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Um Mustang que vale milhões PDF Print E-mail
Written by Administrator   
Tuesday, 28 January 2020 21:29

A história que se segue vale a pena ser contada. Trata-se de um filme que entrou nas mentes de toda uma geração, imortalizou um automóvel, as suas cenas de perseguição automóvel entraram no cinema como um modelo a seguir por realizadores no futuro, colocou um ator no panteão da fama, mas sobretudo... causou uma obsessão num determinado modelo de carro: um Ford Mustang fastback de cor verde. Essa obsessão durou quase meio século, e a história deu tantas voltas que se chegou a acreditar que o carro estava perdido para sempre. Na realidade, esteve escondido, tranquilamente, numa garagem, e o vendedor resistiu a todas as ofertas de venda, incluindo a do ator que o guiou.

 

Esta história teve o seu final este mês, na Florida, quando foi vendido por 3,4 milhões de dólares. Tornou-se no Ford Mustang mais caro de sempre, mas a história que conto tem a ver com a saga do qual chegarmos a este momento. Sigam-me linhas abaixo, porque vale a pena lê-las.

 

O FILME E AS CENAS MARCANTES

 

"Bullitt" foi realizado em 1968 por Peter Yates. A ação passa-se em São Francisco onde o detetive Frank Billitt, tenente da policia local, tem de proteger uma testemunha do crime organizado, marcado para morrer. Dois atiradores matam dois dos seus colegas e o perseguem, a bordo de um Dodge Charger preto. Bullitt, no seu Ford Mustang Fastback verde, tenta sacudi-los para fora da cidade, numa perseguição automóvel a alta velocidade que acaba com o Charger num depósito de gasolina, explodindo num fogo de artificio não intencional...

 

 

 

A cena final acontece no aeroporto de São Francisco, onde Bullitt encurrala Johnny Ross - a testemunha que afinal, tinha trocado de lado - e o abate, depois de este ter atirado sobre um policia, matando-o. 

 

O filme estreou-se a 17 de outubro de 1968 e custou quatro milhões de dólares, com receitas dez vezes superiores. Venceu um Óscar para a Melhor Edição e foi nomeado para Melhor Som. As cenas de ação ficaram na história e a reputação de McQueen como "o rei do Cool" foi solidificada. Mas quem roubou as cenas todas foi o carro, o Mustang. A cena tem quase onze minutos, mas foram os suficientes para garantir a imortalidade. Para a fazer, a Ford cedeu dois Mustangs verdes em regime de empréstimo, do qual foram modificados para se poderem montar os suportes de câmara semelhantes aos "onboards" de hoje. Dois Dodge Charger foram também cedidos, e seriam guiados por Bill Hickman, um lendário "dublê" que excepcionalmente, teria um papel como assassino.

 

 

 

Ambos os carros foram guiados a mais de 180 km/hora em certas partes, nos arredores de São Francisco, contrariando as recomendações para que não guiassem acima dos 120 km/hora. McQueen fez ele mesmo algumas das cenas - não todas - e ambos os carros ficaram danificados, como seria de esperar. Se a cena em si já é digno de lenda, a sua edição é que a transportou para a imortalidade. Tanto que ao longo dos anos 70, todo e qualquer filme de ação teria de ter uma cena de perseguição automóvel. Cenas como a de Gene Hackman no filme de 1971 "Operação França", debaixo da ponte em Nova Iorque ou a de Roy Scheider em 1973, no filme "The Seven Ups" até podem ser melhores e mais realistas do que as do "Bullitt", mas nada bate a versão original.

 

QUARENTA ANOS NUMA GARAGEM

 

Em 1977, Steve McQueen vai a uma casa no Kentucky falar com o seu proprietário. Conversam num instante sobre um artigo que ambos têm interesse, e faz uma oferta aparentemente irrecusável. O proprietário ouve-o com atenção, mas no final, acaba por recusar a oferta. Isto foi um negócio privado, uma conversa privada, mas o senhor recusar tal oferta de um dos atores mais bem pagos de Hollywood parece hoje descabida, mas aconteceu. 

 

 

 

O senhor com quem McQueen falara chamava-se Robert Kiernan. Ele tinha na garagem o Mustang Fastback que fora usado nas filmagens, e tinha comprado três anos antes a um policia de New Jersey, depois deste o ter comprado num leilão da Warner Bros. Kiernan reparou no carro à venda depois de o ler na secção de classificados da revista "Road & Track". Depois de falar com o policia, comprou-o por seis mil dólares.

 

McQueen nunca mais tentou falar com ele. Morreu a 7 de novembro de 1980 aos 50 anos de idade, sem ficar na posse do carro.

 

Kiernan nunca tocou nele e apenas fez algumas reparações estritamente necessárias. Quase nunca colocou o carro a rolar, mantendo-o como estava, durante quatro décadas. Enquanto isso acontecia, o mito do carro crescia exponencialmente, também à custa do ator, que depois foi fazer "Le Mans" e "O Caso Thomas Crown", entre outros. A Ford usou bastante esse mito para fazer versões do seu Mustang na mesma cor verde do carro, e muita gente comprou Fastbacks de 1968 para fazer delas réplicas do carro, depois de restauradas. 

 

 

Quanto aos dois Charger e um dos Mustangs, foram aparentemente sucateados devido aos estragos que sofreram e devido a problemas com os seguros. Contudo, em 2016, o outro Mustang é descoberto numa sucateira no México e trazido de volta para os Estados Unidos para ser restaurado. 

 

Em 2014, Robert Kiernan morre e cabe ao seu filho, Sean Kiernan, herdar o espólio. Ele decide que é altura de tirar os panos que o cobrem e voltar a ver a luz do dia. Quando o Fastback original é anunciado, no final de 2017, é uma sensação que percorre a América e o mundo. Afinal de contas, ele existe mesmo. 

 

 

 

Mostrado ao público no Salão do Automóvel de Detroit de 2018, perante um público que acorre em massa, é uma espécie de "fechar de circulo". Poucos meses depois, decide levar o carro a leilão, que acabou por acontecer a 10 de janeiro deste mês. Quando soou o martelo, a oferta final tinha chegado aos 3,5 milhões de dólares. Ironia: é um coleccionador anónimo, ou seja, vai sair de uma garagem para ir a outra...  

 

Saudações D’além Mar,

 

Paulo Alexandre Teixeira