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Itália 1978: A consegração que acabou em desastre PDF Print E-mail
Written by Administrator   
Saturday, 25 August 2018 00:10

Correr em Monza, naquele setembro de 1978, tinha um significado especial para Mário Andretti. Ele, que tinha emigrado para os Estados Unidos aos 15 anos de idade e adoptara mais tarde a naturalidade americana, nunca tinha esquecido as suas raízes, e o local onde começou a ver - e apaixonar-se pelas corridas. 33 anos antes, no mesmo circuito, tinha visto uma corrida de Formula 1 pela primeira vez, e visto o seu ídolo das corridas, Alberto Ascari, correr por lá. Agora, depois daqueles anos todos, ver Monza como palco do seu título mundial, que tanto sonhou e lutou para alcançá-lo, era algo do qual nunca tinha imaginado nos seus sonhos mais loucos.

 

Em 1954, vim com o meu irmão Aldo ver o Grand Prix. Éramos crianças, fomos sozinhos, e jamais dissemos ao nosso pai que tínhamos ido, pois achava que o automobilismo era um desporto pouco honroso. Lembro de ter visto o meu herói Ascari e de pensar o que eu não daria para estar ali sentado num carro de corrida, fazendo parte de uma equipa de Formula 1, disse Mário, muitos anos depois. Catorze anos depois, ele tinha a chance única de ser coroado campeão do Mundo… pela sua nação adoptiva. 

 

E bastava pelo menos um ponto para conseguir esse feito. Tinha tudo a seu favor, porque o maior rival para esse título mundial... era o seu companheiro de equipa, o sueco Ronnie Peterson. A diferença entre ambos era de doze pontos, a três provas do fim, e ambos tinham feito dobradinha na última corrida, no circuito holandês de Zandvoort, a bordo dos seus Lotus 79. O austríaco Niki Lauda, o terceiro no seu Brabham, já tinha 28 pontos de atraso.

 

Apesar do ambiente de festa, havia tensões na Lotus. Ronnie Peterson era, aos 34 anos de idade, um piloto veloz, mas nunca tinha tido grandes escolhas. Era a segunda vez que estava na equipa, depois de ter saído acrimoniosamente da equipa no inicio de 1976. Correra com um March e depois foi para a Tyrrell, tentando fazer o melhor com o modelo de seis rodas, sem sucesso. Voltou em 1978, a convite de Chapman, mas com uma condição: tinha de ser segundo piloto da marca, pois ele tinha apostado as suas marcas no italo-americano, quatro anos mais velho que ele.

 

 Ronnie Peterson é um herói em sua cidade natal (Orebrö),em seu país e para muitos dos fãs mais antigos da Fórmula 1.

 

E apesar de ter conseguido uma excelente temporada - vitórias na África do Sul e Áustria - Peterson decidira mudar de ares, e iria ser piloto da McLaren para 1979. E sobre a sua situação, tinha desabafado a alguns amigos:

 

Vou correr na McLaren na próxima temporada. Ainda não foi oficialmente anunciado, mas o Mário sabe. Algumas pessoas – afirmou depois de um longo suspiro – dizem que eu devo esquecer o compromisso que tenho e lutar pelo título. Não os compreendo, eu sabia no que estava a meter quando o assinei. Se o quebrar agora, quem mais me confiará em mim?”

 

Estando em Monza, esperava-se uma batalha entre os Lotus e os McLaren. E foi o que aconteceu: Mário Andretti ficara com a pole-position, com Gilles Villeneuve logo a seu lado. Na segunda fila, estava o Renault Turbo de Jean Pierre Jabouille e o Brabham de Niki Lauda. Ronnie Peterson era o quinto qualificado, com o segundo Lotus 79, enquanto o Williams de Alan Jones era o sexto da grelha. John Watson, no segundo Brabham, era o sétimo, seguido pelo Ligier-Matra de Jacqies Laffite. E a fechar o "top ten" estavam o Wolf de Jody Scheckter e o McLaren de James Hunt. Emerson Fittipaldi era o 13º na grelha, enquanto Nelson Piquet, com o McLaren da BS Fabrications, qualificara-se na 23ª posição.

 

CARRO VELHO E SEMÁFORO ELETRÓNICO

 

O domingo começa com o "warm up" e Peterson tentava encontrar maneira de se livrar de Jabouille, que era lento a arrancar com o seu Renault Turbo. Pata piorar as coisas, durante o "warm up", o sueco perdeu o controlo do seu carro e acabou na gravilha na segunda chicane, danificando o carro. Sem grande tempo para reparar o bólido, a alternativa e correr com o carro de reserva. Que era ainda um velho 78, desenhado de modo difirente que o 79, e isso viria a ser decisivo ao que iria acontecer mais tarde.

 

Entretanto, a organização, em conjunto com a FISA, decidiu estrear o sistema de partida electrónico, onde os pilotos largarão num sistema de semáforo, accionado pelo director de corrida, Gianni Restelli. No sistema, espera-se que eles partirão depois de todos os carros estiverem parados na grelha de partida, após uma volta de aquecimento.

 

 Uma desastrosa largada com faróis, usada pela primeira vez na categoria, foi responsável por um grane acidente.

 

Na hora da corrida, os carros fizeram esse procedimento, com Andretti na frente de Villeneuve, de Jabouille, de Lauda... correndo devagar ao longo da pista de Monza, até chegaram à linha de meta. Os carros começam a parar, uma linha atrás da outra... até que se acende o verde. Só que foi um procedimento inadvertido, pois apenas os oito primeiros estavam parados na grelha. 

 

Com 26 carros qualificados, quando estes chegaram à primeira chicane, onde a pista se encurtava quase para metade, estes iriam estar uns ao lado dos outros, e o desastre iria ser inevitável. Peterson, que tinha partido lentamente, perdia lugares devido ao seu carro pesado, e de repente, leva um toque do McLaren de James Hunt, que por sua vez, tinha sido tocado pelo Arrows de Riccardo Paterse. Guinando para a direita, bate de frente contra os “rails” de protecção, explodindo numa bola de fogo.

 

Tentei puxar o Ronnie, mas estava preso entre o volante e o que restava do chassis. Fumo e labaredas envolveram de novo o caro, mas os bombeiros apagaram-nas. Com a ajuda do Clay [Regazzoni], conseguimos arrancar o volante e eu agarrei o Ronnie por debaixo dos braços e tirei-o do carro. Vi logo que as suas pernas estavam em muito mau estado porque nada restava da frente do carro.”, contou James Hunt, no dia a seguir ao acidente. De facto, foram eles que tiraram o sueco dos escombros.

 

 As cenas que todos viram na televisão e no autódromo foram apavorantes, com fogo e fumo negro por toda parte.

 

O resto era uma carnificina. Nessa carambola fica, para além de Peterson, Hunt e Patrese, os Tyrrell de Didier Pironi e Patrick Depailler, o Ferrari de Carlos Reutemann, o McLaren privado de Brett Lunger, o Ensign de Derek Daly, os Shadow de Regazzoni e Hans Stuck, que levara com um pneu na cabeça. Mas em pior estado estava o Surtees de Vittorio Brambilla, que também levara com um pneu na cabeça e estava inconsciente.

 

Peterson esperou alguns minutos para que chegasse uma ambulância que o levasse para o centro médico de Monza, onde lhe administraram os primeiros socorros, feitos pelo Dr. Syd Watkins, o médico oficial da Formula 1. Cerca de uma hora mais tarde, Peterson foi levado de helicóptero para o Ospedale Maggiore di Niguarda, em Milão, onde os médicos de serviço decidiram mais tarde naquele dia operá-lo às pernas, para reduzir as fracturas, e evitar possíveis amputações.

 

 Ronnie Peterson demorou a ser resgatado e foi socorrido por seu próprios colegas, pilotos, que o retiraram do carro em chamas.

 

Com isto tudo, os bombeiros e as equipas de socorro demoraram quase duas horas para remover os destroços e reparar os rails de protecção que ficaram danificados. Uma conferência entre a organização, os pilotos e os construtores fez chegar a um acordo, no sentido da partida acontecer perto das quatro da tarde locais, duas horas do começo da corrida, e que ficaria reduzida a 40 voltas, para que acabasse antes das seis e meia da tarde, altura em que o sol se punha, pois já se estava no final do Verão.

 

 O Lotus 78, carro reserva, ficou completamente destruído e a frente dá uma ideia dos danos provocados nas pernas do piloto.

 

Perto dessa hora, os carros partiram para mais uma volta de aquecimento, mas a meio, teve de ser de novo interrompida, quando Jody Scheckter perdeu o controlo do seu Wolf e bateu forte nos rails de proteção na segunda Lesmo, atrasando a partida em alguns minutos, para poderem tirar o carro do lugar. O sul-africano iria alinhar com o carro de reserva.

 

UM MINUTO ATRÁS... PARA SER CAMPEÃO

 

Quanto recomeçou a corrida depois de todas estas atribulações, Andretti e Villeneuve ficam alinhados, mas partem antes do tempo, sendo penalizados em um minuto pelos comissários. Desta vez, tudo correu sem problemas, e atrás destes dois, seguiam-se Lauda, Jabouille e Watson. Fittipaldi tinha tido problemas e arrancava do fundo do pelotão.

 

 De uma revista sueca da época, uma explicação gráfica do que aconteceu para o desfecho que vimos.

 

O resto da corrida aconteceu sem incidentes. Villeneuve foi para a frente, mas não aguentou o ritmo de Andretti, e teve de ceder a posição para o americano, sem saber que ambos estavam penalizados, e portanto, aquele combate era inútil. Na realidade, o comandante era Lauda, e quando Jabouille desistiu, na volta seis, com o motor rebentado, a Brabham garantia uma dobradinha “em casa”, pelo menos em termos de motores… A acompanhá-los no pódio foi o Ferrari de Carlos Reutmann, e os restantes pontuáveis foram para o Ligier de Jacques Laffite, o McLaren de Patrick Tambay, e o Lotus de Mário Andretti. Com esse ponto, o americano repetia o feito de outro americano, Phil Hill, exactamente 17 anos antes: ser campeão do Mundo. E como em 1961, tinha um pormenor mais arrepiante: o seu companheiro de equipa sofrera um acidente e agora, lutava pela vida.

 

Por esta altura, Peterson estava em Milão, no Ospedale Maggiore di Niguarda, em Milão, onde os médicos de serviço tinham um dilema: operá-lo já, para diminuir as fraturas e impedir uma amputação, ou esperar por especialistas que estavam em Genebra, que saberiam como fazer este tipo de operação, dada a sua experiência nas lesões sofridas por esquiadores alpinos.

 

 Ronnie Peterson saiu consciente da pista e chegou consciente ao hospital, por mais incrível que possa parecer. 

 

O dilema era justificável, pois corriam-se riscos: se operassem já, havia complicações resultantes em embolias gordas, ou seja, a entrada de partes da medula na corrente sanguínea. Caso não operassem, ou arriscassem uma transferência para a Suiça, onde estaria a cargo de especialistas ortopédicos, poderiam instalar-se necroses na perna direita, e aí a amputação era inevitável. Não havia tempo a perder, e depois de consultar o próprio Peterson, ele autoriza a operação. Ainda tem forças para dizer ao seu amigo e ex-piloto Reine Wissel: “Se conseguiram arranjar o Graham Hill, esta gente consegue arranjar-me as pernas. Voltarei a correr na próxima temporada…” Seria a última vez que falaria.

 

A operação demora cerca de duas horas e meia, mas aparentemente, tudo tinha corrido bem, pois temia-se de início que teriam mesmo de amputar a sua perna direita… contudo, a meio da noite, quando se sabe que Brambilla recupera a consciência, o estado de Peterson piora subitamente. Descobre-se que um pedaço da sua medula óssea tinha entrado na corrente sanguínea, e provocara uma embolia gorda, que tinha feito colapsar os seus pulmões, rins e causar uma hemorragia cerebral. Às 9:11 da manhã de 11 de Setembro de 1978, Bengt Ronnie Peterson estava morto.

 

A notícia da sua morte foi um choque, pois tinham recebido o resultado da operação e esperavam que ele fizesse uma lenta, mas segura recuperação. Um dos pilotos mais velozes da década, duas vezes vice-campeão do mundo e dos mais populares do pelotão, sucumbia aos perigos do automobilismo, e era também o terceiro piloto de Colin Chapman a sucumbir aos seus carros, depois de Jim Clark e Jochen Rindt.

 

 O funeral de Ronnie Peterson tocou fundo o coração do que costumam chamar de "gelado" povo sueco.

 

Quatro dias mais tarde, a 15 de Setembro, o seu funeral fez parar a cidade de Orebro, na Suécia. Foi seguido por dezenas de milhares de pessoas. Quase todos os pilotos vieram prestar o seu tributo, bem como um abatido Colin Chapman (o caixão tinha chegado à Suécia no avião privado dele) e cinco deles vieram a levar até à sua tumba: James Hunt, Niki Lauda, Jody Scheckter, Emerson Fittipaldi e John Watson. Atrás deles, no cortejo fúnebre, seguia um moribundo Gunnar Nilsson, que tinha estado na Lotus na época anterior, mas que na altura lutava contra um cancro mortal nos testículos. Seria a sua última aparição pública, já que morreria de mês e meio depois da doença, no Hospital Charing Cross, em Londres.

 

Ainda houve mais um capítulo desta história trágica e triste. Ronnie era casado com Barbro Edwardsson, que tinham conhecido quase uma década antes, tendo casado em 1973 e tido uma filha, Nina. Barbro nunca se recompôs da perda. Apesar de algum tempo depois ter começado uma relação de cinco anos com o irlandês John Watson, a depressão nunca a largou. Quando acabou com a relação, tornou-se cada vez mais reclusa e solitária. Poucos dias antes do Natal de 1987, a 19 de Dezembro, foi encontrada morta na sua casa, devido a uma combinação de álcool e barbitúricos.

 

Saudações D’além Mar,

 

Paulo Alexandre Teixeira 
Last Updated ( Saturday, 25 August 2018 16:03 )