onde o mundo parece pesar sobre as cabeças de todos que trabalham na Ferrari. Desde o presidente até o faxineiro. No caso, para a torcida, é algo que vai além do compreensível e ele contou-me uma estória que ouviu lá em Maranello. 

 

Certa vez, em uma GP em Ímola, que leva o nome dos irmãos Dino e Enzo Ferrari, uma corrida (fui pesquisar e era o GP de 1983), quando Ricardo Patrese, piloto italiano tomou a ponta da corrida no final da prova e, poucas curvas depois, saiu reto e bateu, devolvendo a liderança para Patrick Tambay. A torcida vibrava e gritava porque seria uma vitória da Ferrari, independente de Patrese ser italiano.

 

Abandonar a corrida, em casa, diante da torcida, foi o final de uma terrível semana de cobranças.  

 

Vencer na Fórmula 1 é algo mágico e com a Ferrari, mais ainda. Contudo, com todas as conversas que tem acontecido no meio do ‘circo’, Fernando anda tendo que se preocupar com mais coisas que apenas pilotar. As cobranças sobre seu futuro foram enormes ao longo da semana inteira. Na coletiva de imprensa, caminhando no Paddock, ouvindo as arquibancadas.

 

O final de semana foi torturante. Ver que o carro não tinha condições de andar na frente de quem tinha motores Mercedes e ainda ter a ciência de que, em ritmo de corrida, poderia ser superado pelas Red Bull. Pior que isso foi ter o problema no carro e abandonar a prova em frente as arquibancadas lotadas no final da reta. A caminhada de volta durou uma eternidade.

 

Fernando sabe que tem nas mãos um contrato que pode permitir sua saída por falta de performance. Tanto que no ano passado, seu empresário esteve no motorhome da Red Bull para tentar uma transferência. Uma possível ida para a McLaren tem duas coisas a se pesar.

 

A cabeça baixa não combina com o espírito guerreiro de Fernando... mas ano após ano de insucessos estão pesando. 

 

A primeira é o motor Honda. É tudo novo e não há nenhuma garantia de que tudo correrá bem e de que isso fará com que a equipe inglesa venha a se tornar novamente uma vencedora e dominadora da categoria, como foi no final dos anos 80 e início dos 90.

 

A segunda é que o ambiente que ficou para trás com declarações duras de parte a parte entre ele e Ron Dennis deixaram marcas profundas e em se tratando de duas pessoas conhecidamente de personalidade forte, até onde estariam cicatrizadas? Sua ida para a equipe seria “bancada” pela Honda e lá, mais uma vez, encontraria um piloto “criado nas bases da equipe”. Pelo menos – desta vez – não sendo inglês.

 

A dificuldade agora é buscar algo que não depende apenas dele. Fernando sabe disso, assim como que cabe a ele decidir seu futuro. 

 

Não cabe a um terapeuta indicar caminhos ao seu paciente, mas sim fazer com que ele descubra que caminhos deve seguir, que decisões deve tomar. Fernando hoje é uma pessoa repleta de perguntas que urgem por uma resposta. O tempo na Fórmula 1 passa tão rápido quanto os carros na reta do autódromo de Monza e ele sabe disso.

 

Beijos do meu Divã,

 

Catarina Soares