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GP da Europa de Fórmula 1 - 1993 PDF Print E-mail
Written by Administrator   
Friday, 25 September 2009 19:59

 

Vamos falar aqui de um GP que para um amante do automobilismo, foi daqueles em que se obtém satisfação plena de possuir essa paixão por ver homens e máquinas desafiando o perigo. Falo do GP da Europa de 1993. Provavelmente a maior exibição de Ayrton Senna e uma das melhores atuações de um piloto na história do automobilismo. 

 

Donington Park. Visto de cima, o palco de uma dos maiores espetáculos já vistos na Fórmula 1.

 

A temporada de 1993: campeonato reservado para os “carros de outro planeta". 

 

Começando pelo contexto daquele princípio de temporada: a Williams Renault estava no auge de sua superioridade. Os “carros de outro planeta” eram habitualmente 1 a 2 segundos mais rápidos que seus melhores rivais e as etapas do campeonato de 1993 pareciam mera formalidade para Alain Prost levar seu quarto título. Tanto mais que Senna tinha de lidar com uma McLaren que não mais tinha a parceria da Honda e fora relegada a usar um motor Ford, em versão inferior inclusive a utilizada pela Benetton, algo que gerou muitas discussões e estratégias contratuais no começo daquele ano.Prost venceu em Kyalami, mesmo após uma má largada, mas mostrando muita decisão ao superar tanto Michael Schumacher quanto Ayrton Senna em manobras ousadas. No Brasil, não teve qualquer dificuldade em fazer a pole. Mas na corrida o eixo do mundo começou a mudar. 

 

Ele ficou no temporal paulistano, devido a um erro estratégico da equipe que privilegiou um pit stop de Damon Hill e a uma rodada e batida no carro de Christian Fittipaldi. Senna conquistou uma vitória que desde o princípio parecia impossível e que foi festejada por uma torcida que literalmente invadiu a pista de Interlagos. Mais surpreendente que isso, era o fato dele liderar o campeonato.

 

Em Interlagos, Senna ultrapassa Hill depois do dilúvio que mudou a corrida e fez Prost naufragar nas águas paulistanas. 

 

A corrida seguinte seria inicialmente o GP da Ásia no autódromo de Autópolis (Japão). 

 

Finalmente um GP de F1 em Donington. 

 

Mas... antes mesmo do campeonato começar, houve a falência do projeto de Autópolis, o GP da Ásia foi cancelado e deu lugar ao GP da Europa. Tom Wheatcroft, um velho entusiasta do automobilismo e dono do maior museu de automobilismo do mundo, sempre quis realizar um GP em seu Donington Park. Amigo de Bernie Ecclestone, finalmente conseguiu isso em 1993. Semanas antes da prova ele teve um problema cardíaco, mas dias antes da prova ele saiu do hospital apenas para ver o seu sonho virar realidade. Não se arrependeria. 

 

 

Havia muitos simbolismos naquele GP. Naquele fim de semana, completavam-se 25 anos da morte do lendário escocês Jim Clark, em um trágico acidente numa miserável corrida de Fórmula 2 disputada em Hockenheim. Além disso, seria a primeira vez desde 1938 que os carros de Grand Prix disputariam uma prova em Donington. O vencedor dessa corrida fora o também lendário piloto italiano Tazio Nuovolari, já aquela altura convertido ao poder dos Auto Unions alemães. Isso significava que quem vencesse o GP da Europa colocaria seu nome junto ao de Nuovolari como vencedor de uma prova em Donington. 

 

Donington teve o privilégio de ser o local onde grandes pilotos da história realizaram grandes feitos. Tazio Nuvolari foi um deles. 

 

Fim de semana chuvoso.

 

A corrida seria realizada na páscoa de 1993. Época em que geralmente o clima na Inglaterra é péssimo, para se dizer o mínimo. Nos treinos de quinta (naquela época, pistas novas tinham treinos de reconhecimento as quintas) e sexta choveu pesado, e Senna foi 1,5 segundos mais rápido que os Williams. 

 

Nos treinos de sexta-feira, Senna deixava claro que, na chuva, a superioridade das Williams era totalmente diluída. 

 

No sábado, porém, a situação foi diferente. Com pista seca, Senna ficou somente com o 4º tempo, atrás de Prost, Hill e também de Michael Schumacher que estreava um novo modelo da Benetton. O brasileiro teve problemas de suspensão traseira durante os treinos. A realidade nua e crua foi exposta nesses treinos: No seco, os Williams foram 1,5 segundos mais rápidos que Schumacher e Senna. 

 

Mas no domingo, o clima voltou a ser chuvoso. No warm up, Senna novamente foi o mais rápido, seguido por Prost e Schumacher. Depois desse treino, o Sauber do finlandês Jarvi Lehto teve problemas e ele foi obrigado a largar dos boxes. 

 

 

Mesmo com boa parte daqueles carros contando com controle de tração, era ainda uma largada na chuva e em condições traiçoeiras. Prost e Hill largaram bem, enquanto Senna e Schumacher largaram mal, a ponto de serem superados pelo austríaco Karl Wendlinger da Sauber. Senna inclusive levando um chega pra lá de Schumacher. 

 

 

O momento sublime de Senna. 

 

Mas, o que acontece a seguir é um momento tão raro, singelo e extasiante que chega a ser difícil acreditar que de fato ele tenha acontecido: o chega pra lá de Schumacher parece ter gerado uma centelha de inspiração em Senna, que daí em diante parte para o inacreditável. Ainda no contorno da primeira curva, Senna toma a trajetória externa para superar o alemão.  

 

Após uma largada não tão boa e um "aperto" do Schumacher (que nem apareceu na foto), Senna parte para o ataque. 

 

A próxima curva é uma longa descida em direita-esquerda. Senna a essa altura já em quarto, toma uma trajetória fora do normal: como se estivesse numa volta de qualificação no seco, ele toma a trajetória externa e faz uma ultrapassagem arriscada, porém excepcional sobre Karl Wendlinger. Já extasiados por essas manobras, foi possível vermos Senna dando tudo de si e se aproximando rapidamente de Damon Hill para superar o filho do grande Graham três curvas adiante. 

 

Em menos de meia volta, Senna superou a Sauber de Wendlinger e a Williams de Hill com uma agressividade impressionante. 

 

A tocada de Senna era hipnótica, daquelas em que você inconscientemente para tudo o que faz e prende sua respiração para acompanhar. A essa altura, só Alain Prost estava a sua frente e já não parecia mais uma questão de SE Senna iria conseguir passá-lo e sim ONDE e QUANDO Senna iria passá-lo. 

 

Era uma total subversão da ordem. De repente, aqueles “carros de outro planeta” guiados por Prost e Hill pareciam ser tão frágeis e vulneráveis quanto um carro qualquer de uma equipe qualquer, mesmo que em um desses carros estivesse um piloto do calibre de Prost. 

 

 

No penúltimo grampo do Circuito, Senna tira por dentro e retarda a sua freada. Prost ainda faz menção de tomar a linha do centro, mas já era tarde. Ayrton tinha consumado o ato. Ninguém, nem mesmo Alain Prost conseguia acreditar naquilo que via. Senna tinha saído do 5º lugar para a liderança da prova em apenas uma volta!!! 

 

 

 

Pronto. Podíamos até nos dar por satisfeitos, desligarmos os televisores, ir assistir outras competições como basquete, vôlei, tênis ou futebol, porque o que tínhamos visto de automobilismo já bastava pelo ano. 

 

O desenrolar da prova. 

 

Foi algo tão impressionante e extasiante que não prestamos a devida atenção a outros fatos relevantes que ocorreram naquela primeira volta. Michael Andretti e Karl Wendlinger bateram naquela primeira volta e quem assumiu a quarta posição foi... Rubens Barrichello, que saído da 12ª posição superou os dois Ferrari, Benettons entre outros. 

 

Se Senna proporcionava um show na busca pela liderança, Barrichello - em sua primeira temporada - apresentava suas qualidades. 

 

Ainda se refazendo do êxtase, vimos Senna abrindo 4,7 segundos em relação a Prost e Hill somente na segunda volta da prova. Nas voltas seguintes a diferença entre Senna e os pilotos da Williams irá oscilar entre os 5 e 10 segundos. 

 

Refeito do susto inicial, Prost bem que tentou empreender uma recuperação. Em determinado momento, chegou a diminuir seu atraso para Senna até os 3 segundos e se distanciou de Damon Hill. Depois de ter vacilado na chuva no GP do Brasil, Prost sentia que tinha obrigação de vencer, independentemente do clima daquele dia. 

 

Desse modo, Senna e Prost estiveram o tempo todo jogando com as condições climáticas. Porém havia uma clara diferença nas condições de um e de outro. O tempo todo, Senna sempre se mostrou mais confiante que Prost e a Williams, tomando as decisões em momentos mais apropriados. 

 

 

Na altura da volta 15 a pista secou, e Senna trocou pneus na volta 18. Prost o seguiu duas voltas adiante para verificar que a chuva voltou instantes após seu pit stop. Na volta seguinte teve de parar de novo para colocar novamente pneus de chuva. Algo que Senna seguiu 2 voltas adiante. 

 

A pista mudou de condições diversas vezes durante a prova e Senna conseguia adaptar-se melhor e mais rápido as variações. 

 

Novamente a pista voltou a secar na 32ª volta, e uma nova rodada de pits para colocar slicks aconteceu. Só que dessa vez a McLaren errou a mão, fazendo um pit stop desastroso com Senna (18 segundos), o que fez com que Prost assumisse a liderança com boa vantagem (11 segundos). Parecia que todo o trabalho brilhante de Senna tinha sido estragado por um pit stop infeliz. 

 

Mas Senna começa a descontar furiosamente a diferença para Prost, na ordem de 2 segundos por volta e na 38ª volta o francês vai para os boxes colocar pneus de chuva devido a uma nova garoa. Senna insiste com os slicks, enquanto Prost passa a descontar a diferença. Só que Senna parecia estar com as cartas certas na mão. A pista começou a secar e de repente, ele começou a abrir muito para Prost. O francês, sem qualquer opção tem de parar novamente nos boxes para colocar slicks. Senna batia Prost também no jogo da estratégia. 

 

Há aí um requinte extremamente cruel com Prost: nesse pit stop, ele deixou o motor Renault de seu Williams morrer. Para piorarem as coisas, ele volta à pista exatamente atrás de Senna. Uma volta atrás... 

 

O triunfo da habilidade e estragégia de Senna estava sacramentado. Tanto assim que ele continuaria andando mais rápido que os outros, a ponto de fazer a volta mais rápida da prova passando por dentro dos boxes, ou até ficar durante boa parte da prova com 1 volta de vantagem sobre todos os demais, mesmo que em 3 ocasiões tenha sofrido dificuldades com retardatários (Herbert, Fittipaldi e Barrichello) e que a McLaren tenha voltado a fazer um pit stop ruim (24 segundos) perto do fim da prova. 

 

A briga pelos outros lugares no pódio foi acirrada. Schumacher chegou a andar em 4º, mas abandonou com uma rodada. Alesi também tinha chances, mas ficou com problemas de câmbio na Ferrari. Desse modo, Hill, Barrichello e Prost disputaram as duas vagas finais do pódio. Rubens teve dois pit stops em momentos errados, mas ainda assim conseguiu se manter a frente de Prost. Só que faltando 6 voltas para o fim, o Jordan parou com uma bomba de gasolina defeituosa. O choro de Barrichello ainda dentro do carro foi significativo. Quis o destino que a próxima vez em que ele chorasse dentro de seu carro fosse numa condição climática semelhante, mas num choro que significava sua primeira vitória na categoria. 

 

Senna comemorou muito esta vitória... a bandeira do Brasil, como sempre, estava lá e ele abria 10 pontos sobre Prost no campeonato.

 

Daí em diante, foi apenas esperar pela bandeirada e confirmação da vitória de Senna. Ciente de que aquele triunfo tinha sido especial, Ayrton se mostrava mais expansivo do que o habitual. Ele fez questão de pegar a bandeira brasileira (que coincidentemente tinha seu nome inscrito) para a volta de desaceleração. Ele não hesitou em logo reconhecer que tinha sido esse seu melhor GP. 

 

As reações pós GP. 

 

Na entrevista coletiva, Prost descrevia que seu carro teve problemas na embreagem, nos pneus, freios e tração quando Senna o interrompe e faz uma pergunta tão singela quanto sarcástica que gerou risos indisfarçados na sala de imprensa: “Quer trocar de carro comigo?!?” 

No pódio, Senna comemorava com Hill, ignorando um Prost azedo e deslocado na festa molhada daquele domingo. 

 

Senna tinha propriedade no que dizia. Antes da prova, ele e seu engenheiro Giorgio Ascanelli concluíram que além dos problemas de chuva, havia uma necessidade de se poupar combustível durante a prova. Algo que Senna cumpriu a risca. Ainda na linha das justificativas, Prost explicou anos mais tarde que a Williams tinha um metereologista que naquele dia, pelo menos em dois momentos passou informações que se mostraram equivocadas. Isso até pode ser verdade, mas Alain também não mostrou naquele dia o feeling necessário para tomar as decisões estratégicas corretas. O francês ficou tão abismado com a performance de Senna, que no GP seguinte, perguntou a um engenheiro da Brembo se Senna também tinha a sua disposição os freios ABS que ele Prost tinha na Williams.

A resposta foi um estarrecedor “não”. 

 

Meses mais tarde, Senna explicou sua atuação na 1ª volta e na corrida:

“De repente, era como se tivesse voltado nos tempos da F-Ford... Era uma condição difícil, carro pesado, pneus e freios frios. Não sabíamos o ponto exato de freada para cada curva, não sabíamos se o carro aquaplanaria ou não. Era tudo baseado em instinto... 

 

Você se arrisca a jogar tudo fora no primeiro minuto e meio de GP e a corrida tem mais 1 hora e 58. Mas aí entra a sensibilidade de saber que aquele minuto e meio vale o GP. Tinha de jogar tudo ali. Não era questão de blefar. Era necessário ter certeza de que era aquilo mesmo que se devia fazer. Não havia meio termo. Em momentos assim, você precisa saber o que vai fazer, como fazer e onde fazer... 

 

Foi realmente uma volta espetacular. Sabia que minhas chances estavam ali na primeira volta, e caso conseguisse recuperar as posições e pegar a liderança numa corrida como aquela guiando agressivamente, nas condições em que a pista estava, me permitiria abrir uma grande diferença nas primeiras voltas. Isso também iria descontrolar a cabeça dos caras que depois teriam que se recuperar. Tinha tudo isso muito claro. Era não só uma questão estratégica como também uma questão de motivação e satisfação pessoal. Não era questão de arriscar tudo e se desse errado ter de aceitar os fatos. Era jogar pra valer, mas com muita segurança, sem blefar.” 

 

Palavras de um artista descrevendo sua maior obra. Uma autêntica obra de arte na galeria do automobilismo.

 

Em 1997, Donington Park recebeu uma homenagem para eternizar dois dos maiores pilotos que lá correram...

 

Texto e fotos enviados por Arlindo Silva.

 

 

Fontes: Fórmula 1 1993-94 (Francisco Santos, Ed. Talento); Ed. especial da Revista Quatro Rodas: Ayrton Senna - depoimento exclusivo; Ayrton Senna do Brasil (Francisco Santos, Ed. Talento); Pela Glória e Pela Pátria (Eduardo Correia, Ed. Globo)

 

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Last Updated ( Sunday, 10 October 2010 09:55 )