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Os Sabotadores PDF Print E-mail
Written by Administrator   
Thursday, 28 May 2020 11:06

Nestes dias de confinamento, sem muito com que fazer em termos de trabalho, as leituras são uma boa maneira de passar o tempo, e este mês tive a sorte de adquirir pela Internet dois livros de automobilismo do qual valeu a pena ter lido. É sobre um deles que refiro este mês na minha crónica habitual, falando sobre um tempo onde alguns pilotos de Grande Prémio decidiram pegar em armas e servir as suas nações numa era de perigos, sabotagens, traições e riscos de morte. Falamos da II Guerra Mundial e a França ocupada pelo regime nazi.

 

"Grand Prix Saboteurs" foi publicado em 2006 e escrito pelo jornalista britânico Joe Saward. Um veterano com mais de 400 presenças nos fins de semana da Formula 1, fundador do site grandprix.com, fez a sua primeira incursão na literatura devido à curiosidade sobre dois pilotos de entre-guerras, com um largo palmarés: o britânico William Grover "Williams", vencedor do primeiro GP do Mónaco, em 1929, num Bugatti pintado com as cores britânicas, e o francês Robert Benoist, piloto que correu nos anos 20 e 30, ao serviço da Bugatti oficial, e vencedor das 24 Horas de Le Mans em 1937, aos 42 anos de idade.

 

Ali se contam as suas aventuras, carreiras, e de como na II Guerra Mundial se tornaram membros do SOE, Special Operations Executive, e acabaram por ser traídos e entregues aos nazis, nos últimos dias da Ocupação, no verão de 1944, acabando por ser executados por espionagem.

 

DOIS HOMENS À BUSCA DE ADRENALINA

 

Robert Benoist nasce a 20 de março de 1895 em Rambouillet, nos arredores de Paris. O seu pai trabalhava nas propriedades do Barão de Rothschild, e na I Guerra Mundial, esteve na infantaria antes de se transferir para o "Armée de L'Air" como instrutor e observador, tirando fotografias de campos de batalha. Após o final do conflito, com 24 anos, tornou-se piloto de automóveis com o intuito de descobrir mais adrenalina. Passou por equipas como a Salmson e Delage, vencendo o GP de França de 1925, na mesma prova onde morreu Antonio Ascari, piloto da Alfa Romeo e pai de Alberto Ascari.

 

  Robert Benoist teve destaque nas pistas pela Delage antes de ir para a Bugatti. Contudo, seu maior feito foi na II Guerra Mundial.

 

Dois anos depois, guiando pela mesma Delage, venceu quatro corridas e deu o título à marca francesa, pouco antes desta decidir abandonar a competição devido ás fracas vendas dos seus carros de estrada. Sem carro, virou-se para a Bugatti, comprando um carro para fazer algumas corridas ocasionais. Pela Alfa Romeo, ajudou a vencer as 24 Horas de Spa-Francochamps em 1929, fazendo parceria com Attilio Marinoni. 

 

Somente em 1934, aos 39 anos de idade, voltou a correr de modo competitivo, a bordo de um Bugatti, preparando-se para as 24 Horas de Le Mans. Sem poderem correr a edição de 1936 devido a uma série de greves que paralisaram o país, foram participar no ano seguinte, com outro francês a seu lado, Jean-Pierre Wimille. Depois dessa vitória, aos 42 anos, Benoist retirou-se da competição e foi trabalhar para a marca, até ser chamado para a Força Aérea, na II Guerra Mundial.

 

Já William Grover nasceu a 16 de janeiro de 1903 em Montrouge, França, filho de um britânico e de uma francesa. Seu pai era criador de cavalos, falava bem ambas as línguas. Depois da I Guerra Mundial, a família mudou-se para Monte Carlo, onde se apaixonou pelo automobilismo, tendo começado a ser "chauffeur" de aristocratas. Com o dinheiro que juntou, comprou os seus primeiros automóveis de competição, graças também à ajuda de William Orphen, que era um dos maiores retratistas de então. Orphen tinha um relacionamento com Yvone Aupiq, e quando ambos terminaram o seu relacionamento, Grover se casou com Aupiq, em 1929.

 

 

 

Por essa altura, já corria com um Bugatti sob o pseudónimo "W Williams". Vencedor por duas vezes do GP de França, em 1928 e 1929, também foi o primeiro vencedor do GP de Monte Carlo, em 1929, depois de um duelo com o alemão Rudolf Caracciola, que guiava em Mercedes. Venceu o GP da Bélgica em 1931, em Spa-Francochamps, antes de vencer o GP de la Baule, por três vezes seguidas, entre 1931 e 1933. Pouco depois pendurou o capacete, antes de fugir de França em junho de 1940, para fugir dos alemães.

 

REBENTAR COM A EUROPA

 

A Special Operations Executive foi um corpo criado a 22 de julho de 1940 por Winston Churchill. O seu propósito era de organizar espionagem, colher dados, ajudar organizações da resistência em países ocupados pelos nazis e sobretudo, fazer operações de sabotagem atrás das linhas inimigas, com o propósito de os manter ocupados enquanto os Aliados progrediam no terreno. Os seus recrutas tinham de ter proficiência em línguas estrangeiras, especialmente os expatriados, e depois de algumas entrevistas, passavam por campos de treinamento, onde eram ensinados a manejar explosivos, saltar de para-quedas, resistir aos interrogatórios do inimigo, especialmente a Abwehr, os serviços de espionagem da Wermacht, e a SD, ou "Sicherheinsdienst", a agência secreta da temida SS, o corpo comandando por Heinrich Himmler.

 

  William Grover foi ploto da Bugatti e teve uma estreita ligação com Robert Benoist, na equipe e nas ações durante a guerra.

 

A SOE queria expatriados, e Grover cabia perfeitamente nessa parte, porque sabia ambas as línguas. Depois de meses de treinos um pouco por todo o Reino Unido, foi largado de para-quedas em meados de 1942 na região de Le Mans e depois de apanhar alguns transportes, chegou a Paris, onde começou a elaborar uma rede de contactos na resistência, para se preparar para a invasão anglo-americana.

 

Por esta altura, Benoist, que tinha sido recrutado para trabalhar na rede Prosper - que tinha o seu nome graças ao agente que a usava, um francês chamado François Suttil - graças aos seus contactos na Bugatti e pelo seu desejo de resistir aos invasores, usava as suas propriedades para recolher armas, receber operadores de rádio e seus aparelhos, e ajuda membros para escapar das garras dos serviços secretos, que queriam desmantelar essas redes. Contudo, em meados de 1943, tinham conseguido infiltrar na rede Prosper, desmantelando-a em junho de 1943, aparentemente graças à prisão de Suttill. Grover foi um dos agentes capturados nessa altura, embora testemunhos posteriores terem dito que ele não cedeu aos interrogatórios na sede da SD, na Avenue Foch, no centro de Paris.

 

  François Suttil tinha contatos na Bugatti e abriu portas para Benoist durante o conflito na Europa que atingiu o mundo. 

 

Já Benoist escapou por pouco de uma eventual captura. Evacuado para o outro lado do Canal da Mancha, esteve na SOE para aprender o básico de explosivos, pois pretendia que trabalhasse na zona de Nantes para recolher informações a fazer explodir a rede elétrica local para tentar sabotar as ações das tropas alemãs para a invasão, agora marcada para junho de 1944. Estando ele em Nantes, poderia tentar escapar aos nazis, que já sabiam da colaboração para com a SOE e estava na sua lista de procurados. E ali ele fazia de tudo para cumprir a sua missão, especialmente nos dias a seguir à invasão, quando dezenas de grupos se organizaram e coordenaram atos de sabotagem contra as comunicações, tentando evitar que chegassem à Normandia.

 

NOITE E NEVOEIRO

 

Depois dos primeiros dias de invasão, e com a França a ferro e fogo, Benoist foi a Paris para fazer mais atos de sabotagem contra o invasor alemão, usando alguns dos seus amigos como contactos, entre eles Jean-Pierre Wimille, seu companheiro de equipa na Bugatti na sua vitória em 1937. A rede trabalhava alguma coisa, mas em 23 de junho, foi capturado, juntamente com mais uma agente. Boa parte da sua rede foi capturada nos dias seguintes, mas Wimille conseguiu escapar por uma unha negra, embora não a sua mulher, Christine de la Fressange. Contudo, esta escapou cerca de um mês mais tarde de uma eventual deportação para a Alemanha, num dos últimos comboios a sair da capital antes da chegada dos Aliados.

 

  Jean-Pierre Wimille foi companheiro de Benoist na Bugatti e em ações de guerra. Ele teve mais sorte e conseguiu escapar.

 

Benoist foi interrogado por cerca de três semanas, aparentemente sem dar informações aos alemães sobre a rede e os seus elementos. Depois disso foi para a prisão de Frésnes, onde lá ficou até fins de julho, numa altura em que a situação em Paris já começava a ser insustentável, à medida que os aliados marchavam por França. Ali, foi levado por comboio até ao campo de concentração de Buchenwald, no meio da Alemanha, juntamente com grande parte dos agentes da SOE capturados pelos alemães.

 

O que não sabiam era que o governo nazi tinha criado um decreto secreto em 1941, onde todos os espiões ao serviço dos aliados não poderiam ser considerados como prisioneiros de guerra, logo, seriam executados. Esses decretos, de seu nome "Nacht ubd Nebel" (Noite e Nevoeiro) eram muito semelhantes aos "Commando Orders" onde todos os Comandos britânicos capturados pelos alemães eram sumariamente executados, depois de algumas das suas ações como o "raid" contra o porto de Saint-Nazaire, em 1942, onde tentaram destruir os estaleiros navais.

 

 

 

Assim sendo, Benoist foi executado a 11 de setembro de 1944 num dos edifícios do campo de Buchenwald, no primeiro grupo. Grover "Williams" estava noutro campo, nos arredores de Berlim, guardado como prisioneiro numa ala especial para espiões capturados. Não há uma data certa, mas tudo indica que ele foi executado a 18 de março de 1945, aos 42 anos.

 

No final da guerra, em setembro de 1945, na primeira corrida após a guerra, no Bosque de Boulogne, em Paris, o troféu principal foi batizado com o nome de Benoist. Jean-Pierre Wimille, o seu amigo, companheiro de aventuras no automobilismo e na Resistência, foi o vencedor.

 

Saudações D’além Mar,

 

Paulo Alexandre Teixeira