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Terapia de Grupo na Mercedes PDF Print E-mail
Written by Administrator   
Friday, 15 July 2016 23:31

Olá Fãs do automobilismo,

 

Estou escrevendo esta coluna no lounge do aeroporto de Heathrow, Inglaterra, voltando do GP da Inglaterra de Fórmula 1. Desta vez não fui para o autódromo para fazer uma cobertura para o nosso site, mas convidada, quase convocada, para estar em Silverstone este final de semana.

 

No domingo do GP da Áustria, dia 3 de julho, depois daquilo que todos vimos na última volta da corrida, algumas horas depois da bandeirada, quando já era manhã de domingo em San Diego, meu telefone tocou... era Niki Lauda. Ele me cumprimentou e disse que gostaria de colocar o telefone no viva voz porque precisava que eu ouvisse também outra pessoa.

 

Eu disse que estava tudo bem e quando ele abriu o viva voz, eu ouvi um “Boa tarde Doutora, aqui quem fala é Toto Wolff”. Confesso que dei uma geladinha... sempre achei o chefão da Mercedes uma pessoa muito distante e entre o espanto e a curiosidade, ele foi logo perguntando como estava a minha agenda para os dias 6 a 11 de julho, se eu tinha pacientes que não fossem regulares porque ele gostaria de me levar para a Inglaterra para que fosse feito um trabalho de grupo com a equipe naquele final de semana, envolvendo ele, o Niki e os pilotos.

 

Eu disse – e isso é verdade – que tenho um certo ceticismo com relação a terapias de grupo, mas ele insistiu e seu argumento de que, como eu teria consulta dos dois pilotos da equipe esta semana, ele queria poupa-los da viagem e que eu estaria liberada para atender os outros pacientes da F1 que eu tivesse, mas que ele gostaria de concentrar cerca de duas sessões diárias com sua equipe... e que pagaria todas as despesas, além de um extra (considerável, por sinal). Acabei cedendo.

 

Numa atitude que me surpreendeu, recebi uma ligação de Toto Wolff, me pedindo para ir a Silverstone fazer um trabalho de grupo.

 

No contexto de saúde mental, uma das formas mais difundidas de utilização do dispositivo grupal é a psicoterapia. Essa modalidade de atendimento psicológico alcançou nas últimas décadas uma expansão extraordinária. Na psicoterapia individual, o terapeuta estabelece um vínculo profissional com o paciente, mediado por formas verbais e não-verbais de intervenção, com o objetivo de buscar alívio para o sofrimento mental, modificar comportamento desajustado e encorajar o desenvolvimento e amadurecimento da personalidade. Na psicoterapia de grupo esse processo é realizado pela interação entre terapeuta e pacientes, assim como entre os próprios pacientes. Além das intervenções aplicadas pelo terapeuta, o grupo e sua matriz interativa são instrumentos empregados para a obtenção da mudança... e esta mudança, pelo que entendi, é exatamente o que Toto Wolff está buscando antes que seus pilotos acabem se matando. Seja na pista, seja no motorhome!

 

Nossa primeira conversa foi na tarde da quinta-feira, com os dois pilotos, Toto Wolff e Niki Lauda. O Diretor Executivo tomou a palavra e mostrou no laptop a sequência de momentos em que Lewis e Nico  - em suas palavras – “passaram dos limites” e me questionou sobre o que vinha sendo conversado nas sessões que ambos vem tendo comigo já há alguns anos.

 

Obviamente respondi que tenho um compromisso de confidencialidade dos meus pacientes e que não poderia expor a linha de condução das sessões com eles. Ressaltei, inclusive, que Niki Lauda, ali presente, foi até San Diego me perguntar a mesma coisa. Deixei claro que nossa conversa em grupo, deveria seguir um modelo de terapia de grupo e não “fazer uma auditoria” no meu trabalho como terapeuta.

 

Teria o nível de atrito entre Lewis e Nico chegado ao extremo? Eu temo que não... eles podem ir mais longe. 

 

Neste caso o terapeuta procura facilitar a participação e interação dos membros, de modo que eles possam verbalizar livremente seus pensamentos e emoções. No decorrer desse processo empenha-se em manter o foco da conversa, apoiar os participantes que se sentem embaraçados, mediar conflitos e assegurar o cumprimento das regras estabelecidas e as regras, neste caso, passam pela responsabilidade profissional e de ambos para com os interesses da empresa. De fato, uma equipe tão dominante quanto é a Mercedes na F1 há praticamente três anos.

 

Devo acrescentar, ainda, que no caso de uma terapia de grupo o terapeuta o auxílio para que os pacientes promovam experiências positivas que permitam descobrir e resolver suas dificuldades intrapsíquicas e interpessoais, de acordo com seus sentimentos, comportamentos e reações, sem o medo e a ansiedade que, por ventura, sintam nas ocorrências comuns do dia-a-dia, mas nisso eu passei a questionar também a postura da condução de pit wall (no caso do próprio Toto) com relação ao andamento da prova, as elaborações de estratégia e se os pilotos estavam se sentindo bem com as decisões tomadas. O clima ficou pesado e combinamos que todos deveriam refletir e voltaríamos a conversar na sexta-feira, depois do segundo treino livre.

 

Acontece que a maneira como as pessoas reagem a certas situações podem comprometer qualquer proposta de trabalho e a declaração do Toto Wolff em afirmar que poderia punir o próximo que comprometesse os interesses da Mercedes com uma corrida fora do grid foi simplesmente absurda e começamos a nossa segunda seção com minha pergunta para ele para saber o que ele pretendia ameaçando os dois. Se ele achava que aquilo iria intimidar algum deles. Se fosse pra fazer aquilo, ele não precisava de mim ali.

 

 Ameaçar os pilotos de suspender o próximo que provocar um acidente me fez criticar Toto duramente durante a terapia.

 

O terapeuta habilidoso segue seu método de terapia com espontaneidade, criatividade, tolerância, flexibilidade e competência, ajustando as intervenções de acordo com as respostas e maturidade dos pacientes e do grupo como um todo. Entretanto, podemos ter grupos com participantes interagindo de forma ativa e construtiva, e outros em condição totalmente inversa. Mesmo em um grupo com bom desempenho pode haver momentos de menor rendimento, tornando-se necessário que o terapeuta empregue estratégias para recuperar a produtividade e aquela atitude fez com que caminhássemos bons passos para trás em relação ao primeiro contato.

 

Depois da reunião e de termos marcado a sessão seguinte para depois do treino classificatório, Niki Lauda me ofereceu uma carona até o hotel. Ele queria conversar sobre como colocar as coisas e tentar ser um moderador, uma vez que ele é um “Diretor Não-Executivo” (algo que eu não sei exatamente o que venha a ser). Expliquei para ele que uma das tarefas importantes nas primeiras sessões é auxiliar a criar o ambiente terapêutico e a cultura do grupo, estabelecendo de forma explícita e implícita as normas, os valores, as funções dos participantes e que aquela atitude do Toto Wolff jamais poderia ser tomada e – pior – divulgada. Se a proposta é uma terapia de grupo, para integrar a equipe, saber interagir, atuar e lidar com esta situação de conflito, com atitudes como aquela, não fazia sentido eu estar ali. Ele concordou!

 

Depois da sua ida ao meu consultório no ano passado, acho fundamental a "visão de pista" do Niki para lidar com a situação.

 

No sábado, depois da classificação, tivemos nossa terceira sessão e era preciso tentar ver algum progresso, mas com cuidado. À medida que os participantes se expõem, o terapeuta, conhecendo melhor cada um, pode ajudar a identificar temas em comum. Auxilia o processo de interação, de maneira que todos os membros participem em algum grau. Os integrantes necessitam aprender, gradualmente, a interagir construtivamente entre si, um auxiliando ao outro, compartilhando experiências pessoais e, até mesmo, descrevendo as sensações desencadeadas pelo colega. E apesar do problema de Nico no treino de ontem e da pole de Lewis hoje, o ambiente foi tranqüilo e tanto Toto quanto Niki se mostraram bem mais integrada, especialmente Toto. Bem diferente daquela atitude do dia anterior.

 

Acabamos marcando a quarta sessão para a manhã, antes da corrida. Combinamos de não fazer mais nada depois da corrida, ficaria apenas a reunião pós-corrida da equipe e uma participação minha só se algo indesejável acontecesse. Gostei muito da postura dos meus pacientes ao longo de tudo o que aconteceu no final de semana. Apesar da disputa entre os dois ter extrapolado limites, já que nem sempre oferece discernimento emocional.

 

Juntos, Toto e Niki precisam passar uma atmosfera de paz, equilíbrio e imparcialidade na disputa, mas também estabelecer limites.

 

O terapeuta na psicoterapia de grupo é um membro do grupo, porém deve guardar sua especificidade, o que é fundamental para que o processo psicoterápico se estabeleça e evolua. Dessa forma, desde o início, precisa delinear claramente seu papel, diferenciando-se dos demais participantes, de modo a preservar a sua função. Acho que cumpri bem meu papel. Era algo perto do meio dia e eu estava almoçando no HC da Mercedes quando Toto Wolff veio sentar-se na mesa que eu estava e agradeceu a minha vinda. Eu disse que estava à disposição e que, independentemente do resultado da corrida, na semana que vem os dois teriam consulta lá em San Diego... e agora, depois do resultado, da corrida, sinto que a conversa com Nico será longa.

 

Beijos do meu Divã,

 

Catarina Soares