Quando começarem a ler estas linhas, é provável que Kalle Rovanpera já tenha triunfado em mais um rali do WRC, já que o Rali da Finlândia acontecerá no final deste mês. Depois de um tempo onde os franceses Sebastien Loeb, e depois, Sebastien Ogier, terem dominado o panorama mundial dos ralis, o WRC, parecia que o equilíbrio seria a norma. Contudo, a temporada de 2022 ainda chegou a meio e em sete ralis, cinco deles foram ganhos por um prodígio dos ralis que está a caminho de ser o mais novo campeão do mundo de sempre. 

Mas o que está por trás disto é alguém que, sendo filho de um piloto de ralis, começou desde muito cedo a se preparar para este momento e agora, está a colher os primeiros frutos de uma campanha que, caso queira, ser o piloto mais consagrado de sempre da terra que nos trouxe os melhores pilotos de ralis do mundo.

FILHO DE CAMPEÃO

Kalle Rovanpera é filho de Harri Rovanpera e nasceu no 1º de outubro do ano 2000 em Jyvaskyla, no centro da Finlândia. No ano em que Kalle nasceu, seu pai era piloto oficial da Seat, mas conseguira dois pódios andando num Toyota Corolla inscrito particularmente por ele. Poucos meses mais tarde, sendo piloto da Peugeot, Harri conquistou o seu único triunfo no Mundial de ralis, ganhando na Suécia. Foi ali que conseguiu a sua melhor temporada, sendo quinto, com 36 pontos. A carreira de Harri  Rovanpera terminou em 2006, correndo pela Mitsubishi e Skoda, conseguindo 15 pódios e triunfos em 76 especiais. Em 2010, triunfou na Carrera Panamericana, guiando um Studebaker de 1953, depois de um duelo com Michael Jourdain Jr.

No meio disto tudo, Kalle crescia e começava a interessar-se pelo automobilismo. Aos nove anos de idade, em pleno inverno finlandês, passeava-se a bordo de um Toyota Startlet, mostrando as suas habilidades em controlar um carro num percurso desenhado para esse efeito. O video circulou no Youtube e ganhou curiosidade em saber o que o filho de Harri poderia fazer. Mas apenas em 2015, quando Kalle tinha 14 anos, é que tentou correr a sério.

Inscrito no campeonato de ralis da Letónia com um Citroen C2 R2 Max – no país não precisa de carta de condução para poder participar - acabou por ser o campeão da categoria R2, ajudado a navegar por Risto Pietiläinen, que tinha feito a mesma coisa com o seu pai na década passada. No ano seguinte, inscreveu-se para a categoria Open, com um Skoda Fabia S2000, e ganhou os dois primeiros ralis antes de passar para um Skoda Fabia da classe R5, para acabar o ano com quatro triunfos e mais três pódios, acabando como campeão. E com 16 anos de idade, era o mais jovem de sempre.

Isso foi mais que suficinte para que a AKK, a Federação Finlandesa de Ralis, emitir uma licença especial para que Kalle pudesse correr o campeonato nacional de 2017, pois ainda não tinha idade para ter a licença para poder competir – só emitiem a partir dos 17 anos. E logo no seu primeiro rali, em Mikkeli, em fevereiro, acabou por vencer, apesar de ter tido um furo no seu Skoda Fabia R5 que o atrasou temporáriamente.

Nova vitória, em junho, em Kouvola, consolidou a sua reputação e aprendia rapidamente as coisas nos ralis. Correu ainda em campeonatos na Letónia e em Itália, com triunfos. Pouco depois do seu 17º aniversário, e com a licença obtida, foi para o Reino Unido para correr esse rali com um Ford Fiesta R5 da M-Sport. Na prova seguinte, na Austrália, ganhou na sua categoria e terminou no 10º lugar da geral, conseguindo o seu primeiro ponto. E ali começou o seu primeiro recorde de precocidade, ao ser o mais novo de sempre a conseguir tal feito, aos 17 anos.

CRESCIMENTO RÁPIDO

Rovanpera tornou-se piloto oficial da Skoda para o WRC em 2018, participando na categoria Rally2, e correndo em alguns ralis selecionados. Corendo com Jonne Haltunnen como navegador, acabou a temporada com duas vitórias na Grã-Bretanha e na Catalunha, terminando a temporada no terceiro lugar na classe WRC2, e ainda conseguindo três pontos na geral, acabando na 22ª posição no campeonato.

Em 2019, é criada a clase Pro no WRC2, e a Skoda inscreve-o, com um Fabia Evo2. Triunfa em cinco ralis, consegue o pódio em mais cinco e acaba campeão, com 176 pontos. E na geral consegue 18 pontos, o suficiente para ser 12º na geral, com o melhor resultado a ser um sexto posto no Rali de Portugal. Mas por essa altura ele já tinha olhos para dar o salto para a classe seguinte, o WRC. A Toyota anunciou a sua chegada no final de 2019, numa equipa que tinha Sebastien Ogier e o galês Elfyn Evans – curiosamente, filho de um piloto de ralis, Gwyndalf Evans – e que tinha uma máquina, o Toyota Yaris WRC, capaz de andar de igual para igual com as outras máquinas ali presentes, o Hyundai i20 WRC e o Ford Fiesta WRC, na temporada de 2020.

O primeiro pódio de Rovanpera aconteceu no México, o terceiro do campeonato, quando acabou em terceiro lugar este rali, e terminou essa temporada encurtada com 80 pontos e o quinto lugar. Apesar da sua temporada de aprendizagem ter sido encurtada devido à pandemia, achou que a aprendizagem tinha valido a pena.

Em 2021 continuava sendo piloto da Toyota, ao lado de Sebastien Ogier, Elfyn Evans e do japonês Katsuta Takamoto, e ali, ele começou a ser mais consistente e mais confiante. Um segundo lugar no Arctic Rally, na Finlândia, parecia prometer uma boa temporada, mas três desistências seguidas estragaram os seus planos de um bom resultado. Mas em julho, em terras estónias, ele faria história.

RECORDES DE PRECOCIDADE

O rali da Estónia era um dos que tinha aparecido no Mundial de ralis para substituir as etapas canceladas fora da Europa, como o México, Chile ou Argentina. Aquele era território virgem para muita gente entre os da frente, excepto duas pessoas: Kalle Rovanpera e o local Ott Tanak. Depois de brigas breves com Tanak e o irlandês Craig Breen, ambos a correrem em Hyundais, Rovanpera ficou com a liderança a partir da quarta especial, não largando até à meta.

Lá, era coroado como vencedor, e aos 20 anos e 289 dias, tornava-se no piloto mais jovem a triunfar na geral de um rali, batendo o recorde de um compatriota seu, o de Jari-Matti Latvala, que tinha triunfado no rali da Suécia de 2008, aos 22 anos e 313 dias, num Ford Focus WRC. Um mês depois, repete o triunfo no Rali da Acropole, na Grécia, e no final da temporada, acaba com duas vitórias, quatro pódios, 122 pontos e o quarto lugar do campeonato.

Em 2022, com Sebastien Ogier em “part-time”, e tendo como compaheiros o seu compatriota Esapekka Lappi, o galês Elfyn Evans e o japonês Katsuta Takamoto, é uma temporada onde ele domina a concorrência. As suas vitórias na Suécia, Croácia, Portugal, Safari, no Quénia, e agora na Estónia, fazem com que ele esteja bem adiantado no campeonato. Agora, nas portas do rali da Finlândia, a sua prova caseira, Kalle tem 175 pontos, mais 83 que o segundo clssificado, o belga Thierry Neuville.

E se for campeão, no final do ano, irá bater em quase seis anos o recorde de precocidade que pertence desde 1995 ao escocês Colin McRae. E caso o finlandês queira correr até à idade de Sebastien Ogier – quase 39 anos – ou até a de Sebastien Loeb – que tem 48 – ele poderá perfeitamente apanhar e ultrapassar ambos e ser o melhor piloto de ralis de todos os tempos.

Ao menos, ele foi ensinado desde a infância para ser o melhor.

Saudações D’além Mar,

Paulo Alexandre Teixeira   

Nota NdG: Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do site Nobres do Grid.