Especiais

Classificados

Administração

Patrocinadores

 Visitem os Patrocinadores
dos Nobres do Grid
Seja um Patrocinador
dos Nobres do Grid
O dia em que tive dois títulos mundiais na mão e nem sabia PDF Print E-mail
Written by Administrator   
Tuesday, 15 May 2018 00:16

Faz alguns anos, como quase tudo na vida de gente que viveu tanto tempo como eu, que conheço o também experiente (mais do que eu) Emerson Fittipaldi. Eu o encontrei várias vezes nos Estados Unidos em corridas da Fórmula Indy. Num desses encontros, estava na Califórnia, em Laguna Seca, e, na volta para o Brasil, já na sala de embarque, tive de mudar meu voo de última hora para Miami quando ele disse que faria a cirurgia para se recuperar da queda que sofreu com o ultraleve. Só nesse fato foram cerca de 15 dias trabalhando no Jackson Memorial Hospital, onde ele ficou internado e de onde saiu andando, mesmo contrariando os procedimentos do hospital, que o queria numa cadeira de rodas. “Eu de cadeira de rodas? Sem chance!”

 

Depois que Emerson voltou a morar no Brasil fiz inúmeras entrevistas com ele no escritório que era (ou ainda é) no final da Avenida da Consolação, na zona dos Jardins da capital paulista. Naquela época eu trabalhava no jornal O Globo e o já ex-piloto da Indy era, como continua a ser, importantíssimo para a história do automobilismo brasileiro e mundial.

 

Sempre que marcávamos uma conversa-entrevista era no escritório dele, um amplo espaço no segundo andar de uma antiga casa transformada em imóvel comercial, como quase todas as outras ao redor e na frente. Como a secretária já me conhecia, me mandava subir e esperar por ele na sala. Isso porque se tem algo que Emerson dificilmente respeita é horário marcado. Sua média de atraso é de 90 minutos. Média. Vez ou outra, bem raramente, ele cumpria o horário. Uma vez, a única que me lembro de ter chegado a tempo foi num almoço com o padre Phill, que era capelão da Fórmula Indy e estava no Brasil. Espanto até mesmo para o religioso, que o conhecia muito bem. Dentro do seu padrão, num Programa Roda-Viva (TV Cultura), uma das vezes em que participei, ele chegou com 60 minutos de atraso. A produção estava de cabelos em pé. Eu avisei antes, mas eles não acreditaram. 

 

Mas voltando à parte do escritório, ficava ali, entediado, esperando ele chegar ou falar com outros empresários e andava pelo espaço, que tinha, acho que dois capacetes dele, miniaturas de alguns dos seus carros e dois vasos. Estavam soltos, posicionados sobre uma espécie de pilar, com pouquíssimo espaço de sobra lateral. Qualquer balançada, estariam no chão.

 

 

Depois de várias vezes esperando, de ter investigado os vasos pela absoluta falta do que fazer, e visto que eram de louça, um dia resolvi perguntar qual o motivo de junto, com parte de sua história no automobilismo, aqueles vasos estarem ali. Eram vasos do tipo que a mãe ou a avó coloca na mesa ou na mesinha lateral para enfeitar. Se cair e quebrar, compra-se outro numa liquidação e pronto! Vasos simples, mas charmosos.

 

Eram roxos com umas estrelinhas dourada espalhadas por todo o corpo dos vasos. Nada escrito, exceto algo em chinês do lado de fora, no fundo. Pareciam irmãos gêmeos. Só que um era cerca de cinco ou dez centímetros mais alto do que o outro. A resposta dele me deixou pálido. Emerson me falou que eram os troféus que havia ganho pelas conquistas dos campeonatos mundiais da Fórmula 1 em 1972 e 1974. Só isso. Emerson Fittipaldi disse que naquela época não se entregava troféu aos campeões. Ele ganhou os vasos.

 

Aproveitei e disse a ele da minha preocupação com a queda. Imaginem uma faxineira deixar cair limpando a relíquia, ou um incauto, como eu, ver um ou os dois escaparem das mãos? Falei isso para o Emerson que, frio como se estivesse numa largada decisiva do título, disse que esse fato não aconteceria. Fiquei quieto, mas guardei na memória essa história que agora conto agora pela primeira vez.

 

PS - Espero que meus mais terríveis pesadelos não se tenham consumado e que os vasos-trofeus continuem no escritório, na sala, ou seja lá onde for, inteiros e contando parte da história do automobilismo mundial.

 

Milton Alves