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René Dreyfus, um piloto de dois mundos PDF Print E-mail
Written by Administrator   
Tuesday, 23 August 2022 20:47

Estamos a 18 de maio de 1980. Enquanto o mundo observava, assombrado a explosão do vulcão St. Helens, no Oregon americano, em Monte Carlo, na gala de consagração do vencedor do GP do Mónaco desse ano, todos os convidados viam um Bugatti restaurado, exatamente igual a aquele que tinha triunfado meio século antes. E sentado no carro, ofuscando até Carlos Reutemann, o vencedor da corrida daquela tarde, estava o piloto que tinha triunfado naquelas ruas que, então com 75 anos, tinha sido recebido como um herói, apesar de já não morar ali faz muito tempo.

 

Como se costuma dizer, era o filho pródigo que á casa tornava, depois de uma longa temporada em paragens americanas. Ido para lá por necessidade, lá ficou e prosperou, mas na sua França natal, não tinha sido esquecido, porque tinha sido dos poucos, a par de Tazio Nuvolari, que tinha feito frente aos poderosos Mercedes e Auto Union, ao ponto de ter arrancado numa das mais memoráveis vitórias francesas dos anos 30.

 

 

Quase 30 anos depois da sua morte, René Dreyfus é considerado como um dos grandes pilotos franceses de antes da guerra, a par de Robert Benoist, mas ao contrário deste, que combateu na Resistência e não sobreviveu para contá-la, ele refugiou-se na América para ter uma segunda vida. E é sobre ele que conto a sua história.

 

CORRER ESTÁ NO SEU SANGUE

 

Segundo de três filhos, René Dreyfus nasce a 3 de maio de 1905 na cidade de Nice. De origem judaica, um dos seus irmãos, Maurice segue-o no automobilismo, tornando-se no seu manager. Aprende a conduzir muito cedo, aos nove anos de idade, e também aprendeu talentos mecânicos que viria a servir-lhe mais tarde, quando embarcou no automobilismo. Inscreve-se no Moto Club de Nice e em 1924, na sua primeira corrida em que participa, ainda como amador, chega à meta no primeiro lugar.

 

 

Nos anos seguinte, continua a participar em corridas na região da Riviera, até que em 1929 participa numa prova que acontece numa das localidades vizinhas: o GP do Mónaco. Nessa edição inaugural, num Bugatti, era 12º na grelha, mas acaba em quinto, sendo o melhor na sua classe.

 

No ano seguinte, volta a participar no seu Bugatti para a corrida monegasca. Agora era uma prova atraente, porque tinha um prémio de cem mil francos, muito para a época, e Dreyfus decidiu que, para bater os carros de fábrica, guiados pelo britânico William Grover “Williams”, o melhor seria não parar para reabastecer. Assim sendo, modificou o seu carro no sentido de ter um depósito maior de combustível, arranjou pneus mais resistentes e esperou que o seu carro resistisse ao desgaste da corrida.

 

 

Dreyfus foi décimo na grelha, e à partida, o seu carro era mais pesado e menos potente que a concorrência, que incluia Rudi Caracciola, no seu Mercedes-Benz, por exemplo, e o local Louis Chiron. Mas a aposta compensou, e batendo a fadiga fisica e mecânica, triunfou com 23 segundos de avanço sobre Chiron. Foi o suficiente para notar nas vistas entre as marcas francesas e europeias. Ainda nesse ano, ganhou outra prova importante, o Grand Prix de la Marne, em Reims.

 

Nos anos seguintes, andou pela Bugatti, como piloto de fábrica, e o seu melhor resultado foi o de ter sido vencedor do GP da Bélgica de 1934,e no ano seguinte, era piloto da Scuderia Ferrari, correndo em Alfa Romeos e ao lado de Tazio Nuvolari. Mas por essa altura, o regime nazista já tinha chegado ao poder e tinha investido fortemente na Mercedes e na Auto Union para que estes dominassem nas pistas e mostrassem que a tecnologia alemã era a melhor do mundo. Apesar de um segundo lugar no Mónaco e em Monza, palco do GP de Itália, foi insufuciente para bater os pilotos alemães de Grand Prix.

 

 

Dreyfus bem gostaria de guiar pelos Flechas de Prata, como fazia Chirou e Nuvolari, mas sendo francês e judeu, não tinha hipóteses. Assim sendo, tinha de esperar por melhores dias. Que iriam aparecer, em 1937.

 

O PRÉMIO DO MILHÃO

 

Nesse ano, o governo francês decidiu dar um milhão de francos a todas as construtoras capazes de montar um carro capaz de rivalizar com os alemães. Bugatti e Delhaye foram duas das marcas que competiram por esse prémio, e Dreyfus estava a competir por esta última marca. A decisão acabou por ser numa corrida contra o relógio, entre ambos os carros, no autódromo de Montlhéry, nos arredores de Paris.

 

 

Parte do projeto da Delhaye tinha sido financiado por Lucy O’Reily Schell, uma americana expatriada e apaixonada por automobilismo – seu filho seria Harry Schell, piloto de Formula 1 entre 1950 e 1960 – e a ideia era que a Delhaye triunfasse para poderem competir na temporada de 1938 dos Grand Prix. Com pneus especiais de corrida fornecidos pela Dunlop, forçou o ritmo ao limite, mas conseguiu bater a Bugatti e ficar com o prémio.

 

Com essa injeção de dinheiro, a primeira grande corrida era em abril nas ruas de Pau, no sul de França. A pista urbana era tremendamente tortuosa, e Dreyfus conseguiu ficar na frente do Flecha de Prata de Rudi Caracciola. Durante boa parte da corrida, aguentou as investidas do piloto alemão e conseguiu ganhar, para júbilo dos locais, que por fim viam um dos seus bater os alemães, restaurando o orgulho nacional.

 

 

Mas foi um fogacho. Delhaye não triunfou em mais corridas importantes nesse ano, e já nessa altura, a guerra espreitava no horizonte. 

 

O HOMEM DO GOVERNO

 

Quando a II Guerra Mundial rebentou, em setembro de 1939 – com os Flechas de Prata em Belgrado, para o GP da Iugoslávia – Dreyfus decidiu alistar-se no exército francês, como condutor de camiões. Contudo, na primavera de 1940, o governo decide recorrer aos seus serviços de piloto e atravessaria o Atlântico para participar nas 500 Milhas de Indianápolis, ao volante de um Maserati, inscrito por Lucy O’Reily Schell, ao lado de René Le Bégue.

 

 

E provavelmente, essa missão o poderá ter salvo a sua vida.

 

Em Indianápolis quando a invasão alemã aconteceu, a 10 de maio, ele participou na prova, apesar de desconhecer a maneira como as coisas se faziam por lá. E para piorar as coisas, o inglês de Dreyfus era básico. Mas apesar de todas estas dificuldades, Dreyfus e Le Bégue partilharam a condução do carro e acabaram na décima posição da geral, numa prova vencida por Wilbur Shaw, num outro Maserati.

 

 

Contudo, quando soube da derrota francesa e o desfile dos alemães em Paris, ficou-se por Nova Iorque, abrindo um restaurante... francês. Dois anos depois, quando os americanos entraram na guerra, voltou a alistar-se, desta vez pelos americanos, guiando camiões no teatro italiano. Para além disso, também se tornou tradutor, participando em interrogatórios de oficiais alemães e italianos capturados.

 

Terminada a guerra, tinha já 40 anos. Naturalizou-se americano, mas o bichinho do automobilismo continuava a brilhar. Trouxe o seu irmão Maurice para a América, para cuidar de outro restaurante francês em Nova Iorque, e em 1952, foi a Le Mans com um Ferrari 340 América ao lado do seu filho Pierre-Louis Dreyfuss. Ao contrário do que tinha acontecido em 1937, onde acabou em terceiro lugar no Delhaye da Ecurie Bleue, ao lado de Henri Stoffel, desta vez, não terminou. Em 1955, já com 52 anos, Stanley “Wacky” Arnolt convidou-o para participar nas 12 Horas de Sebring ao volante da equipa Bristol, conseguindo monopolizar o pódio na sua classe. Por essa altura, Dreyfus tinha quase 52 anos.

 

 

Quando regressou à Europa, naquela primavera de 1980, já não estava na sua França natal há algum tempo. Mas foi recebido como um herói por muitos, que o viram correr. Na América, os seus restaurantes eram lugares de encontro de todos os pilotos – ou boa parte deles – que iam competir no Grande Prémio dos Estados Unidos, que nessa altura era em Watkins Glen, mais acima no estado. E em 1980, foi convidado para ser o mestre de cerimónias do Grande Prémio de Formula 1, curiosamente a última vez que esta se correu naquele circuito.

 

Dreyfus morreu a 15 de agosto de 1993, aos 88 anos, dos últimos sobreviventes da era dos Grand Prix dos anos 20 e inicio dos anos 30, dos poucos que fizeram frente aos pilotos alemães e poder dizer que os bateu.

 

 

Ainda há mais uma adenda a esta história: em 2020, surgiu nas bancas uma biografia sua e a das suas aventuras.  “Faster: How a Jewish Driver, an American Heiress and a Legendary Car Beat Hitler’s Best”, escrito pelo americano Neil Bascomb, fala sobre todas estas aventuras da década anterior à II Guerra Mundial. Por agora, só está traduzido para inglês, mas está numa Amazon perto de si.  

 

Saudações D’além Mar,

 

Paulo Alexandre Teixeira

 

 

Nota NdG: Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do site Nobres do Grid. 

  

 

 

Last Updated ( Tuesday, 23 August 2022 21:27 )