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Entrevista: Raul Boesel PDF Print E-mail
Written by Administrator   
Sunday, 10 July 2011 17:55

 

 

O Curitibano Raul Boesel pode se dizer ser um profissional realizado. Depois de uma carreira meteórica desde as corridas com carros de turismo no Paraná à Fórmula 1, depois, o sucesso de uma década na Fórmula Indy, algumas temporadas na Stock Cars e um título mundial de protótipos, Raul é, atualmente, um DJ super requisitado, continuando a viver sob fortes doses de adrenalina. No meio de uma agenda de muitos compromissos, nossa celebridade das pistas - de asfalto e de dança - recebeu o site dos Nobres do Grid para uma maravilhosa entrevista. 

 

NdG: Como foi o seu início de carreira? É verdade que você começou com "menos cavalos" do que as pessoas imaginam?  

 

R. Boesel: (Risos) Digamos que sim. Eu sempre gostei de esportes, mas como jogador de futebol, que é o “esporte nacional” eu era péssimo. O meu irmão mais velho praticava hipismo e eu o segui neste esporte e me saí bem, chegando a me sagrar bicampeão paranaense da modalidade, disputei campeonatos brasileiros e fiz isso até os 15 para 16 anos. Daí, um dia, um amigo me chamou para ir com ele ao kartódromo para ajudar... na verdade, para empurrar o kart dele (risos). Depois ele me deixou dar umas voltas e aquilo me virou a cabeça completamente! Cheguei em casa dizendo que queria correr de kart e que aquilo era algo que não me saía mais da cabeça. 

 

NdG: E como foi a reação em casa sobre a “troca” de um cavalo que saltava por “alguns que voavam”? 

 

R. Boesel: Meus pais não gostaram nem um pouco da idéia... mas eu insisti muito naquilo de querer um kart e acabei ganhando um... não deles, mas de uma madrinha que me presenteou no meu aniversário de 16 anos. Foi ali que começou tudo. Larguei o hipismo e mergulhei de cabeça no kartismo. 

 

NdG: Você começou no kart com 16 anos e na época o pessoal começava um pouco antes, com 13/14 anos. Isso foi uma vantagem ou uma desvantagem? 

 

R. Boesel: Lá em Curitiba não tinha gente mais nova do que eu correndo de kart... talvez em São Paulo ou só nas categorias de base... mas campeonato era mais gente mais velha que eu correndo.  

 

NdG: Mas a gente pode considerar a sua carreira como “meteórica”, desde que deixou o kart até chegar a F1. Você acha que pode ter “pulado algumas etapas”? 

 

 

Eu comecei fazendo hipismo... até o dia em que sentei num kart! Quando fui para faculdade, corria demais na estrada... 

 

R. Boesel: Na realidade, foram circunstâncias que fizeram tudo ser rápido assim. Eu larguei o kart para entrar na faculdade (passou no curso de Eng. Civil na cidade de Itatiba, no interior de São Paulo). Depois de 3 anos correndo eu parei por um tempo, depois de seis meses consegui transferir a faculdade para Curitiba e aí quis retomar as corridas. Um amigo que corria de carros lá no Ike [Henrique] Zornig, no regional, tinha comprado um Opala para correr o campeonato. As provas tinham duas baterias e ele me convidou para entrar junto com ele, cada um guiando em uma. Daí eu consegui convencer meu pai, que já aceitava melhor a idéia de ter um filho piloto (na verdade, meu irmão o convenceu para me tirar dos rachas e de andar em alta velocidade nas estradas... melhor era correr na pista), a dar uma força e fui fazer minha primeira corrida na inauguração do autódromo do rio, Jacarepaguá, em 1977. Ele acabou desistindo e eu fiquei sozinho. Arrumei uns patrocínios para ajudar o “paitrocínio” e no ano seguinte fui correr o paranaense de turismo. Fui vice campeão, fiquei atrás do Dado Andrade. Corri também duas provas do brasileiro, em Goiânia e Brasília. Eu liderei a prova em Brasília e ninguém sabia quem eu era.  

 

NdG: No ano seguinte, em 1979, começou a Stock Cars... mesmo com pouca experiência, você entrou no campeonato. Como foi correr um campeonato inteiro contra tantas feras?  

 

R. Boesel: Não foi fácil... Aquele ano foi o primeiro ano da Stock Cars e tinha muito piloto experiente e rápido correndo. Era o mais novo da categoria e tinha como meu chefe de mecânicos o Meinha, hoje dono de equipe. No final da temporada, fui eleito o piloto revelação, venci 3 corridas... e aí o Affonso Giaffone, que incentivou o Chico Serra a ir para a Europa, chegou em mim e colocou lenha na fogueira: “se você acha que tem potencial, que quer ser profissional ao invés de ficar perdendo tempo aqui, você tem que se mandar para a Europa, correr de monoposto, de F. Ford e ver no que vai dar”. Eu vendi a equipe (o carro, 3 motores, ferramentas), mas o cara que comprou só queria fazer negócio se o Meinha fosse junto! (risos). Tive que convencer o Meinha a topar entrar nessa e ele foi para São Paulo com o cara e hoje está bem. 

 

NdG: E aí, lá foi o Raul para a Europa, “descobrir” o que era um monoposto. Foi complicado? 

 

R. Boesel: Eu nunca tinha andado num monoposto antes, mas fui assim mesmo. Com o dinheiro da venda da equipe eu praticamente paguei a temporada da FFord de 1980. O Chico Serra, que foi campeão da F3 no ano anterior, foi que me trouxe a proposta da Van Diemen, onde ele tinha corrido. E teve umas coisas que hoje são engraçadas... quando eu fui fazer o banco, eu queria enxergar e ficava me esticando e colocando a cabeça para fora. Daí o pessoal da equipe falava que eu tinha que deitar, ficar o mais baixo possível e aquilo era muito estranho para mim. Eu insisti e eles deixaram. No primeiro teste, em Snetterton, num frio daqueles, e eu sem falar quase nada de inglês, fazendo gestos com as mãos... bom, no final do dia, eu estava com uma dor no pescoço e não sabia o porque. Achei que era por não estar acostumado com o monoposto, mas depois descobri que era a pressão do ar querendo arrancar minha cabeça fora! (risos) Aí eu fui abaixando, abaixando... fui aprendendo o que era um carro como aqueles, passava o dia na fábrica, mesmo sem entender o que os caras falavam. Em casa, sozinho, ligava a TV e não entendia nada. Sem dinheiro para o telefone, sem internet, no inverno ficava escuro cedo... vez por outra dava uma deprê... aí eu tomava um xarope pra gripe que descobri que dava um sono danado, aí eu dormia.  

 

NdG: Não batia aquela pergunta: Putz, que é que eu tô fazendo aqui? 

 

R. Boesel: Batia. E assim foram os primeiros meses por lá, mas quando eu pensava muito nisso eu lembrava a mim mesmo o que eu tinha me proposto a fazer e seguia em frente. Daí, depois que começou o campeonato, as coisas foram melhorando. Eu já conseguia me comunicar, fui aprendendo as pistas e depois de pouco tempo, comecei a ganhar corridas. Das 27 que disputei, ganhei 9. Eram dois campeonatos. Num eu fui vice campeão – o Townsend Thoresen – que o Roberto Moreno ganhou. No RAC eu podia ter ganho, mas na última prova chegamos eu, o Moreno e um irlandês chamado Tommy Byrne. Daí que na última volta o Moreno liderava, com Tommy em 2º e eu em 3º. Com esse resultado eu era o campeão... mas o Moreno andou lento naquela volta e nós passamos ele. O Tommy ganhou, eu fui 2º e o Moreno 3º. Com esse resultado, eu e o Tommy ficamos empatados em todos os critérios. Uma semana depois deram o título para ele por ter feito a volta mais rápida na última corrida... e volta mais rápida não dava ponto, isso não tava no regulamento... enfim, deram o título para o Tommy Byrne. Foi algo que foi bem indigesto para mim porque o Moreno abriu para nós passarmos para não me ver campeão como ele... e ele sabe disso. 

 

NdG: Mas mesmo assim você chamou a atenção dos donos de equipe e foi para a F3 no anos seguinte... 

 

R. Boesel: Sim, eu consegui dar seguimento e fui para a F3 em 81, onde terminei o campeonato em 3º lugar. Ganhei 3 corridas, terminei no pódio 12 vezes (em 20 provas). E os três primeiros colocados tinham como prêmio um teste na McLaren, que já era do Ron Dennis. Era um prêmio dado pela Marlboro, que patrocinava o campeonato. Aí fomos nós, o Johnatan Palmer, o Thierry Tassin e eu, fazer o teste. Eu me saí bem e a equipe tinha uma vaga em aberto, para ser companheiro do John Watson... as chances eram boas, mas aí o Niki Lauda resolveu voltar da aposentadoria. 

 

NdG: Aí vinha aquela “encruzilhada”: Mais um ano de F3, buscar a F2 ou tentar ‘cavar’ um lugar numa equipe menor na F1? 

 

R. Boesel: Naqueles dias dos testes tinham outras equipes menores testando também e ali todo mundo olha todo mundo. Uma era a Ensign, do Morris Numm, que foi dono de equipe na Fórmula Indy também, e a March. Daí eu acabei assinando com a March e correndo a temporada de 1982 com eles. Pode ter sido até meio rápido como foi a pergunta feita antes, mas se surge o convite, qual o piloto que recusaria? Quem ia dizer: “não, eu preciso pegar mais quilometragem, mais experiência”. Ninguém faz isso. Arrumar patrocínio para a F2 era quase impossível e o orçamento era alto, para a F1, as coisas no Brasil estavam animadas porque o [Nelson] Piquet tinha ganho o campeonato de 81. Era mais fácil conseguir patrocínio para correr na F1 do que na F2. Mesmo não sendo uma grande equipe, poderia ser um trampolim. 

 

NdG: E como foi aquela temporada na March? 

 

 

A equipe na Stock tinha o pessoal do Chico Anísio: o Meinha (o da stock), um gordinho era o "Pedro Bó" e meu pai o "Véio Zuza". 

 

R. Boesel: Teve uma coisa muito boa que foi ter o Jochen Mass como companheiro de equipe, que era um piloto muito experiente, e eu consegui largar mais vezes na frente dele do que ele na minha. Mas a vida ali não foi fácil. O carro era... bem. Na primeira vez que eu andei com o McLaren eu dei 30 voltas em Silverstone e com poucas voltas o piloto sente a diferença do que é um F1 em relação a outro carro e vai andando e pegando o jeito... e no final das 30 voltas eu tinha feito um tempo para largar entre os 12 primeiros na corrida anterior. Com o March, depois de ter testado o inverno inteiro, ter feito seis corridas, quando voltei a Silverstone, andando tudo que podia, eu fui 1,5 segundo mais lento do que eu tinha andado no teste sem nunca ter sentado num F1. 

 

NdG: Quando vc chegou a F1, um brasileiro (Nelson Piquet) era o campeão do mundo. Isso ajudou ou atrapalhou em alguma coisa? Como isso agiu, se é que agiu, no mercado para você e como era o seu relacionamento com ele na época? 

 

R. Boesel: Era um relacionamento bom, era uma coisa tranquila, aliás, era assim entre os pilotos brasileiros. Só teve um contratempo que foi aquela briga minha com o Chico Serra. O fato dele ter sido campeão ajudou a abrir portas, a se conseguir patrocínios, aumentou a divulgação na mídia. Mas não tinha assim um contato de troca de informações. A gente era brasileiro, mas aquilo era competição. 

 

NdG: Foi uma coisa bem embaraçosa para ambos – você e o Serra – aquele ocorrido, não? 

 

R. Boesel: Bastante... mas era uma coisa que foi fruto da pressão que nós sofríamos por estar em equipes pequenas, correndo atrás de um espaço, correndo atrás de patrocínio... e tivemos um episódio de pista em que cada piloto tem sua interpretação. Daí que, nos boxes, da discussão foi para a agressão e todo mundo viu o que foi e como foi. Nós ficamos vários anos sem nos falar e evitando nos encontrar. E muitos anos depois um amigo comum estava com o Chico em casa e ele ia passar lá em casa e ficou naquela de não saber se devia e eu falei que ele viesse e trouxesse o Chico Serra também. Daí nos voltamos a nos falar e fomos até companheiros de equipe na Stock aqui no Brasil anos depois. Hoje a gente da risada do assunto. 

 

NdG: Vc correu duas temporadas completas na F1 (1 pela March, outra pela Ligier). O que teria faltado para que vc conseguisse dar um “salto de qualidade de equipamento? 

 

 

Apesar de não ter sido campeão na F3 por umas coisas estranhas dentro e fora da pista, consegui conquistar uma vaga na F1. 

 

R. Boesel: Foi uma época complicada porque foram muitas mudanças. Havia a questão dos motores turbo, que já eram dominantes e tinha os Renault, os Ferrari e estavam chegando os BMW e os Porsche. Tinha a questão do carro asa, que as asas não podiam mais ser móveis e veio um sistema com uma borracha que fazia a vedação, mas se você andasse muito de lado ou com o carro muito baixo gastava a borracha e o ar entrava e o carro perdia pressão aerodinâmica. Em 83 eu fui para a Ligier. Assinei um contrato de remuneração por resultado, por pontos. A princípio era um passo adiante, a equipe era melhor que a March, mas além de mostrar-se uma equipe em decadência, o carro de 83 foi um desastre. A suspensão quem fez foi a Citroën e eles tinham um sistema de deixar o carro com a mesma altura do solo, apesar do consumo de combustível. Era um sistema de esferas sob pressão que funcionava nos carros de rua, num F1 não funcionou. Eu e o [Jean-Pierre] Jarrier sofremos o ano inteiro. Depois eles desistiram do sistema, mas aí já era tarde. Ali a coisa realmente complicou e as portas se fecharam na F1 pra mim. 

 

NdG: No intervalo entre a saída da F1 e a ida para os EUA, como ficou sua vida – e sua cabeça – com relação às coisas do automobilismo? 

 

R. Boesel: No final da temporada de 1983 eu não tinha nenhuma perspectiva, nenhuma proposta para o ano seguinte. O Téo Fabi, que correu na F1 em 84 tinha andado e andado bem na F. Indy em 83 e aquilo abriu um pouco os olhos para o mercado americano e eu fiz alguns contatos com equipes de lá. Na verdade, o contato mais forte que tive foi com uma espécie de “manager” que trabalhava para algumas equipes e alguns pilotos de lá. Quando eu falei com ele, ele foi super positivo e ele falou que eles – nos EUA – estavam atrás de pilotos que tivessem experiência em circuitos mistos, que começariam a fazer parte do calendário da Indy. Eu perguntei o que ele queria fazer e ele disse que eu podia ir pra lá para acertar os detalhes. Eu falei logo que não tinha patrocínio e ele falou que não era problema, que as equipes tinhas seus patrocinadores e tal... bom, eu acreditei e fui.  

 

NdG: Chegando lá... 

 

R. Boesel: Ele pediu que eu fosse logo... faltava uma semana para o Natal e eu ainda perguntei se era aquilo mesmo e o cara falou: pode vir! Eu fui. Chegando lá, era o prédio da GM na 5ª Avenida, em Nova York. Chegando no andar da reunião tinha lá faixa de “Welcome Raul Boesel” e tudo. Cheguei na hora marcada, 14:00hs... e tomei um chá de cadeira com um monte de desculpas esfarrapadas. Passava das 17 horas quando o tal “Manager” veio falar comigo e daí a conversa era outra. Que naquela semana algumas coisas haviam mudado, que havia interesse de algumas equipes mas que vários pilotos mostraram interesse em ir pra lá e que as equipes agora queriam dinheiro, patrocínio dos pilotos... daí eu vi que o cara era um grande “171”. Acabei ficando nos EUA até janeiro para ver se desenrolava alguma coisa. Duro, sem emprego, sozinho, deixei minha esposa no Brasil e em um dos telefonemas ela falou que estava grávida... estava tudo “perfeito”. Eu fiquei na casa de um amigo e de lá tentava fazer contato com as equipes. Daí que em 84 estava pra começar o sulamericano de F2 no Brasil. O carro era um chassi tubular, pior que o F3 que eu havia corrido na Europa e eles queriam “nomes” para dar visibilidade ao campeonato e os brasileiros não estavam indo muito bem. 

 

NdG: Você correu por uma equipe argentina, não? 

 

R. Boesel: É. Foi uma equipe argentina que me contactou e eu pedi um pacote de benefícios como passagens para Nova York (eu falei que estava morando lá) e eles ainda pagavam 2.500 dólares por corrida, o que era melhor que nada. Eu fui e esse amigo que me hospedou tinha uma agência de turismo e ele desmembrava a passagem e assim eu passava por Curitiba em casa ida e vinda, deixava o dinheiro em casa – na verdade minha esposa ficou na casa dos pais dela – e continuava na batalha por uma equipe na Indy, levando meu currículo de corrida em corrida e nas corridas da F2, ainda ganhei uma, no Rio de Janeiro, mas estava sempre andando na frente. Meu filho nasceu em agosto daquele ano e depois de 1 ano batalhando, finalmente veio o primeiro teste num F. Indy, na equipe do Dick Simons, em janeiro de 85. 

 

NdG: Finalmente você conseguiu o teste... e sem interferência do “picareta”? 

 

 

Quando fui para os EUA tinha faixa, foto "welcome"... mas carro pra correr, nada! O cara que me convenceu a ir lá era um "171"! 

 

R. Boesel: Sim, eu que consegui o teste. A sede da equipe dele ficava na Califórnia e ele me chamou para fazer o teste. O carro usava um chassi March e era um chassi novo. Eles tinham acabado de montar o carro, mas a March mandou avisar para eles não testarem o carro, que eles estavam tendo um problema no câmbio e que eles tinham que refazer uma peça e que demoraria uns 5 dias para recebermos. Eu pensei em voltar para Nova York, mas isso podia acabar com a possibilidade do teste. Como o período era pequeno, o Dick Simons me hospedou na casa dele e eu dormia no sofá da sala. Só que a peça não chegava, e eles refaziam, e não ficava boa... e nisso eu fiquei 1 mês dormindo no sofá do Dick Simons! (risos) Mas o teste aconteceu. Ele mesmo pilotava o carro e quando passou o carro pra minha mão, depois de 10 voltas eu tinha virado um segundo e meio mais rápido que ele. Aí ele me contratou! 

 

NdG: Como foi a estréia na categoria? Foi em Long Beach, não? 

 

R. Boesel: Exato. Era uma corrida de rua e num circuito que eu conhecia, da F1. A equipe tinha o carro novo e ainda tinha o carro do ano anterior e eles resolveram levar os dois carros: o novo para o patrão e o velho para mim. No primeiro treino eu fui o 14º, na classificação cheguei a ter o 8º tempo, mas larguei mais para trás disso, acho que no 14º mesmo... e o Dick, com o carro novo, não classificou. Daí ele decidiu que era melhor eu correr com o carro novo, mesmo isso me jogando para o final do grid. Eu fui... e no meio da prova já estava em 10º quando o diferencial quebrou. Os “mecas” desmontaram para ver como era, como funcionava e na montagem alguma coisa não ficou boa. Paciência. O bom foi que os patrocinadores estavam lá e viram o carro andando, me viram andando e era a Duracell, das baterias e a próxima corrida eram as 500 milhas e os patrocinadores já queriam me ver lá... e eu nunca tinha andado num oval na vida. O Dick falou então o seguinte: deixa eu me classificar na primeira semana e na segunda nos concentramos em você para colocar dois carros no grid. Eu não tinha escolha, né? Mas o bom é que estava chegando um carro novo para ser o carro reserva e aí eu também teria um carro novo. 

 

NdG: E como foi andar em Indianápolis, assim, de cara, já para as 500 milhas? Você conhece a estória do teste do Emerson [Fittipaldi] em 74 lá em Indianápolis? 

 

R. Boesel: Não... 

 

NdG: Depois de ganhar o bicampeonato em Watkins Glen, ele foi convidado pela McLaren para andar no carro do Johnny Rutherford, que vencera as 500 milhas naquele ano. Ele andou dois dias, agradeceu bastante, mas disse – na época – que preferia assistir a corrida da tribuna que aquela coisa de correr com um muro de concreto na frente não era pra ele! 

 

R. Boesel: Essa eu não sabia... e ele ganhou lá duas vezes, né? Eu sei que eu consegui classificar, fui o “rookie” mais rápido e na corrida cheguei a estar em 9º quando alguma coisa quebrou e eu tive que abandonar. 

 

NdG: No que você sentiu mais diferença a nível de carros, a nível de ambiente, comparando a mudança, o que foi que mais chamou sua atenção nas diferenças que sabemos existir entre o automobilismo no estilo europeu e o americano? 

 

 

Depois de 1 ano de F2 aqui na América do Sul, consegui um teste na Indy, numa equipe privada, pequena: meti 1,5s no Dick Simon. 

 

R. Boesel: Eu me senti bem correndo lá nos EUA. Além dos americanos serem mais receptivos, o ambiente de forma geral era mais descontraído. Mas a coisa mais importante foi que eu pude mostrar a minha capacidade como piloto. Lá na Indy, com os carros mais próximos tecnicamente uns dos outros, mesmo com as disparidades de orçamento tipo o que tinha a Penske e a equipe do Dick Simons. Carros como o nosso conseguiam brigar de igual para igual com os carros da Newman Haas, da Penske... eu marquei poles, larguei na primeira fila e isso na F1 com a Ligier ou um March seria impossível.  

 

NdG: Mas, mesmo no período que você parecia já estar consolidado nos EUA, aconteceram alguns contratempos? É verdade que o Mario Andretti te boicotou? 

 

R. Boesel: Em 86 o Dick Simons trocou o chassi para um chassi da Lola, o mesmo que a equipe do Andretti usava e, vez por outra, lá estávamos nós andando na frente dele. Isso chamou a atenção do pessoal da Lola e do Carl Haas, um dos sócios da equipe. No final do ano eu tive uma reunião com o ele e ele apresentou o contrato, com salário, percentual de premiação, tudo. E ia ser a primeira vez que a equipe ia ter dois carros. Eu ainda perguntei se estava tudo certo mesmo e ele disse que ia ver alguns detalhes ainda, mas que a proposta era aquela e que por ele estava tudo certo. Eu ainda perguntei se um destes “detalhes” não era a aprovação do Mario em ter um companheiro de equipe e o Carl Haas respondeu que não. Que a equipe era dele e do Paul [Newman] e que os assuntos eram entre eles. Eu disse então que iria me desligar da equipe do Dick e que iria encerrar as conversas com as outras equipes. Feito aquilo, eu vim para passar o Natal no Brasil, certo que seria piloto da Newman-Haas para 87. Aqui no Brasil, alguns dias depois, recebi um telefonema do Carl Haas pedindo desculpas, mas que o Mario estava “intransigente” com relação a ter outro piloto na equipe e que ele não ia ter como colocar dois carros... eu só falei: e agora? Eu saí da equipe onde estava, descartei as outras e você agora fala que não vai ter carro para mim? Eu voltei para os EUA no início do ano, procurei as outras equipes, mas todo mundo já tina fechado seus esquemas e eu estava a pé. Foi então que surgiu o teste na Jaguar. 

 

NdG: Mas este teste surgiu assim “do nada”, de repente? De certa forma, a ida para a disputa do campeonato mundial de protótipos em 1987, onde você sagrou-se campeão mundial acabou por ser extremamente importante para o restante de sua carreira, não? 

 

R. Boesel: Não exatamente. Eu estava no escritório do meu amigo João de Matos e, lendo uma revista Autosport, inglesa, vimos que a Jaguar estava fazendo testes para fechar a equipe para o mundial de protótipos. Eles tinham dois carros e apenas dois pilotos decididos (Eddie Cheever e John Watson). Precisavam de mais dois. Eu contactei a Jaguar no EUA e pedi o contato da equipe na Europa e liguei pra eles. A receptividade foi ótima, eles me conheciam dos tempos de automobilismo na Europa e na F1, sabiam que eu estava bem na Indy, mas a grande preocupação deles era ter um piloto que corresse todas as etapas do mundial e eu me comprometi com o Tom Walkinshaw em fazer isso porque a maioria dos pilotos com quem ele falava colocavam o mundial de protótipos em segundo plano. Daí acertamos e eu fui fazer um teste em Paul Ricard. Tinham 3 carros lá. Dois com ‘configuração de pista curta’ e um com ‘configuração para Le Mans’. Nesse carro ele fez um esquema de corrida tipo 24 horas, parando e trocando os pilotos como se fosse numa corrida. Também andei no carro de ‘pista curta’... foi quase uma semana de treinos e o Tom chegou no segundo dia. Eu nem o conhecia pessoalmente. Um dia ele mandou colocar pneus novos num dos carros e mandou o Cheever dar 20 voltas. Depois seria minha vez de fazer o mesmo... e sem montar placa de tempo. Depois deste teste ele me chamou e disse que eu tinha sido mais rápido e tinha economizado mais combustível (o que nas provas de protótipo é muito importante) e que queria me contratar. Colocamos o rascunho das cláusulas e mandaram fazer o contrato. Eles contrataram o Jan Lammers também, mas ainda não tinham as duplas. 

 

NdG: E aí, lá foi o Raul de volta para a Europa... 

 

 

Em 87 estava tudo encaminhado para eu ir para a Newmann-Haas... mas o Mario Andretti vetou. Por sorte "achei" o teste na Jaguar.

 

R. Boesel: Depois do teste, vim para o Brasil para arrumar as coisas para voltar para lá e recebi uma ligação da equipe pedindo para eu voltar. Tinham feito um teste em Silverstone e o Cheever tinha sido bem mais rápido que o os outros dois pilotos. Lá fui eu para Silverstone. Eles achavam que seria um problema se tivessem 1 piloto muito mais rápido que os demais, inclusive contra os adversários... bom, eu fui mais de 1s mais rápido que o Cheever e aí eles montaram as duplas: Eu e o Eddie Cheever , John Watson e Jan Lammers. Pouco antes da primeira prova o Cheever recebeu uma proposta da Arrows para correr na F1 e o Tom liberou-o para correr na F1 nas datas que coincidiam. Com isso, ele deixou de fazer algumas provas e o resultado disso foi que eu conquistei o título do ano sozinho. Das 9 corridas eu ganhei 5, mas o Cheever não estava em todas.  

 

NdG: Sua performance certamente chamou a atenção do pessoal na Europa. Surgiram convites? 

 

R. Boesel: Sim, surgiram. No meio do ano eu já tinha proposta certa para voltar para os EUA e uma outra para a F1: para ir para a Benetton. E conversa de F1 era sempre daquele jeito... você é o cara, você tá no topo da lista... eu disse: então tá bom. Vamos fechar agora. Aí vem aquele papo de vamos esperar, tem ainda um ou outro detalhe... e nos EUA a Domino’s Pizza queria a decisão pra já. Eu parei para pensar e fui vendo... a Benetton tem o [Thierry] Boutsen como piloto e sendo italiana, vai ter pressão para ter um piloto italiano... Eu decidi voltar para os EUA e, dito e feito, eles contrataram o [Alessandro] Nanini. Eu não tenho dúvidas de que tomei a decisão certa. 

 

NdG: Vc trabalhou com Tom Walkinshaw, que alguns chamavam de “Tom Walkinshark”. Como foi a sua relação com ele?  

 

R. Boesel: (Risos) Ele era um cara difícil... mas era um cara sério e honesto. Ele sempre foi muito correto comigo e eu não tenho o que contestar nele. Teve uma corrida, os 1000 Km de Monza, e o [Jan] Lammers etava na frente. Eu em 2º. Começou a chover... aquela garoazinha... o Lammers parou no box e eu segui... só que no outro lado do circuito chovia forte. Eu diminui o que pude, mas acabei saindo da pista e fiquei na brita. Ia ser a primeira dobradinha da equipe e eu perdi o 2º lugar, deixei de pontuar... e eu ia de carona com ele pra Inglaterra. Obviamente ele não ficou nada feliz. Depois da poeira baixar ele chegou pra mim e falou: “Aprendeu? Eu sei que não deve estar sendo fácil para você, mas também não está sendo para mim. Perder uma dobradinha custa. Espero que você tenha aprendido. Bola pra frente, a gente não fala mais disso.” Outra passagem que me lembro bem foi que nós ganhamos o mundial de construtores em Nurburgring e a etapa seguinte era Spa. Daí que quando cheguei lá o nosso carro reserva estava com o Martin Brundle e o Johnny Dunfries escalados. Eu já pensei: ‘pô, ganhamos o campeonato e eles já estão diluindo o time’. Na reunião antes do 1º treino, olha a minha surpresa: Ele falou que no carro 4 iriam andar o Nielsen e Cheever. No 5, o Watson e o Lammers e no 6, o Dunfries e o Brundle. E você vai ser o “coringa”. a gente vai colocar mais um carro para ver se você já conquista o título de pilotos nessa corrida. Você tem que fazer 1/3 da prova e a gente vai colocar você no carro que estiver melhor colocado. Se eu vencesse, era campeão ali.  

 

NdG: Ainda bem que você não falou nada, só pensou (risos). E aí, como foi a prova? 

 

R. Boesel: Bom, o Brundle bateu com o carro no treino da sexta. O Dunfries bateu com o mesmo carro no sábado. Na corrida, que começou no seco, mas logo choveu, como é em Spa, no meio da corrida o carro melhor colocado era justamente o deles, em 2º! Eu nunca tinha sentado naquele carro, mas a equipe era fantástica, os carros eram iguais e eu fui pra pista, passei o carro para o Brundle em 1º e ele continuou na ponta e venceu. Ganhei o campeonato!  

 

NdG: Você correu por mais de uma década na F. Indy. Com sua versatilidade e a experiência em carros esporte, nunca passou pela sua cabeça correr na NASCAR? Houve algum convite? 

 

 

Consegui andar bem nos protótipos e fui campeão. Gostei de trabalhar com o Tom Walkinshaw. Ele era duro, mas era justo. 

 

R. Boesel: Passar, passou. Convite propriamente não houve. Teve muita conversa, algumas promessas... eu cheguei a fazer um teste numa equipe de “truck’, que são as pickups, mas a gente não conseguiu fechar para nenhuma corrida. Pelo visto, não era para acontecer, mas eu tentei. 

 

NdG: Vc disputou 13 vezes as 500 milhas de Indianápolis, em 1993 teve a vitória literalmente tirada das mãos por decisões, no mínimo, questionáveis. O que de melhor e de pior vc lembra desta prova mítica, que está completando 100 anos em 2011 e que você está indo prá lá, para as festividades? 

 

R. Boesel: A melhor coisa foi mesmo nesta prova de 93. Foi minha melhor performance, foi a melhor performance do conjunto carro e eu, piloto. Naquela corrida eu estava num outro nível de tão bom que estava o carro e eu também. Depois da 1ª punição eu pilotei no limite, me arriscando o tempo todo. Passando por dentro, por fora, fazendo derrapagem controlada, sem medir muito as conseqüências. Eu parecia estar possesso. Aí deram outra penalidade, que pra mim não aconteceu e que depois eles reconheceram que erraram, mas aí, depois da prova, vai fazer o que? Até hoje se falam desta prova. Sabe aquela coisa que se fala de que quando não é para acontecer, não acontece? Aquela tampa de válvula (nota dos NdG: Ele tem esta tampa numa moldura na parede do escritório onde fizemos a entrevista) foi das 500 milhas de Michgan de 1994. Das 250 voltas eu liderei 180. Faltavam 18 voltas... isso não eram nem 10 minutos para acabar. Eu tinha 3s de vantagem para o Al [Unser] Jr. Meu motor era um Ford, sem ser oficial, e ele tinha um Mercedes e eu vinha com a 6ª engatada, controland a corrida e o pessoal da Ford todo no meu box. O 3º era o Scott Goodyear, 3 voltas atrás. Aí a tampa rachou e eu tive que abandonar. 3 voltas depois o Unser parou e que ganhou foi o Goodyear. 

 

NdG: Alguma outra edição das 500 milhas deixou vc com aquela sensação de que a vitória estava ao alcance das mãos, mas surgia sempre aquele “detalhe” para comprometer o todo? 

 

R. Boesel: Teve outra em Michigan... eu vinha em 3º, aproximando rápido e teve uma bandeira amarela. Estava todo mundo no gargalo de combustível e aí o pessoal do meu box me chama prá fazer um ‘splash and go’ para poder acelerar tudo no final enquanto os outros iam ter que economizar... Eu fui. Só quem em bandeira amarela você tira o pé e economiza combustível e quando deu bandeira verde eu andei um monte, mas terminei em 3º, com 15 litros no tanque. Em 95, em Indianápolis eu larguei lá trás, não sei porque, mas na corrida eu vinha bem, o [Jacques] Villeneuve estava em 3º e eu em 4º. Na relargada da bandeira amarela eu passei ele... e aí quebrou um conector de óleo. Uma pecinha de 50 dólares e começou a jogar óleo na roda, parecia que eu tava com um pneu furado. Aí eu tive que parar. Os dois que iam na frente se enroscaram e o Villeneuve ganhou.  

 

NdG: Você acompanhou de dentro um período em que a Indy chegou a incomodar Bernie Ecclestone. Aquela divisão entre CART e IRL foi um erro por parte dos americanos? 

 

 

Quando voltei para a Indy, em 88, voltei bem, por cima. Conseguimos montar um bom esquema. Não vencer foi um detalhe. 

 

R. Boesel: Não só o Bernie, incomodava a NASCAR! Foi um erro completo e foi um erro de todos. Depois da cisão e até hoje, mesmo depois que voltaram, nunca mais foi a mesma coisa. Ali todo mundo perdeu. Perdeu prestígio, perdeu poder e perdeu dinheiro! Perdeu audiência, perdeu espaço na TV...  

 

NdG: Depois de quase 20 anos no automobilismo internacional você voltou para o Brasil e a correr na Stock Cars. O nosso automobilismo, para você, parecia ter evoluído, acompanhado o que acontecia na Europa e nos EUA ou a distância entre o que você via pelo mundo e a nossa realidade tinha aumentado? 

 

R. Boesel: Eu já estava fora tinha muito tempo. Vinha acompanhando o que acontecia aqui no Brasil e também veio a pesar uns assuntos de família e aí eu resolvi voltar.  

 

NdG: Nessa volta, como foi que você viu o automobilismo brasileiro em relação ao que você deixou no final dos anos 70 comparado com a distância em relação ao que se fazia lá fora e a realidade que você encontrou? 

 

R. Boesel: Essa é uma boa pergunta (risos). Em alguns aspectos, melhorou. Em outros, muitos outros, parece que ficou parado no tempo. A filosofia, a mentalidade, a cultura parece que não evoluiu e eu falo nisso porque muitas vezes eu falava na equipe onde eu estava ‘vamos fazer isso, e isso, assim e tal’ e sempre ouvia de volta: “não, que aqui a gente sempre fez assim e você, porque acha que veio lá de fora, que vir com essas novas idéias”. Era aquela coisa do não querer aprender. Mas eu acho que, ainda assim eu ajudei a abrir os olhos de alguns pilotos e ajudei a categoria a crescer. Quando eu voltei a correr aqui no Brasil muita gente pensava assim: ‘Pô, vou lá para tomar pau do Ingo [Hoffmann], do Paulão [Gomes], do Xandy [Negrão] e do Chico Serra. Só eles que ganham, só eles vão bem e eu vou fazer o que lá? Eu corri na Europa, sou piloto internacional, vou fazer o que lá? Vou regredir.’ Os carros melhoraram, mas não eram algo assim fabuloso. Eu tive minhas dificuldades no começo, mas logo comecei a andar no bloco da frente e isso abriu os olhos do pessoal e eu falava com o [Luciano] Burti, com o Christian [Fittipaldi] para eles pensarem na possibilidade de vir para cá, que eles estavam na Europa e nos EUA sem correr e que aqui podia ser bom para eles e isso foi chamando a atenção e foi se profissionalizando. Eu acho que dei um impulso na pilotada neste sentido.  

 

NdG: Quando foi que você começou a pensar em parar? Como se deu o processo até a sua despedida? 

 

 

A mentalidade da maioria dos pilotos aqui no Brasil era muito amadora. Era do tipo: bato nele, mas ele não me passa! Isso mudou. 

 

R. Boesel: Eu consegui montar um esquema muito bom aqui com a Repsol. Numa forma diferente do que se costumava fazer no Brasil. Aqui – na época – o patrocinador colocava o dinheiro na mão do piloto e ele colocava o dinheiro na equipe e eu fiz com que a Repsol lidasse diretamente com a equipe. Montamos um esquema de 3 anos, renováveis por mais dois. No final do 2º ano mudou a presidência da Repsol na Espanha e cotaram a verba, mesmo com os protestos do pessoal aqui no Brasil. Daí eu fui para outro esquema, menor, menos verba, menos recurso... e isso foi desanimando. Outra coisa que desanimava eram as mentalidades. Tinha umas coisas no regulamento que eu não concordava e tentei mudar... tinha piloto que se você fosse ultrapassar ele ia pra fora da pista com você, mas você não passava. Achava que aquilo era ‘carrinho de bate-bate’ e os comissários de pista pareciam não ver nada, não puniam como tinham que punir... agora até melhorou. Eu sei que no final de 2006 achei que era melhor parar. 

 

NdG: Neste período de colta aqui no Brasil, alguma vez você foi convidado para correr na Truck? Você já acompanhou alguma etapa da categoria? O que você pensa sobre as corridas de caminhões?  

 

R. Boesel: Eu até fiz um teste... não diretamente convidado pelo Aurélio. Foi um pessoal lá de Sorocaba. Daí eu fiz um teste lá em Campo Grande. Eu achei meio esquisito. Em 2007 eu recebi uma oferta do [Djalma] Fogaça. Fui lá, conheci a oficina dele, que é super bem montada e muito profissional. Mas, sinceramente, é um outro tipo de pilotagem e a minha motivação no automobilismo já não era a mesma. Fui, assisti uma corrida. O esquema deles é impressionante, organização, marketing... tudo. Eram muito melhor que o esquema da Stock, mas não dava para aceitar... e eu indiquei o Chico Serra para o Fogaça. Pra vocês verem como o mundo dá voltas. A gente brigou um dia e anos depois tava eu indicando o cara para uma equipe. Ele correu uma 6 ou 7 corridas, mas também achou que não era pra ele. 

 

NdG: Hoje você é um “Piloto de Pickups”, mas são pickups sem rodas. Como foi este seu processo de imersão no mundo da música? 

 

R. Boesel: Olha, isso foi até um fator que interferiu e até motivou a minha parada com automobilismo. A música sempre foi uma “paixão paralela”. Muita gente não sabia disso e eu sempre usei a música como companheira nas viagens, no trabalho, na preparação física e vim acompanhando as mudanças na música desde o rock, para a diasco, para a música eletrônica. Em 1980, na Inglaterra eu fui a um show do Pink Floyd, o “the wall”, e de lá pra cá sempre acompanhando. Quando vim para o Brasil, correr na Stock, eu tinha muito tempo ocioso por não poder testar e com isso eu tinha tempo para acompanhar o que ia acontecendo no mundo da música, vendo e ouvindo DJs tocar, acompanhando DJs internacionais, indo a festivais de música eletrônica e sendo uma pessoa conhecida eu conseguia conversar com esse pessoal. Era legal eles vendo que eu gostava disso e perguntando coisas e eles diziam que eu tinha que ir a Ibiza (ilhas baleares, no mediterrâneo, território espanhol) e eu fui... faz 7 anos que vou todo ano e, sendo piloto era uma coisa que chamava a atenção deles. 

 

NdG: Bom, uma coisa é gostar de música, ouvir, acompanhar... outra coisa é tocar e ainda por cima profissionalmente. Tem que ter talento, dedicar-se bastante... como foi este processo de passagem do apaixonado para o profissional da música? 

 

 

Posso dizer que sou uma pessoa realizada... e de muita sorte. Consegui trabalhar com duas coisas que gosto muito: Correr e tocar! 

 

R. Boesel: Eu nunca imaginei que eu iria chegar na condição que cheguei hoje. Só que, quando eu parei de correr, pensei: porque não me dedicar e aprender realmente a fazer uma coisa que eu sempre gostei? Daí eu comprei equipamento, contratei um professor e me tranquei em casa. Disse pra mim mesmo que, se fosse para fazer iria fazer algo para ser profissional. Como você falou, gostar de música é uma coisa, fazer música profissionalmente é outra. Aí eu fui aprendendo, tomando gosto... fiquei quase 8 meses trancado em casa aprendendo, estudando, praticando. O professor vinha duas vezes por semana e me dava aulas teóricas, aulas práticas, fazia exercícios comigo e eu ficava todo dia, 7 até 8 horas por dia trancado, todos os dias e eu fui aprendendo a parte técnica. Tinha que ser assim se eu quisesse fazer isso de verdade. Tudo que eu não queria ouvir era aquele comentário: “como DJ ele é um bom piloto” (risos). E aí depois de 8 meses eu fiz minha primeira apresentação em público. Agradei, continuei e a vida do “Raul DJ” foi ocupando o espaço que era a da vida do “Raul Piloto” e hoje eu tenho a música como atividade profissional, viajo bastante me apresentando por diversas cidades, no país inteiro. No ano passado eu fiz quase 200 apresentações e hoje eu faço isso com a mesma dedicação e profissionalismo do tempo de piloto. 

 

NdG: Essa é a sua visão da coisa... e a visão do público, a visão do meio, a opinião de que já te conhecia como piloto? 

 

R. Boesel: No começo havia, penso, uma certa desconfiança, até mesmo preconceito, quanto a esta minha “mudança de profissão”. Muita gente achou que eu estava querendo aparecer, que eu estava fazendo isso só porque eu era o Raul Boesel. Isso era uma faca de dois gumes. Por um lado era uma curiosidade das pessoas e por outro, se eu não fizesse bem o meu trabalho, seria fácil ser criticado. Era aquela coisa: ‘será que ele toca mesmo? O que será que ele toca? Começar a fazer isso come esta idade? Será que não é um modismo?’ Hoje a realidade é outra. Eu hoje sou respeitado como DJ no meio. Hoje tenho uma agência que quem quer me contratar entra em contato com eles. E onde eu vou tocar sou sempre a atração principal da noite. Na semana passada eu toquei em um sábado em um evento aqui em São Paulo, que foi de dia, daí peguei um avião em Guarulhos à noite para Belém-PA, cheguei lá era 1 da manhã, toquei das 2:30 às 4:00, peguei um voo para BH via Brasília às 6 horas, cheguei eram 2 da tarde para tocar na final do campeonato mundial de wakeboard. 

 

NdG: Acho que sua vida de piloto era menos atribulada... 

 

R. Boesel: Eu gosto de viajar! Essa nova profissão tem me proporcionado conhecer diversos lugares, muitas cidades, muito do interior aqui de São Paulo e posso dizer que eu sou uma pessoa de muita sorte... em minha vida profissional eu pude fazer por muitos anos uma coisa que eu gostava, que foi correr e aos 49/50 anos (nota dos NdG: Raul está com 53 anos, mas não parece) eu consegui me reinventar e fazer uma coisa que eu gosto e muito. Pouca gente tem essa possibilidade na vida, de viver fazendo aquilo que realmente gosta. 

 

NdG: Você se importa em falar de sua vida pessoal? Normalmente a gente não pergunta sobre isso, mas você mencionou na entrevista coisas da sua vida pessoal... 

 

R. Boesel: Eu estou no meu segundo casamento, com a Débora. Do primeiro casamento tenho dois filhos, o Rauzinho com 26 e a Gabriela com 22. A Débora já tinha três filhos e que passaram a ser meus também. A Larissa tem 31, a Lilian tem 28 e o Enrico, 20...

 

NdG: E com uma ‘prole’ dessas ninguém quis ir pra pista? Seguir teus passos? 

 

R. Boesel: Não. Ninguém. O Rauzinho é fotógrafo profissional, faz filmes e tudo o meio do mar. Ele é iatista e participa de competições no EUA. O Enrico gosta de surf e as meninas uma trabalha com assessoria de imprensa, outra está nos EUA, na área de hotelaria e a Gabriela fez moda e está em Milão. Foi cada um para um lado (risos)! 

 

NdG: Mas você tem dois sobrinhos no automobilismo, certamente é uma fonte de inspiração para eles. Como é a sua relação neste campo com o Pedro e o Lu? 

 

 

Hoje faço quase 200 apresentações por ano. Claro que no início as pessoas ficavam curiosas, mas eu mostrei que era a sério. 

 

R. Boesel: Na verdade tem 3! O Lu e o Pedro do meu irmão mais velho e tem o Jorge Neto, filho da minha irmã que está correndo de kart. Eles me procuram, volta e meia para pedir um conselho... eu mesmo ligo para saber como foram os treinos, como estão as coisas... o Pedro até é quem conversa mais sobre isso. Mas eu não interfiro. Quando eles querem, tem sempre o tio aqui para falar do que viveu. 

 

NdG: Além dos conselhos que você deu e dá a seus sobrinhos, o que você diria hoje para um jovem que quer entrar no mundo das pistas, um pai que foi teu fã nas pistas e encontra com você e mostra para o filho. O que você diria para esse garoto? 

 

R. Boesel: Eu diria que perseverança é o combustível, independente da questão financeira que hoje é um problema crucial, eu falaria a realidade. Que é uma vida dura, que não é o glamour que muita gente pensa que é. Que é muito mais sofrido do que se pode imaginar. Que hoje, mesmo com o mundo “pequeno” com a internet, mas que a dificuldade é grande, a competição é enorme e que, se ele realmente quer aquilo, vai ter que se dedicar de corpo alma e que é preciso se estar preparado para ter mais frustrações do que alegrias, mas que as chances e as glórias conquistadas tem que ser agarradas com as duas mãos.

 

 

Last Updated ( Monday, 01 August 2011 12:27 )