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O dia em que a Formula 1 parou PDF Print E-mail
Written by Administrator   
Tuesday, 24 March 2020 22:59

Vivemos tempos únicos nas nossas vidas. O coronavirus obrigou-nos a ficar isolados em casa, num período de quarentena do qual não se sabe muito bem quando acabará. Pede-se para que fique em asa por duas semanas, mas os casos não param de aumentar e é provável que este período de quarentena seja bem maior daquele que se espera. Semanas, talvez meses, vão ter de ser passados dentro de portas, com consequências ainda incalculáveis para a economia mundial. Uma recessão é inevitável, isso temos a certeza.

 

Oficialmente, o campeonato da Formula 1 está suspenso. As sete primeiras corridas foram adiadas ou canceladas. Austrália e Mónaco não acontecerão, e tudo o resto foi adiado, até melhor altura. Há quem tema que o campeonato só volte em 2021, e fala-se de uma "supertemporada", lá para agosto... e é ser otimista.

 

Mas o que quero falar é das circunstâncias do cancelamento do GP da Austrália. E de como até chegarmos a essa conclusão, foi uma saga digna de puxar os cabelos e criar ansiedade até ao mais calmo dos sujeitos. Os eventos das últimas dez, doze horas antes do cancelamento serve perfeitamente toda uma temporada do "Drive to Survive", com os rumores voaram de hora a hora, minuto a minuto, e demonstraram muitas coisas. Uma delas, a capacidade - ou incapacidade - da Formula 1 ser sensível aos apelos para levar a saúde pública muito a sério, as divisões dentro do pelotão e as atitudes de alguns dos pilotos, que parece terem descoberto algumas verdades sobre o espírito da FOM, caso ainda não tivessem - ou terem esquecido - sobre o seu espírito de "the show must go on" (o espectáculo deve continuar, não interessa como).

 

A AMEAÇA NO HORIZONTE

 

Então, comecemos pelo momento em que a China anunciou que uma nova estirpe do coronavirus atingiu a cidade de Wuhan, na provincia de Hubei, no cento do país. Os primeiros casos são de novembro do ano passado, mas somente nos primeiros dias deste ano é que se viu a gravidade da situação. As autoridades locais ordenaram o recolher obrigatório na cidade, de 14 milhões de habitantes (!) e em boa parte do país, tentando conter a doença. Os eventos desportivos foram cancelados até abril, e isso viu-se no adiamento do GP da China, depois do ePrix de Sanya, a ronda chinesa da Formula E, ter sido cancelada. tudo isto no final de janeiro, inicio de fevereiro.

 

     As vésperas de sua aposentadoria, Chase Carey está sendo obrigado a enfrentar uma crise de enormes proporções.

 

Contudo, com o passar dos dias, o aumento de casos e as restrições de diversos países aos viajantes, para evitar os contágios locais, as pessoas começaram a ficar preocupadas. E no final de fevereiro, com os primeiros casos europeus, e a explosão em Itália, aí sim, os cancelamentos surgiram em catadupa. Desde os campeonatos de futebol, primeiro sem espectadores, até à suspensão pura e dura, o automobilismo seguiu-se. Depois da ronda de Marrocos, a Formula E decidiu suspender tudo por dois meses, após o cancelamento do ePrix de Roma.

 

Mas a Formula 1 resistia. E na semana do GP da Austrália, com todos a terem consciência da gravidade da situação, com regiões e países a decretarem quarentena, a FOM atuava como se nada fosse. Aliás, Chase Carey tinha ido a Hanói, no Vietname, para tentar convencer a corrida a manter-se no calendário, com a hipótese de ser realizada sem espectadores, como acabou por fazer o Bahrein, que iria acontecer a 22 de março, uma semana depois de Melbourne. Todos na Formula 1 queriam que no limite, as coisas acontecessem, porque se fosse o contrário, teriam enormes prejuízos financeiros, dos quais poderiam periclitar a sua viabilidade.

 

O ESPECTÁCULO TEM DE CONTINUAR, A QUALQUER PREÇO

 

Não é uma situação virgem. A Formula 1, ao longo dos seus 70 anos de história, esteve envolvida em ocasiões onde teve o mundo inteiro contra eles, e as corridas aconteceram como se nada passasse. Em outubro de 1985, o mundo inteiro queria que não fossem à África do Sul, que vivia o regime do "apartheid", a segregação racial onde o regime de minoria branca estava no governo, negando todos os direitos, a começar pelo voto, à maioria negra. Por essa altura, todos os desportos boicotavam o regime - tinha sido excluído do Comité Olímpico Internacional, da FIFA, até do rugby, potência mundial, estava em isolamento. A Formula 1 era a grande excepção.

 

     O "alarme" soou com o - a princípio - adiamento do GP da China. Algo maior certamente estava por vir.

 

Apesar dos apelos e ameaças, a corrida aconteceu, mesmo com o governo francês a obrigar as suas equipas - Renault e Ligier - e não ir ao país. Tentou-se evitar que os pilotos fossem lá, mas estavam obrigados pelas equipas a participar. A corrida aconteceu, perante a censura mundial, com 21 dos 25 carros presentes. Mas depois disso, a Formula 1 só regressou a Kyalami em 1992.

 

Há também outros exemplos, desde Imola, em 1994, passado pela polémica do GP do Bahrein, em 2011, em plena Primavera Árabe, onde apesar as pressões politicas, as corridas acontecerem como planeado. Em suma, a Formula 1, especialmente no tempo do Bernie Ecclestone, decidiu que a sua única politica era de continuar, resistindo a todas as pressões. Agora, com ele fora de cena, Chase Carey e a FOM achou por bem que esta seria a mesma ação. 

 

 

 

Mas os tempos são diferentes, irá afetar mundialmente, e os eventos foram mais fortes do que as convições. Só que até chegarmos lá, os eventos andaram entre o cómico e o trágico.

 

AS COISAS PRECIPITARAM-SE

 

Começamos com segunda-feira. Já se sabia que o GP do Bahrein iria acontecer à porta fechada, e o GP do Vietname tinha dúvidas a pairar. Em Itália, o país estava em isolamento total, e os membros das equipas Ferrari, Alpha Tauri e Haas estavam em vigilância, bem como a Pirelli. Maranello ainda não tinha suspendido a sua produção - iria acontecer pouco tempo depois - mas as equipas viajaram para o outro lado do mundo com especial atenção. Tudo calmo, todos pensavam que a corrida iria para a frente, porque a Austrália tinha tido poucos casos, bem como o Reino Unido, por exemplo. Mas já a França e Espanha apanhavam por tabela em termos de doentes e mortos, não muito longe de Itália, e começavam a preparar-se para o pior.

 

    Aguardo com expectativa pelo público local e pelos fãs em todo mundo, o cancelamento do GP da Austrália foi frustrante. 

 

Na quarta-feira, começou a surgir o rumor de que membros da Haas e McLaren estavam com sintomas gripais e isolaram-se. aguardando o resultado dos testes. E já se tomavam medidas: distanciamento social e cancelamento de atividades como as sessões de autógrafos. Mas as pessoas passeavam pelo circuito, e não havia indicações de uma corrida sem espectadores, o mínimo. Os organizadores mandavam mensagens de que tudo estava bem. Mas à medida que as horas passavam, nada estava bem. Quando um membro da McLaren foi testado positivo pelo coronavirus, a equipa reuniu-se de emegência e tomou uma decisão inédita: renunciou à participação no Grande Prémio.

 

Isto, já por si, seria sinal de alarme para que a FOM agisse de imediato. Para terem uma ideia, nesta altura, a Formula E tinha suspendido a temporada por dois meses, tirando de circulação quatro ePrixs, dois dos quais na Europa: Roma e Paris. Seul e Jakarta foram as outras suas provas. Na IndyCar, a organização tinha decidido que a corrida de St. Petersburg iria acontecer sem espectadores - no sábado, decidiram cancelar a corrida - e mais tarde, a corrida de Long Beach também tinha sido cancelada. Na Endurance, Sebring também tinha sido adiada, em principio para novembro. Mas a Formula 1 ainda não dava sinais de ceder.

 

     Em entrevista coletiva, com praticamente todos os pilotos na Austrália, o ar de desconforto era grande entre eles.

 

E fora do automobilismo, a NBA tinha decidido na noite de quarta-feira suspender o campeonato, com efeito imediato, depois de um jogador ter dado positivo para a doença. Houve jogos que foram cancelados em cima da hora, com espectadores a sentarem-se nos seus lugares e a prepararem para ver os jogos. Poderia ser radical, mas o tempo mostrou que foi a medida correta.

 

Por esta altura, Lewis Hamilton criticava a atitude da organização em prosseguir com tudo, apesar de todos os sinais em contrário.

 

Estou muito, muito surpreso por estarmos aqui. É ótimo termos corridas, mas, para mim, é chocante estarmos todos sentados nesta sala e que haja tantos fãs na pista. Parece que o restante do mundo está reagindo, provavelmente um pouco tarde. A NBA foi suspensa, mas a Formula 1 continua trabalhar”, declarava o piloto da Mercedes numa conferência de imprensa.

 

Questionado sobre o fato de a Formula 1 insistir em correr neste fim de semana, Hamilton disparou. “O dinheiro é rei, mas, sinceramente, não sei. Não tenho muito mais a acrescentar”.

 

    Lewis Hamilton foi extremamente direto em seu posicionamento, achando um absurdo a realização da corrida na Austrália.

 

Hamilton tinha tocado na ferida. No meio do essencial, esquecemos do acessório. Dois dias antes, quando as coisas aconteciam velozmente, a Formula 1 tinha anunciado um grande acordo com a Aramco, a petrolífera nacional saudita, a maior do mundo e que recentemente colocou uma pequena parte do seu capital na Bolsa de Nova Iorque. Não se fala só do maior poluidor do mundo, numa altura em que a Formula 1 declarou querer neutralizar a sua pegada carbónica até ao final da década, mas com o dinheiro que querem e com a intenção da Arábia Saudita em ter uma corrida, "money talks, bullshit walks".

 

Nas horas a seguir à renuncia da McLaren, começaram a surgir rumores sobre o cancelamento da corrida. Sinais inicialmente contraditórios, mas depois, durante a madrugada, houve uma reunião entre as equipas para decidir se cancelariam ou não o evento. E na votação... houve empate. Cinco a cinco. Segundo os "insiders", Mercedes, Red Bull, Alpha Tauri, Williams e Racing Point votaram a favor da continuidade, contra Ferrari, McLaren, Alfa Romeo, Renault e Haas.

 

 

Mais tarde, minutos antes do encerramento oficial, a Mercedes tinha entregue um comunicado a pedir à organização para que cancelassem a corrida. A razão era simples, e foi contada pelo site motorsport.com: depois da votação da madrugada, que acabou em empate entre equipas, e de Ross Brawn ter dito que as atividades continuariam na sexta-feira em termos de avaliação, Toto Wolff recebeu um telefonema de Olla Kallenius, o chefe da Mercedes, a meio da noite, que o informou do impacto que o coronavirus estava a ter na Europa.

 

A conversa deixou Wolff indeciso - apesar de Kallenius ter dito que cabia a ele a última palavra - e depois, telefonou a Brawn para dizer que tinha mudado de opinião. Eles tinham votado a favor da corrida, e agora apelariam ao seu cancelamento. Por essa altura, a Ferrari, que tinha votado contra, tinha deixado Sebastian Vettel tomar voo de regresso à Alemanha - Kimi Raikkonen tinha feito o mesmo - e assim deixando implícito que não iriam correr com um dos seus carros, juntando-se assim à McLaren, que tinha renunciado depois de um dos seus membros ter testado positivo para o coronavirus.

 

A TEMPORADA EM SUSPENSO

 

Pelas oito da manhã de sexta-feira, com os seguranças a barrarem a entrada aos espectadores, apareceu o anuncio oficial, com Chase Carey, de regresso a Melbourne, depois de um voo vindo de Hanoi, onde tentava convencer as autoridades - sem efeito - a não adiar a corrida vietnamita, a aceitar os factos e a anunciar algo inédito: o cancelamento do GP da Austrália e a suspensão do resto da temporada. Carey apareceu com o diretor de corrida, sem dizer nada, enquanto era lido um comunicado. 

 

    A cena de ver autódromos vazios espalham-se pelo mundo. Seja na F1 ou em outras categorias, tudo parou.

 

Dias depois, no dia 18 de março, Carey pedir desculpas aos fãs por terem subestimado a gravidade da situação, que levou não só ao cancelamento do Grande Prémio a 72 horas da prova, como também levou ao adiamento das outras provas, fazendo com que o inicio passe a ser agora a 14 de junho, no Canadá.

 

Caros fãs da Formula 1,

Queríamos dividir algumas ideias e perspectivas a partir da semana passada, neste momento que lidamos com a pandemia de coronavírus.

Em primeiro lugar, nossa prioridade é a saúde e a segurança dos fãs, equipes e organizadores da Fórmula 1, bem como da sociedade como um todo.

Pedimos desculpas aos fãs afetados pelo cancelamento na Austrália, bem como pelo adiamento das outras provas até o momento. Essas decisões estão sendo tomadas pela Fórmula 1, pela FIA e por nossos promotores locais em circunstâncias que mudam e evoluem rapidamente, mas acreditamos que sejam as corretas e necessárias. Também queremos estender nossos pensamentos para aqueles que já foram afetados, incluindo aqueles da família da Fórmula 1.

Reconhecemos que todos querem saber o que virá a seguir para a Fórmula 1 em 2020. Não podemos fornecer respostas específicas hoje, dada a fluidez da situação. No entanto, planeamos iniciar a temporada do campeonato de 2020 assim que for seguro. Estamos trabalhando diariamente com especialistas e autoridades, enquanto avaliamos como avançamos nos próximos meses. Manteremos você atualizado e forneceremos os detalhes o mais rápido possível no Formula1.com.

Agradecemos seu apoio e compreensão e desejamos a você e sua família tudo de bom.

Atenciosamente

 

 

  O Grupo Liberty Media tomou uma dificil decisão e vai enfrentar um grande desafio pelos próximos meses. 

 

Ao mesmo tempo, a FIA, na figura de Jean Todt - que durante esse tempo todo esteve uma atitude mutista digna de Napoleão a dirigir o trânsito em Santa Helena - decidiu lançar uma mensagem para o público sobre a doença e a consequente paralisação dos campeonatos. Ele expressou a sua solidariedade para todos os cidadãos do mundo, em especial para a aqueles que colaboram com o desporto motorizado ou com o automobilismo em geral:

 

Queridos amigos, como o mundo está a passar por uma pandemia histórica, quero dizer-lhes o quão estou perto de todos vocês. Como sabemos, a situação é crítica e está em constante evolução. Proteger as pessoas deve ser a prioridade. Gostaria de expressar meu apoio e solidariedade a todos os cidadãos e àqueles que contribuem para o automobilismo e a mobilidade. Como vocês sabem, tivemos que cancelar ou adiar eventos agendados para as próximas semanas e, neste estágio, não temos uma visão clara de quando nossas vidas voltarão ao normal.”, começa por dizer a mensagem.

“É nossa responsabilidade compartilhada tomar todas as medidas necessárias, e peço-vos encarecidamente a cumprir rigorosamente as instruções de segurança da OMS e as dos vossos governos nacionais.”

Somente a nossa disciplina individual nos permitirá superar esse vírus. Juntos, conseguiremos”, concluiu.

 

    Jean Todt se posicionou em aninhamento com Chase Carey na decisão de suspender o campeonado da F1.

 

Em jeito de conclusão, a Formula 1, no seu espírito de “o espectáculo continua, não importa a que preço”, ficou muito mal retratado na câmara. Os seus dirigentes ficaram mal vistos. A FIA e a FOM, que tem responsabilidades civis, não serve só para receber o dinheiro, deram uma lição de civismo... mas ao contrário. E como já disse em cima, ainda não acabou. Com a temporada adiada até junho e todos estes Grandes Prémios sejam, oficialmente, adiados ou cancelados, a FOM fica numa situação complicada. Primeiro, perdem dinheiro, muito dinheiro. E claro, vai menos dinheiro para as equipas para as temporadas seguintes. Vai abalar a Formula 1 no futuro, em mais maneiras do que julgam.

 

Saudações D’além Mar,

 

Paulo Alexandre Teixeira 

 

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