Em Portugal existe uma expressão para chamarmos alguém de “gente boa”. Por lá, ele é chamado de “gajo porreiro”. Este é António Felix da Costa, que aos 33 anos (nascido em 31 de agosto de 1991), além de um “gajo porreiro”, um grande piloto, na opinião de muitos, o melhor já nascido em Portugal, não apenas por suas duas vitórias no GP de Macau da Fórmula 3, considerado a Copa do Mundo da categoria. Foi campeão também do campeonato do norte da Europa de Fórmula Renault em 2009 e que chegou a estar no caminho da Fórmula 1 pelo programa de jovens talentos da Red Bull, sendo preterido quando todos davam como certa sua presença no grid em 2013. Campeão da Fórmula E em 2020, concorridíssimo por sua simpatia e por falar português, entrevista-lo em São Paulo foi um ato (alguns vários) de paciência, que em suaves prestações rendeu esta entrevista para o site Nobres do Grid. NdG: António, Você é o piloto português que mais êxitos alcançou, seguindo-se a uma dinastia de ótimos pilotos como Pedro Matos Chaves, Pedro Couceiro, Pedro Lamy, Tiago Monteiro, João Barbosa, Filipe Albuquerque... mas tendo Portugal uma tradição e uma paixão tão grande pelo Rally, o que te levou aos monopostos?  António Felix da Costa: A minha paixão pelo automobilismo começou em família, tenho dois tios – Pedro Tomaz e Manoel Melbrano – pelo lado da minha mãe São três tios e eles são os únicos irmãos que competiram nas 24 Horas de Le Mans no mesmo carro. Também alguma influência por parte do meu pai que acabaram por me levar para o asfalto e me puseram num kart com 8 anos de idade. Realmente, os Rallies tem um grande apelo popular em Portugal e eu já fiz algumas provas de offroad, mas ainda sinto-me melhor nos fórmulas. NdG: Você é um piloto da “geração dos pilotos dos programas de jovens pilotos” como você vê esse processo na formação de pilotos? António Felix da Costa: Existem hoje vários programas de jovens pilotos e é uma forma de se formar pilotos para as categorias top do mundo eu posso falar sobre o programa que eu fiz parte, que foi o da Red Bull. Estive no programa por vários anos e em 2013 por pouco não assinei para estar em um carro de Fórmula 1. Não ter sido o piloto escolhido dentro do programa para ocupar o lugar na Toro Rosso me deixou muito magoado à época, mas hoje em vejo que o programa não me formou para ser um piloto de Fórmula 1, mas sim um piloto profissional. Todo o processo os anos que estive lá foi muit ansparente e quando a decisão foi tomada e eu não fui o escolhido, o próprio Helmut Marko foi quem me informou a escolha. Ele tem sua maneira de ser, mas é alguém que admiro por seu profissionalismo. A Red Bull me manteve como piloto, me puseram na DTM como piloto da BMW com um contrato de três anos. NdG: Apesar de ter ido buscar outros caminhos, a Fórmula 1 era “mantida no radar”? Você continuou buscando oportunidades? António Felix da Costa: Como piloto profissional você sempre busca oportunidades. Eu estava na DTM com a Red Bull e com meu empresário, o Tiago Monteiro, fui para a Fórmula E que estava começando. Em 2017 existiram algumas conversas, mas era apenas uma sondagem a alguns pilotos para saber o que estavam a fazer na altura. Quando ouvi as noticias sobre o Brendon [Hartley], que é um grande piloto, uma vez mais percebi que dinheiro e patrocínios seriam os fatores mais envolvidos. E contra isso, não podia competir com outros pilotos. NdG: Você esteve nas principais equipes do grid da Fórmula E e nas últimas temporadas está competindo pela Porsche-Penske e os resultados tem sido excelentes para você e para a equipe. Como vocês se acertaram? António Felix da Costa: Fui eu que procurei a Porsche. A história remonta há uns anos quando a Porsche anuncia que vai entrar na Fórmula E, no final da 4ª temporada. Nós (eu e meu empresário) fomos atrás, na altura era piloto de fábrica da BMW e não sei se foi uma desculpa do lado deles ou não, mas eles disseram que não queriam pilotos de outra marca alemã, que existia uma espécie de “gentleman’s agreement”, mas também disseram para manter a relação aberta e tudo mais. E assim foi, sempre mantivemos uma relação e um diálogo aberto estes anos todos e eu gostava muito do ambiente da BMW, mas tinha uma questão financeira. Então fui para a DS Techeetah, com um grande contrato – financeiramente falando – mas fomos mantendo o diálogo em aberto com a Porsche, até que chegou uma altura em que tudo se alinhou. Eles queriam uma mudança, o meu contrato na DS expirou e aqui estou eu. NdG: A ida para a Porsche foi também uma forma de abrir outras perspectivas, como poder competir nas provas de Endurance? António Felix da Costa: Muita gente me tem feito essa pergunta, mas não foi algo pensado. Sempre foi um objetivo meu fazer parte desta nova era dos LMDh e dos HyperCar, oficialmente ainda não temos nada anunciado mas a verdade é que nunca escondi que tendo feito quatro anos competindo com a equipe Jota, que usou unidades de potência da Porsche para ser um time de carros-cliente da Porsche em 2024, mas que vai usar os Cadillac em 2025. Obviamente que minha prioridade é a Fórmula E e não havendo conflito de calendários, seria possível conciliar as categorias. Existe muita gente envolvida nas discussões entende isso, é o que vai acontecer até porque não estou sozinho neste comboio, há vários pilotos da Fórmula E que querem fazer o WEC, por isso eu acredito que vai haver uma boa fé de toda a gente entre a FIA, a Fórmula E e o WEC, para que não haja datas a coincidir e se assim for eu acredito que tudo possa correr bem e que eu possa estar envolvido, mas dito isto, eu estou correndo no WEC desde 2018, cinco anos a fazer este campeonato, e acredito que me tornei num bom piloto de endurance, e não queria deixar isso fugir agora que temos hipótese de ir para a categoria rainha, ainda por cima o endurance vai entrar numa época espetacular, por isso o objetivo é lá estar. NdG: Você tem como companheiro de equipe um piloto que também é campeão mundial da categoria, um piloto muito rápido e técnico. Como é que tem sido a convivência com o Pascal Wehrlein e como têm sido o trabalho e a competição interna com ele? António Felix da Costa: Tem sido muito boa, melhor do que eu estava à espera, o Pascal é uma pessoa calada, reservada e eu tenho vindo a conseguir desbloquear um bocadinho o Pascal. Se falarmos em 10 níveis, já vou para aí no quatro, tem sido uma evolução boa e rápida, eu acho que ele está um bocadinho traumatizado com ex-colegas de equipe, e anteriores experiência que teve em equipas, eu expliquei-lhe desde o primeiro dia que não estava lá para o pisar ou passar por cima dele, acredito que se trabalharmos juntos, principalmente nesta fase inicial, vai ser benéfico para os dois, obviamente eu quero ganhar ele quer ganhar, mas se fizermos isto com respeito e educação, eu acho que não há mal nenhum eu fui o primeiro a dizer-lhe, se ele ficar 10 vezes seguidas à minha frente eu sou o primeiro a dar-lhe os parabéns, porque ele está a fazer um trabalho melhor do que o meu. Fui bastante claro desde o dia que aqui cheguei, já consigo metê-lo a rir e a mandar umas piadas, o que há uma mês atrás não acontecia, e acredito que esta relação possa melhorar ainda mais quando começarmos a ganhar corridas juntos. NdG: Esta temporada está trazendo grandes mudanças, com o carro GEN3 EVO sendo equipado com um sistema de tra~~ção integral, uma resposta de aceleração maior que a de um Fórmula 1 e pneus novos, mais eficientes. Como estão sendo esses primeiros passos (ou voltas)? António Felix da Costa: A complexidade já era grande, agora ainda é maior… Eu acho que estamos todos num nível altíssimo de sabedoria com este campeonato, e quando se parte de uma folha branca com um carro novo vamos ver realmente os engenheiros a deitar fumo dos ouvidos e a quererem entender o mais rápido possível as coisas. Temos que ter essa vantagem de performance, face às outras equipes. Fizemos uma boa pré-temporada e tivemos a oportunidade de conhecer o carro da Gen3 EVO, que trás muitas novidades para todos e percebemos que estamos em condições de fazer grandes corridas e lutar pelo título, mas não podemos menosprezar as outras equipes, que tem grandes pilotos e estruturas muito bem montadas para também disputar as vitórias de igual para igual conosco. O que acredito é que teremos uma temporada bastante disputada com as mudanças das regras, com a introdução do sistema de tração integral, com os ajustes na regra do “attack mode” e com a parada para a carga rápida que deve ser introduzida em Jeddah. NdG: Você se sente muito à vontade quando está no Brasil. O que te deixa assim? António Felix da Costa: Eu tenho uma relação muito boa com o país. Eu pratico surf e aqui tem muitos amigos aqui. Além disso, tive convites para participar de algumas corridas aqui no Brasil com a Stock Car, com a Porsche e quando anunciaram o contrato do Brasil para receber a Fórmula E, disse para mim mesmo: agora eu tenho um E-prix “de casa”, já que não temos corridas da Fórmula E em Portugal. NdG: O que te deixa mais à vontade em correr aqui no Brasil? António Felix da Costa: A Stock Car brasileira é uma das categorias mais interessantes que já pilotei em carros de turismo. A categoria é muito competitiva, muito profissional, tem pilotos de altíssimo nível e eu consegui ir ao pódio em todas as corridas que disputei. Corri em Goiânia, corri em Interlagos, duas pistas completamente distintas e consegui andar bem. Sempre que tiver uma chance, se me convidarem, eu venho correr aqui. NdG: Você se tornou o maior nome do automobilismo português, independente dos títulos conquistados, em especial o da Fórmula E em 2020. Qual o efeito que isso tem provocado no automobilismo português, especialmente nos jovens no kart? António Felix da Costa: Eu tento fazer a minha parte e acho que com o que tenho feito ao longo destes anos tem sido uma boa maneira de mostrar que é possível fazer uma carreira como piloto profissional e chegar às principais categorias do mundo e isso vem se mostrando também em outros esportes como o futebol, o surf, o golfe, a MotoGP onde temos esportistas dando este exemplo de que é possível ser um dos melhores. Eu sempre que posso vou as competições de kart em Portugal para que eles tenham contato comigo e eu possa ser um exemplo mais presente. |