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A Faixa Branca é o Limite da Pista... Será? PDF Print E-mail
Written by Administrator   
Thursday, 09 April 2020 21:39

Uma das grandes dúvidas das regras do automobilismo está na determinação dos limites da pista, ou melhor, no que fazer caso um competidor ultrapasse os limites da pista?

 

Algo que teoricamente parece ser tão simples, já que toda pista tem em suas margens as faixas brancas que limitam o traçado. Mas é aí que começam as dúvidas???  O que é fora do traçado? Queimar a faixa branca já é considerado fora do traçado ou será fora apenas se ultrapassá-la por inteiro? Queimar ou passar totalmente com apenas uma das rodas já é passível de penalização ou deve-se penalizar apenas quando passarem as 4 rodas? Ou bastariam ao menos 2 rodas?

 

Todos que ultrapassam a faixa branca merecem penalização? Mas e se alguém ultrapassou porque rodou na pista? Ou ultrapassou porque foi tocado por outro competidor? E se estava sozinho, porém muito rápido e para não rodar acabou passando sobre a faixa branca?

 

Temos também as faixas brancas que não são limites de pista, são pintadas nas extensões de entrada e saída de box. Estas devem ser tratadas da mesma forma que as faixas dos limites de pista?

 

Vejam como não é fácil para um Comissário Desportivo decidir sobre penalizações por queima de faixa branca. Para tentar esclarecer estas dúvidas, vamos ver o que o CDA, Código Desportivo do Automobilismo diz sobre “cortar as faixas brancas” e para facilitar nosso entendimento, vamos chamar esta manobra como “corte de pista” ou “queima de faixa”, pois é desta forma que os Comissários a chamam.

 

No CDA, existem poucas menções sobre os limites de pista.

SEÇÃO V – DAS ÁREAS DE UM CIRCUITO

Art. 56 – Os circuitos deverão prever as seguintes áreas:

I - PISTA – local onde os veículos competem, determinada por faixas brancas em ambos os lados.

SEÇÃO IX – DA ULTRAPASSAGEM

Art. 120 – Para o procedimento da manobra de ultrapassagem, o piloto deverá observar o que se segue:

I – Durante a prova, um veículo que estiver na pista poderá usar toda a largura da mesma demarcada por duas linhas brancas.

II - Somente a pista poderá ser utilizada pelos pilotos durante o decorrer da prova.

SEÇÃO XI – DA ENTRADA DOS BOXES

Art. 122 – Deverá ser observado pelo piloto quando estiver entrando nos boxes:

V – Exceto em caso de força maior e, a critério dos comissários desportivos, cruzar em qualquer direção a linha divisória da zona de desaceleração e a pista será terminantemente proibido

 

  Faixa branca da entrada de box de Interlagos. Quem entra, tem que estar “dentro”. Quem continua, “fora”.

 

SEÇÃO XV – DA SAÍDA DOS BOXES

126.3 – Na saída dos boxes, o piloto deverá observar a marcação da pista em sua totalidade.

126.3.1 – Caso o veículo ultrapasse a linha de demarcação da saída dos boxes, o mesmo será penalizado com Drive-through, que poderá ser convertido em acréscimo de tempo nas situações previstas no item 138.3, inciso I e II deste Código (fala sobre como aplicar as penalizações).

 

  Faixa branca na saída de box em Interlagos: quem sai dos boxes normalmente não pode sequer toca-la.

 

Queimar a faixa de saída de box a única situação que o CDA prevê uma punição.

 

Exceto no caso de queimar a faixa de saída de box, o CDA não diz muita coisa sobre corte de pista e muito menos sobre penalização por esta manobra, então vamos procurar no CDI, Código Desportivo Internacional:

 

No CDI, em seu Anexo L

CAPÍTULO IV – CÓDIGO DE CONDUTA EM CIRCUITO

2 – Ultrapassagens, controle da viatura e limites da pista:

c) Os pilotos devem utilizar a pista a todo o momento. A fim de dissipar qualquer dúvida, as linhas brancas que definem os limites da pista são consideradas como fazendo parte da pista, mas as bordas, não.

Se uma viatura sair da pista por uma qualquer razão, e sem prejuízo do inciso 2 (d) a seguir, o piloto pode retomar a corrida. Todavia, isso deve ser feito no respeito das normas de segurança e sem daí retirar qualquer vantagem. Será considerado que um piloto abandonou a pista se nenhuma parte da sua viatura estiver em contacto com a pista.

d) O fato de provocar uma colisão, a repetição de faltas graves ou a evidência de uma falta de controle da viatura (tal como a saída de pista), serão reportadas aos Comissários Desportivos e poderão resultar na imposição de penalidades que poderão ir até a exclusão de todos os pilotos envolvidos.

 

O CDI também não é claro sobre as penalizações e diz apenas que, caso ocorram saídas de pista, estas deverão ser reportadas aos Comissários que decidirão sobre a penalização ou não.

 

Exposto tudo isso acima, chego à conclusão de que estamos em mais uma da série “tentando explicar o inexplicável”...

 

Na verdade meus amigos, para mim que tenho a experiencia de estar na Torre de Controle o tempo todo, eu entendo o porquê dos códigos (CDA e CDI) não trazerem explicitamente as penalizações? Por que seria impossível por em um regulamento todas as variáveis que leva um piloto a cortar a pista ou queimar a faixa branca e por isso, todas as ocorrências deste tipo devem ser interpretativas e quando falamos em interpretativas temos as maiores discussões (no bom sentido), sobre as possibilidades ou os motivos pelos quais a pista foi cortada ou a faixa foi queimada. Lembrem-se do que eu sempre falo: fazer um regulamento técnico é fácil, pois é: “pode ou não pode”, “passa ou não passa”, “está na medida ou não está na medida”, não há o que interpretar, mas fazer um regulamento desportivo, não tem como contemplar todas as variáveis que podem ocorrer em uma pista, daí a necessidade de um colegiado de comissários para INTERPRETAR OS FATOS, DE ACORDO COM CADA OCORRÊNCIA, inclusive com diferentes desfechos dependendo da atividade de pista do momento, se é prova, treino ou classificação.

 

Com mais de 20 anos de experiência como diretor de provas, poderia escrever um livro com todas as possibilidades de infrações por corte de pista ou queima de faixa branca, porém, vou explicar apenas alguns fatos relevantes para tomadas de decisões e talvez penalizações.

 

Seguindo a orientação do CDA e CDI, todo corte de pista pode ser penalizado, porém seria justo?

 

(Certa vez assisti um briefing de um Diretor de Provas em Portugal e ele, muito rígido, dizia que se algum piloto cortasse a faixa branca ele poderia solicitar aos Comissários que o desclassificasse).

 

Vou dar um exemplo bem simples de duas ocorrências semelhantes, na qual uma gera penalização e outra não.

 

Imaginem uma sequência de curvas em forma de “S”, um piloto X, tentando fazer a trajetória mais reta possível acaba “cortando” este “S”, com isso ganhando tempo e levando vantagem. Na mesma curva, um piloto Y também corta, porém ao cortar perde um pouco o controle de seu carro e acaba perdendo tempo na curva. Então, me parece claro que o piloto X deva ser penalizado enquanto o piloto Y não.

 

Continuando neste mesmo exemplo. O piloto X, na verdade só cortou a pista porque recebeu um totó um pouco antes e foi desequilibrado na entrada do S. E agora, ele deve ser penalizado??? Será que não seria correto penalizar o piloto que deu o totó???  Vejam que aí começa o trabalho dos Comissários, inclusive, levando-se em conta se o fato aconteceu durante uma corrida, um treino livre ou um treino classificatório. Neste caso, posso adiantar para vocês que dificilmente teremos unanimidade na interpretação, a começar pelos pilotos envolvidos, quem levaria vantagens se houvesse uma penalização? ...quem levaria desvantagens?

 

Vamos observar os 4 desenhos abaixo e tentar pensar como os Comissários avaliariam. Lembrando que estes cortes podem ter ocorrido em 3 situações, corrida, treino livre ou classificatório.

 

No desenho 1 houve um corte absoluto e os Comissários devem avaliar da seguinte forma:

Se for em treino livre, provavelmente nenhuma punição, a menos que este trajeto seja repetido várias vezes pelo mesmo piloto;

Se for em um treino classificatório, no mínimo esta volta será excluída da sua cronometragem;

Sendo em uma corrida, deverão ser observadas algumas variáveis antes de se dar uma punição:

Estava sozinho na pista ou foi tocado por alguém?

Cortou apenas nesta volta, ou errou em outras também?

No momento deste corte, o piloto estava em alguma disputa e levou vantagem por conta deste corte ou estava isolado na pista?          

 

Neste desenho número 2, também houve corte de pista, mas nota-se que o piloto errou e apesar do corte, perdeu tempo, então, muito provavelmente não haveria penalização, mas lembrem-se do diz lá no CDI, se os Comissários entenderem que o piloto é inabilidoso, poderá ser excluído da prova, a bem da segurança de todos.

No desenho 3 também houve corte de pista, ou pelo menos queima de faixa branca. Se pegarmos o regulamento a risca, tanto o CDA, quanto o CDI, uma punição seria “legal”, porém completamente injusta, já que todos os pilotos se apoiam nas zebrinhas e estas estão além das faixas brancas.

O desenho 4 mostra uma trajetória correta, porém não acredito que algum piloto a faça, todos acabam apoiando nas zebras.

 

Inclusive as zebrinhas das pistas do mundo inteiro são marcadas de pneus em suas tomadas, tangências e saídas, servindo estas marcas de referências quando damos aulas de pilotagens. (Fui Instrutor de Pilotagem por mais de 25 anos).

Só por estes exemplos, já podemos perceber que as interpretações podem ser as mais variadas possíveis, porém tenho certeza que todas elas são fundamentadas em fatos da pista, orientação do campeonato  ou experiências dos Comissários em corridas anteriores.

 

Além de todas estas variáveis, nós também temos o histórico de cada campeonato, inclusive com diferentes interpretações apenas pelo fato de serem carros tipo fórmula ou carros turismo. Ao longo do tempo, o campeonato vai se moldando e o Diretor de Provas e Comissários, vão agindo de acordo com cada campeonato, muitas vezes, regras como estas que não trazem claramente as penalizações no regulamento, então os Comissários vão criando uma espécie de procedimento conforme as ocorrências vão acontecendo, também vão identificando em cada circuito do campeonato curvas ou trechos que mereçam mais atenção em relação a estas queimas ou cortes.

 

Por conta disso, o público que acompanha automobilismo geral e não apenas um campeonato percebe como os Comissários podem agir de forma diferente em cada corrida.

 

Um bom exemplo que temos sobre poder ou não cortar a faixa branca, está em Interlagos, na entrada de box, inclusive com a ocorrência bem conhecida do corte feito pelo Lucas Di Grassi na prova do milhão da Stock Car.

 

   Quando Lucas Di Grassi cruzou a linha branca do limite da pista, cometeu uma infração... e foi punido.

 

Esta entrada de box, desde 2015, quando foi reformada, teve algumas interpretações diferentes do corte de faixa branca. Inicialmente, nas primeiras provas deste novo formato, se permitia o corte de pista, haja vista que antes da reforma todos cortavam naturalmente a faixa naquele ponto. Logo nas provas seguintes, inclusive por solicitação de muitos pilotos, foi proibido o corte da faixa branca, pois neste novo formato os carros passavam muito próximos do muro de box. Atualmente, com uma melhor observação do traçado naquele ponto, a maioria dos campeonatos permitem que o piloto corte a faixa branca desde que com apenas 2 rodas, senão será penalizado. Notem que eu falei, a maioria dos campeonatos, pois como disse anteriormente, conforme as corridas vão acontecendo, nós vamos criando os procedimentos de cada campeonato.

 

Resumindo: não existe a menor possibilidade de se tratar todos os cortes de pista da mesma forma, mesmo em campeonatos da mesma entidade, esta sempre será uma avaliação interpretativa, com base em todas as variáveis comentadas acima, onde o momento da prova, treino ou classificatório e a situação pela qual o competidor cortou a pista ou queimou a faixa, poderá ou não ser penalizado e se for penalizado, esta penalização poderá ser desde uma advertência até uma exclusão da prova. Ou seja, os Comissários continuarão sendo questionados sobre suas interpretações, já que muitas vezes não teremos unanimidade nestas interpretações. Lembrando que interpretações não podem ser consideradas completamente certas ou completamente erradas, por isso são interpretações. Se pegarmos um dia ruim para os comissários, então o esporte é que perde.

 

É isso!

 

Abraços,

 

Sergio Berti