No final do mês passado, a FIA elegeu (de novo sem oposição, diga-se) Jean Todt para mais um mandato à frente da entidade que governa o automobilismo mundial. No meio dos vários nomes que Todt nomeou para os vários lugares e dossiers que ele abre dentro da FIA, um lugar em particular causou atenção. Numa categoria, ao que se chamou de “mulheres no automobilismo”, Todt nomeou a espanhola Carmen Jordá, de 29 anos de idade. A escolha de jordá não foi consensual, tendo até sido mal recebida entre as mulheres- piloto, que sendo uma minoria, existem. A critica mais vocal sobre este assunto foi a britânica Pippa Mann. A piloto de 33 anos, que tem participações nas 500 Milhas de Indoanápolis e venceu corridas na Indy Lights, afirmou na sua conta de Twitter afirmando o seguinte: "Querida FIA, se as noticias que ouvi forem as corretas, e vocês nomearam um piloto sem resultados de relevo, que não acredita que compitamos como iguais neste desporto, como representante das mulheres no automobilismo, então estou incrivelmente desapontada. Sinceramente, uma corredora da #Indy500 e uma vencedora na #IndyLights". Essas declarações reforçaram o que tinha dito dias antes, onde afirmara que essa série feminina seria uma forma de segregação e separação entre homens e mulheres. “Eu sei de muitas pilotos, algumas delas vencedoras de corridas, que em competições normais não segregadas não conseguem competir devido a falta de fundos. No entanto, pensam que investir em segregação é a resposta”, começou por dizer, antes de atacar os promotores de tal série, afirmando: “Vamos lá ver, este grupo tem este dinheiro para apoiar mulheres nas corridas? Então que o usem para apoiar talentos femininos, a ajudá-las a se manterem ou a voltar a corridas à volta do globo”, apontou. Na GP3, Jordá teve resultados pífios. Primeiro que tudo, um pouco de contexto. A carreira de Jordá no automobilismo não é boa. A título de exemplo, em três temporadas na GP3, a melhor posição alcançada por Jordá fram… dois 17º lugares. De umas certa forma, diz muito sobre o talento dela no automobilismo. Contudo, também se mostrou na Indy Lights e Euro Formula 3, sem resultados de relevo. Em 2016, esteve na Renault Sport Trophy, sendo nona classificada na categoria Am. Mas isso não a impediu de ser piloto de testes da Renault em 2014 e 2015, o que deu alguma polémica por causa dos resultados. É certo que ser piloto de testas não dá em (quase) nada nos dias que correm, a não ser que fique determinado número de dias no simulador da equipa e pouco mais. Mas a sua cara até poderia ser a ideal para “poster girl” da equipa, e se calhar foi essa a ideia em mente. Só que durante esse tempo passou todas as mensagens erradas, digamos assim. Defendeu na altura que as mulheres deveriam ser segregadas, ou seja, ter a sua própria categoria, separada dos homens, onde poderiam competir umas contra as outras. Nos tempos em que estamos, passa-se toda a mensagem errada, especialmente perante mulheres que já mostraram que são tão boas como os homens na pista. Exemplos como Mann, a suíça Simona de Silvestro, a dinamarquesa Christina Nielsen, a italiana Michela Cerrutti (Formula E, TCR) e a colombiana Tatiana Calderon (GP3, Formula V8 3.5) mostraram que são tão velozes como os homens, logo, é apenas porque não tem o dinheiro suficiente para subirem ainda mais na hierarquia do automobilismo. Surpreendentemente, Carmem Jordá foi contratada como "piloto de testes" da Lotus Renault. Só que o aparecimento de Jordá e a sua nomeação para a o tal cargo na FIA surge numa altura em que se soltou o rumor de que poderia estar a ser planeada uma competição feminina de automobilismo. Em princípio, seria para 2019, e tem entre eles outro espanhol, Félix Portero, que correu na GP2 há uns dez anos. E no meio disto tudo, surge outro nome, esse bem mais conhecido: Bernie Ecclestone. O velho Bernie não é fã de mulheres no automobilismo. Na década passada, disse que Danica Patrick “daria um belo acessório” e não acredita na igualdade entre homens e mulheres no automobilismo. E dada a sua idade e a sua mentalidade, não é novo e nem é surpreendente. É a visão antiga e machista de que as mulheres não servem mais do que “grid girls” e sorrirem perante as câmaras. Contudo, estamos no século XXI e é altura de mudar as mentalidades neste campo. Depois, surge outra dúvida sobre esse campeonato, caso exista: quem é que vai querer seguir? Como seria? Uma competição onde iriam para lá chassis passados de carros de Formula 1? Seria o aproveitar de chassis de séries que já não existem mais como a A1GP ou a Formula v8 3.5? Chassis passados da GP2? O que se sabe é que a competição teria sete corridas, seis delas na Europa, e que a vencedora teria uma chance de andar num Formula 1. Pelo menos, é esse o projeto. Algumas pessoas me perguntaram o porquê de eu apoiar a opinião de Mann e ter o meu cepticismo sobre Jordá e a tal série feminina. Acho que, primeiro que tudo, as mulheres tem uma capacidade tão boa como os homens. E nestes tempos que correm, temos de apoiar uma igualdade de oportunidades entre os sexos. Danica Patrick mostrou que uma mulher pode vencer numa categoria top e andar forte entre os homens. Segundo, vendo os exemplos de outras modalidades segregadas, desde o futebol até ao ténis, verificamos que a parte feminina sai sempre a perder. Mesmo modalidades onde as mulheres têm tanta cabeça de cartaz como os homens – dou o exemplo do ténis – os seus “prize-money” são inferiores aos masculinos, apesar de terem tanto tempo de antena como eles. A acontecer uma série feminina de Formula 1, por exemplo, acham que elas receberiam tanto como os homens, mesmo que tudo dê certo? Não. E também temos outras coisas nos quais teremos de meter no contexto de “porque é que a Formula E deu certo e a A1GP não”. Não é por ter peito (digamos assim) que a coisa vai dar sucesso, os carros que elas deveriam guiar tem de trazer algo do qual seja uma mais-valia tecnológica e não “mais do mesmo”, pois caso contrário, em meia dúzia de anos, a série desaparece, como aconteceu na A1GP. E mesmo tendo televisão a transmitir as corridas não é garantia de continuidade: o WTCC teve o apoio da Eurosport e em 2018 vai-se fundir com a TCR para garantir a sobrevivência de um Mundial de carros de turismo. As marcas estão todas na competição elétrica por causa disso mesmo: o futuro são os carros elétricos por muito que custe aos puristas. Pippa Mann e Susie Wolff se posicionaram categoricamente contra a separação de homens e mulheres na pista. E também temos o “fator Bernie”: desde que ele vendeu a Formula 1 para a Liberty Media e este o despediu “para cima”, ele poderá estar a magicar uma espécie de “série paralela” para dar cabo do negócio da Formula 1, especialmente numa altura em que se está a negociar o novo Acordo da Concórdia. Uma série feminina poderia servir como um “cavalo de Tróia” para que Bernie tente dividir, e claro, elas seriam usadas e deitadas fora, digamos assim, uma vez concluído o seu objetivo. Portanto, são estas – e mais algumas – razões porque creio que a série feminina faria mais mal do que bem. Para ser bem-sucedida, teria de ser algo do qual traga uma mais-valia e faça vir os fãs e patrocinadores, e as pilotos terem uma real chance para brilhar. Todas querem correr, como os rapazes, e mostrar que conseguem ser bem-sucedidas. Ser usadas ou defender um segregacionismo não ajuda em nada a causa do feminismo ou da igualdade, bem pelo contrário: provavelmente, faria recuar meio século e trair toda uma geração. Saudações D’além Mar, Paulo Alexandre Teixeira
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