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Entrevista: Wilson Fittipaldi - o Barão! PDF Print E-mail
Written by Administrator   
Thursday, 28 February 2013 20:51

 

 

Wilson Fittipaldi, o Barão, foi um pioneiro no automobilismo. Não como piloto, mas como jornalista e narrador em um tempo em que a televisão nem existia e os fãs de automobilismo tinham que acompanhar as disputas pelas ondas do rádio e, por décadas, o Barão foi a voz das transmissões da Rádio Panamericana de São Paulo, a Jovem Pan. Pai de dois pilotos que chegaram à Fórmula 1, avô de outro e agora com dois binetos trilhando o caminho das pistas, Wilson Fittipaldi é o patriarca de uma verdadeira dinastia.

 

Tivemos o prazer e a honra de ser recebidos por esta lenda viva em seu apartamento no Rio de Janeiro para esta especialíssima entrevista que abre a série do ano de 2013.

 

NdG: ‘Seu’ Wilson, nossa primeira pergunta é justamente sobre o seu título. É mesmo um título de família, é um apelido. Desde quando o senhor é chamado de “Barão”?

 

Wilson Fittipaldi: Essa é uma passagem engraçada. Eu não tenho título de nobreza coisa nenhuma. Foi um apelido colocado pelo Ney Gonçalves Dias, famoso apresentador do rádio e da televisão que na época trabalhava comigo na Jovem Pan. Eu viajava muito para a Europa para fazer as transmissões das corridas nos anos 70 e numa das vezes em que retornei, eu cheguei em Congonhas eram umas 7 horas da manhã e  eu vinha de Londres onde ainda estava bem frio e eu desembarquei de casaco, chapéu, estola e pedi para ir direto para a rádio para fazer ainda uma parte da apresentação do jornal. Só que antes de ir diretamente para o estúdio eu fiquei com o pessoal da técnica, de frente para os apresentadores e o Ney Gonçalves Dias passou por mim em um dos intervalos e falou que eu estava parecendo um barão inglês com aquela indumentária. Depois que terminou o jornal, os funcionários da rádio começaram todos a me chamar de “Barão”. Estava dado o apelido que eu carrego com muito carinho, pois adoro o Ney, até hoje. Da rádio este apelido se espalhou e hoje todos me chamam assim.

 

NdG: O senhor é uma personalidade que dispensa apresentações nos dias de hoje. Mas o senhor não começou famoso. Como foi o início de tudo? Porque o jornalismo? Porque o esporte e o automobilismo em particular?

 

"Eu posso dizer que fui um profissional realizado. Fiz aquilo que quis, trabalhei com o que gostava e amo o jornalismo até os dias de hoje". 

 

Wilson Fittipaldi: Nossa, faz tanto tempo... são quase oito décadas, sabia? Eu comecei a trabalhar com jornalismo em um jornal que nem existe mais, o ‘Correio Paulistano’. Era um jornal tradicional e eu sempre gostei de trabalhar em jornal, mesmo nos tempos de rádio, a imprensa escrita sempre exerceu um grande fascínio em mim. Eu passei por vários jornais em São Paulo e o último deles foi o ‘Última Hora’. Também gostava muito das revistas, fiz muitos artigos para a Manchete, do querido e saudoso Adolpho Bloch... foi algo natural, foi acontecendo... na época a grande maioria dos que começavam a trabalhar no jornalismo não eram jornalistas, eram apaixonados pelo jornalismo ou acabaram se apaixonando por ele. Eu sou um apaixonado pelo jornalismo. Durante décadas me dividi entre o rádio e os jornais e fazia ambos com imensa paixão, paixão que dura até hoje.

 

NdG: No meio esportivo, desde sempre até onde se tem notícia, o futebol monopoliza as manchetes, o tempo em todos os veículos de mídia. E o senhor foi se tornando a referência que é em um esporte que era quase inexistente, que tinha um que de excentricidade, que não acontecia com a frequência de outros eventos esportivos. Porque automobilismo?

 

Wilson Fittipaldi: Sinceramente? Não sei explicar (risos). Foi algo que foi acontecendo como as coisas as vezes vão acontecendo nas nossas vidas. O automobilismo me despertou uma grande curiosidade desde que eu me lembre. Tem uma estória, verídica, muito engraçada a meu respeito sobre a minha ida para o Rio de Janeiro para assistir o Grande Prêmio do Brasil no circuito da Gávea, o famoso ‘Trampolim do Diabo’. Eu coloquei meu uniforme de escoteiro, que eu era escoteiro lá em Santo André e fui de trem para o Rio, sem pagar a passagem e sem avisar os meus pais. Não demorou muito para que eu ficasse ligado aos esportes a motor e nisso além dos carros tinham as motos quando começaram as corridas de motociclismo no Brasil. Fora disso, eu fiz ainda uma cobertura com provas de ciclismo. O jornalista que mandaram cobrir uma prova comemorativa do dia 9 de julho era um novato, ‘Foca’ como eles são chamados, e eu fui com ele para passar um pouco de calma e experiência.

 

NdG: O senhor teve a oportunidade de estar presente na inauguração de Interlagos, em 1940, na prova de inauguração e viveu de perto estas sete décadas de história. O senhor pode contar um pouquinho para nós do que mais marcou o senhor nesta vida com o ‘templo’?

 

Wilson Fittipaldi: É algo difícil de descrever. Era o primeiro autódromo realmente construído no Brasil. Interlagos era uma coisa maravilhosa. O engenheiro que desenhou aquele traçado tinha que ter uma estátua na entrada do autódromo. Eu estava lá, andando pelo grid e vendo aqueles carros. Fiquei perto do Chico Landi, era uma contemplação. Para mim aquilo tudo era meu. Eu era o dono daquele lugar aos 20 anos de idade. Foi em Interlagos que eu vivi algumas das maiores emoções de minha vida... mas foi algo que depois passou.

 

NdG: Passou quando fizeram a reforma e transformaram Interlagos na ‘pistinha do seu Bernie’, como a gente no site a chama?

 

Wilson Fittipaldi: (Risos) Gostei da ‘pistinha do seu Bernie’... mas foi antes disso e quanto à reforma, tem que por o crédito é na conta da [Luiza] Erundina. Na verdade acho que o Bernie [Ecclestone] não teve muito a ver com a reforma da forma que saiu. Aquela pista daquele jeito foi coisa da [Luiza} Erundina e do [Ayrton] Senna. O [Ayrton] Senna não falava nada com ninguém, a [Luiza] Erundina não falava nunca. Então saiu aquilo que está lá. Porque tinha que mudar? Se tinha que mudar, porque mudar tanto? Porque não preservar o traçado original? Silverstone passou por diversas reformas, eu vi muitas delas e teve esta agora que mudaram a reta de largada, mas o traçado original está lá, pode ser usado ainda. Em Interlagos isso é impossível. Não é só no futebol que tem política. Em todos os esportes, em todo mundo tem, mas com a intensidade que tem no Brasil... nunca vi. e o automobilismo sofre com estas decisões de pesados golpes, como foi o que fizeram com Interlagos e agora o que fizeram, destruindo Jacarepaguá, um circuito que tem tantas memórias para nós brasileiros e para nós, os Fittipaldi.

 

NdG: Hoje quando vemos os profissionais que vão transmitir a Fórmula 1 na televisão indo para a Europa, eles que fazem o que o senhor fazia em meados do século passado, a gente vê os narradores, comentaristas, repórteres de campo, toda uma equipe que vai de avião, e tem gente que vai de 1ª classe, fica em hotéis bons, come bem... como era ir pra Europa e fazer a transmissão naquela época?

 

Wilson Fittipaldi: Perto do que você falou agora de como é eu diria que era uma aventura, quase uma loucura (risos). Íamos em dois. Eu e um repórter. Chegávamos lá onde ia ser a corrida, aí nós íamos procurar um hotel... nós mesmos, não tinha essa coisa de reserva como hoje em dia que fazem pra quem vai lá pra fora. Era assim pra todo mundo. A gente tinha que se virar. Arranjar onde comer sem gastar muito e no meu caso que era o locutor, era diferente dos dias de hoje onde o locutor fica só ‘papagaiando’. A gente tinha que se preocupar se tinha linha, como era o sistema de transmissão de cada autódromo, procurar a melhor cabine possível, ver se o telex funcionava, se ficava longe... era outro mundo.

 

NdG: Hoje a gente vê como são as transmissões onde o narrador tem computador com os tempos, um ou dois monitores de TV mostrando imagens da pista, das disputas e na época que o senhor transmitia as corridas não tinha nada disso. Como é que se conseguia transmitir uma corrida naquele tempo?

 

"Gostei do 'pistinha do seu Bernie', mas a culpa não foi dele. Fou da Erundina e do Ayrton Senna, que não ouviram ninguém".

 

Wilson Fittipaldi: Era uma questão de prática. Em Interlagos tinha-se uma grande vantagem: via-se o circuito inteiro dali da reta dos boxes e assim eu conseguia ver, exceto quando a neblina tomava conta de tudo e aí ninguém via nada, todas as disputas por posição, todos os carros que paravam ou se acidentavam. Isso foi uma grande escola para ir narrar corridas na Europa. Interlagos não foi apenas uma escola para os nossos pilotos, era uma escola de profissionais. Quando eu ia narrar as corridas na Europa, eu procurava sempre um ponto que me desse uma boa referência da pista... e o resto, o que a gente não via, eu procurava ‘enganar o menos possível’ o ouvinte (risos). Um pouquinho tinha que ‘enganar’, senão a corrida não tinha graça. Sem ver tudo o que se passava, como é que você vai fazer a locução? Tem que criar, tem que fantasiar. Depois, com a televisão tudo ficou mais fácil.

 

NdG: O senhor assistiu várias corridas, trabalhando, narrando, inclusive, antes da II Guerra Mundial, antes de existir a fórmula 1, o Brasil tinha o Grande Prêmio do Brasil, onde grandes pilotos e equipes europeias vieram correr no Rio de Janeiro. Depois da guerra, quando começou a Fórmula 1, não vieram mais. O senhor, que já estava neste meio, saberia dizer o motivo?

 

Wilson Fittipaldi: A razão era uma, basicamente. Simples e direta: faltava dinheiro! Era muito caro trazer o circo da Fórmula 1 para o Brasil ou levá-lo para qualquer continente. Certamente você lembra ou leu que as 500 milhas de Indianápolis faziam parte do campeonato mundial de fórmula 1 nos anos 50... mas nenhum piloto ou equipe europeia foi lá disputar a prova. A mesma coisa era com o Brasil. Como trazer a Alfa Romeo, a Maserati, a Ferrari, a Mercedes a Talbot, a Cooper até aqui? Nas corridas no circuito da Gávea vinham duas, no máximo três destas equipes e ainda era uma prática vir um carro para ser alugado para um piloto local para diminuir os custos da viagem.  Nos Estados Unidos ainda era mais difícil porque o carro para correr em Indianápolis era totalmente diferente do que se usava na Fórmula 1. Era preciso construir outro carro e isso nenhuma equipe iria fazer.

 

NdG: O senhor que é descendente [filho] de italianos, que tantas vezes voltou à terra de origem, que assistiu diversas ‘Mille Miglia’ foi o responsável, por décadas, pela iniciativa e prova mais importante do automobilismo brasileiro: as Mil Milhas Brasileiras. Nossa pergunta dividi-se em duas partes: como surgiu a ideia de fazer uma corrida como esta aqui no Brasil e porque fazer em Interlagos?

 

Wilson Fittipaldi: Talvez fazer a corrida usando as estradas fosse mais fácil, mas havia um problema: as autoridades estavam proibindo este tipo de corrida alegando riscos para as pessoas que assistiam as corridas nas margens das estradas. No sul do país, especialmente no Rio Grande do Sul, houve ainda uma resistência maior e uma certa condescendência por parte das autoridades que o gaúcho é muito tradicionalista, né? Então lá sempre foi difícil mudar estas coisas de tradição, o que é muito bonito. Outra opção seria fazer em um circuito urbano, mas seria um problema fazer uma prova dessas, que levaria quase todo o dia para ser concluída... e nós tínhamos Interlagos, que era um circuito maravilhoso, técnico, desafiador... mais desafiador que Interlagos eu só vejo Nurburgring, o de 22 Km. Então foi a decisão correta e muito feliz e que me deixa muito orgulhoso de ter podido fazer esta corrida virar realidade no Brasil.

 

NdG: Qual foi a edição mais difícil de realizar dentre todas que o senhor ficou à frente das Mil Milhas Brasileiras?

 

Wilson Fittipaldi: A primeira. A primeira era a novidade, era aquela que precisaria dar certo para haver a segunda, a terceira e as outras... e não foi fácil, digo. Três meses antes da prova, eu saí pelo estado de São Paulo e segui até o sul do país ao volante de uma Vemaguete, com minha esposa ao meu lado, indo de cidade em cidade aonde tinha um piloto, uma equipe e convidando –os a participar da corrida. Fui na casa de 28 pilotos, quase todos corredores com aquelas carreteras e tentando convencê-los a vir correr num autódromo, que era algo que não tinha fora de São Paulo. A maioria era de gaúchos. Em todos os lugares que cheguei fui muito bem recebido e a todos eu apresentei o projeto inteiro, mostrando o que a organização da prova daria e quais os custos eles teriam, tudo muito correto e muito bem explicado para não haver dúvidas. Não tinha essa de ‘vai lá que lá a gente acerta’. Eu nunca fiz isso na vida e a corrida foi um sucesso. Largaram 44 carros, lembro bem disso. Depois disso só cresceu e cresceu. Teve uma das corridas que eu fiz que tinha 15 carros na reserva, porque não podiam largar mais carros.

 

NdG: Além de responsável pelas Mil Milhas Brasileiras, o senhor teve um papel importantíssimo nos anos 60, na estruturação da CBA e de algumas federações estaduais de automobilismo. Contudo, havia o Automóvel Clube do Brasil e os automóveis clubes das cidades, que organizavam corrida. As coisas parecem não ter sido simples. O que o senhor poderia nos dizer sobre este momento que passou o nosso automobilismo?

 

"Nos meus tempos de narrador para a rádio, sem imagem de televisão, a gente tinha que 'enganar o menos possível' o ouvinte" (risos).

 

Wilson Fittipaldi: As coisas não foram nada fáceis naqueles anos. O Automóvel Clube do Brasil e os outros tinham uma série de regalias. Para se importar um automóvel, era preciso um documento do Automóvel Clube do Brasil para que esta importação fosse autorizada. Não era uma questão técnica ou financeira. Se o presidente achasse que você não podia importar o carro, ele não assinava o documento e pronto! Você ficava sem o carro. E, é claro, eles cobravam uma taxa, que ia para o Automóvel Clube, o que encarecia a importação. A briga começou aí. Nós queríamos que fosse seguido o Decreto 3.199, da lei dos esportes que dizia: Todo esporte deve ter uma confederação e esta, inicialmente, três federações estaduais, que deveriam ser cinco ao final de um ano. Além disso, eles tinham o poder de emitir ou não as carteiras internacionais de habilitação, assim como autorizar que um piloto pudesse correr e representar o Brasil no exterior. Foi uma luta muito difícil para mudarmos isso, mas conseguimos e hoje o automobilismo tem esta estrutura que iniciamos nos anos 60 e que hoje tem a participação nas federações estaduais dos automóveis clubes.

 

NdG: O nosso site é dedicado aos pilotos da geração na qual surgiram para o automobilismo seus filhos, e mesmo os que vieram antes deles. Este confronto teria atrapalhado nossos pilotos a ter saído do país e quem sabe chegado à Fórmula 1 mais cedo?

 

Wilson Fittipaldi: Tal vez sim, talvez não... estas coisas do esporte não podem ser assim, previsíveis. Havia esta disputa entre o Automóvel Clube do Brasil e a recém fundada Confederação Brasileira de Automobilismo pelo controle da organização das competições, mas na época, não havia muito interesse dos pilotos brasileiros em ir correr fora do país. Tinha o Christian Heins, que era um fora de série e que poderia ter ido para a Fórmula 1 e ter sido campeão. Mas aconteceu aquela fatalidade em Le Mans. Nos anos 50/60 nós tivemos uma grande geração de pilotos e muitos deles poderiam ter ido correr na Europa, mas eu penso que foi a reforma em Interlagos que realmente colocou os pilotos a pensar em correr fora do país e aí quem teve mais disposição para isso foram os mais novos da turma.

 

NdG: Entre estes “mais novos da turma”, estava o seu caçula, Emerson, mas antes dele, o mais velho, Wilson, era considerado um dos melhores pilotos do país. Fala-se muito de que o senhor não queria que seus filhos corressem. É verdade isso? Há exagero por parte de quem escreveu isso?

 

Wilson Fittipaldi: Eu sou um apaixonado do automobilismo e como um apaixonado, seria uma felicidade ver os meus filhos fazendo o esporte que eu tanto amava. Mas assim como hoje, o automobilismo é um esporte caro e era caro correr na época e para correr direito, com um bom equipamento, com chances de vencer eu não tinha dinheiro para tanto. Além disso, era preciso que esta vontade partisse deles e que eles quisessem ser pilotos para vencer, não apenas para participar, para estar lá. Por isso eu sempre procurei colocar possibilidades para eles escolherem que caminho tomar na vida, sem forçá-los a nada, nem que ficassem longe das pistas e nem que tivessem que ser pilotos. Graças a Deus eles tomaram as decisões certas e tem seus nomes na história.

 

NdG: O senhor fala de falta de recursos pessoais, mas tanto o Emerson quanto o Wilsinho tiveram suporte de patrocinadores. Isso foi graças ao senhor?

 

Wilson Fittipaldi: Meus filhos sempre foram muito criativos e souberam tirar proveito disso. Eles criaram um kart que está no mercado até hoje. Criaram uma fábrica de volantes esportivos, criaram rodas esportivas e outras tantas formas de ganhar dinheiro. Da minha parte, eu tinha, além da Rádio e do jornal, o trabalho na área de propaganda e muitos dos patrocinadores dos programas da rádio e anunciantes em jornal eram ligados de alguma forma ao automobilismo e aí, este conhecimento neste meio, possibilitou conseguir os recursos necessários a ajudar os primeiros passos das carreiras dos dois e eles conseguiram, com seu trabalho e sua competência, chegar onde chegaram.

 

NdG: Agora nós gostaríamos de ouvir um pouco do ‘pai coruja’, daquele que de ídolo dos filhos virou fã. O Emerson levou quase que exatos 15 meses para sair co cockpit do FFord da Jim Russel Racing para o do Lotus 49 de Jochen Rindt no seu primeiro teste com um F1. Para o senhor, qual o segredo do sucesso?

 

Wilson Fittipaldi: Não tem segredo! É uma questão de trabalho e dom. Qualquer pessoa pode sentar num carro de corridas, num Fórmula 1, e andar e ser feliz. Talvez ela até consiga andar bem, andar rápido. Talvez ela até consiga vir a ser campeã do mundo, talvez não. Não existe uma fórmula para o sucesso. É algo que vai acontecendo e quem está lá, se tiver capacidade para aproveitar as oportunidades pode ser que consiga chegar na Fórmula 1, num título mundial. É algo que está nas mãos de quem está lá.

 

NdG: O senhor tem certamente grandes memórias, de alegrias e tristezas ao longo das décadas em que o senhor transmitiu corridas. Tem um local em especial que tem, certamente, um significado diferenciado nesta trajetória não apenas sua, mas da família Fittipaldi: Monza. O primeiro episódio, a primeira parada, é em 1970. O senhor estava lá naquele ano? Viveu aquele final de semana de tristeza?

 

Wilson Fittipaldi: Sim, eu estava lá. Nós inclusive nem transmitimos a corrida depois que a Lotus se retirou por conta da morte de Jochen Rindt. Foi algo que abalou muito fortemente a Colin Chapman e a toda a equipe. A Lotus tinha o melhor carro daquele ano e o título de Rindt era uma questão de matemática, podendo acontecer ali mesmo em Monza. Seria a primeira corrida do Emerson com o Lotus 72 e nós estávamos com uma grande expectativa...

 

NdG: Tem um episódio, um detalhe, deste final de semana que esperamos que o senhor lembre... é algo muito sério. Sempre que o seu filho Emerson fala sobre a morte de Jochen Rindt ele se emociona. Naquele final de semana, era para ter sido com seu filho aquele acidente do sábado?

 

"O acidente do Jochen Rindt marcou muito a todos nós. Nem transmitimos a corrida. Não lembro se era o carro do Emerson".

 

Wilson Fittipaldi: Eu não me lembro muito bem. O Emerson sofreu um acidente na sexta-feira, quando tocou numa Ferrari [Ignácio Giuntti] e foi parar nas árvores, depois do guard rail. O carro levantou voo e ele não se feriu gravemente por milagre. A Lotus iria correr com três carros: o de Jochen Rindt, o de John Milles e o de Emerson.  Emerson chegava a Monza no mesmo estagio, no mesmo nível de prestígio de Milles, que era um bom piloto, mas não tinha carisma e a Lotus era uma equipe de pilotos com carisma como foram Jim Clark e Graham Hill e era Jochen Rindt...

 

NdG: Mas o seu filho dava as primeiras voltas com os carros, fazendo o que hoje chamam de shakedown. O carro com o qual ele sofreu o acidente era o carro de Rindt, que foi usar o carro que o Emerson usaria no sábado e foi este carro que teve a suspensão quebrada e que Rindt pilotava naquela tarde do sábado?

 

Wilson Fittipaldi: Sinceramente eu não posso afirmar isso com certeza absoluta, mas é possível. Emerson tinha uma grande admiração por Jochen Rindt e aquele acidente, aquela morte foi muito sentida por ele, acho que mais do que qualquer outro piloto que tenha falecido naqueles anos em que ele correu na Fórmula 1.

 

NdG: O segundo momento foi a narração, dois anos depois, da vitória e da conquista do campeonato mundial pelo Emerson em 1972. As suas narrações, a gente tem como ouvir na internet, eram emocionantes, mas sem torcida. Como é que o senhor conseguiu fazer aquela narração, controlar a emoção até a bandeirada?

 

Wilson Fittipaldi: Eu acho que o fato de estar trabalhando com o automobilismo há tantas décadas deixa a gente tão tarimbado, tão experiente que a gente consegue separar o lado pessoal do lado profissional e fazer a narração sem este envolvimento pessoal, mas eu estava mais do que feliz, mais do que realizado vendo aquele momento diante dos meus olhos, vendo meu filho ser campeão do mundo de Fórmula 1. Tanto que depois de fazer as minhas considerações, que foram bem breves, passei o microfone para o meu companheiro de transmissão, o Orlando Duarte, e em me lembro que eu falei “fala Orlando”, e fui em direção aos boxes da Lotus para abraçar meu filho. Comemoramos muito aquele momento. Tem uma coisa que eu vou dizer aqui e que eu nunca disse: eu sabia que o Emerson ia ser campeão do mundo! Não ali em Monza, mas que seria naquele ano ou no seguinte. Ele estava pronto para ser campeão.

 

NdG:Mas poderia ter sido um ano antes, se o Colin Chapman não tivesse criado o Lotus turbina e continuado com o Lotus 72...

 

Wilson Fittipaldi: Pode ser que sim, pode ser que não. Eu acho que as coisas aconteceram no seu devido tempo.

 

NdG: O outro momento que certamente marcou o senhor em relação à Monza foi muito tempo depois, em 1994, quando seu neto, Christian, viu o mundo ao contrário na reta, em frente aos boxes. O senhor estava lá?

 

Wilson Fittipaldi: Não, eu vi a corrida pela televisão e vi a cena ser repetida várias e várias vezes na transmissão. Foi um momento de grande tensão para todos nós, mas que graças a Deus ficou como um grande susto.

 

NdG: Os seus meninos (o Barão sorriu nesta hora) mostraram desde os anos 60 uma inventividade incrível. Fizeram kart, fizeram volante, fizeram um Fusca com dois motores, fizeram um monoposto que ganhou tudo (o Fitti Vê)... e nos anos 70 Wilsinho decidiu partir para a construção de um Fórmula 1. Como foi que o senhor viu aquela ideia?

 

Wilson Fittipaldi: Eu vi e vi que tinha condições de ser um grande sucesso. Apoiei completamente e a meu ver, a equipe foi um sucesso. Conseguiu resultados expressivos, andou em alguns anos à frente de equipes com mais recursos técnicos e financeiros que ela. Eles tinham capacidade para fazer aquilo. No início todos queriam entrar no projeto e patrocinar a equipe...

 

NdG: E porque não foi pra frente? O que saiu errado?

 

"Não podemos apontar um motivo para que o projeto da Equipe Fittipaldi na F1 não tenha ido em frente. Não podemos culpar só a imprensa".

 

Wilson Fittipaldi: Sinceramente, não sei. Muita gente diz que foi a imprensa que não apoiou como deveria, que ficou fazendo chacota do carro quando os resultados não vinham e que quando vinham não davam o devido valor... e quem te patrocina quer ver o carro nos jornais, que ver sua marca exposta, aí a marca aparecia com uma piadinha de mal gosto. Dizem que foi isso, mas não pode se colocar a culpa do fechamento da equipe apenas nisso, teve mais coisas. Foi a época que os custos subiram, que surgiu o motor turbo, que era muito caro e as coisas se acumularam. Tem vezes que um projeto não dá certo. Quantas vezes já vimos um time de futebol contratar vários craques e não ganhar o campeonato? Isso também acontece.

 

NdG: A família Fittipaldi está entrando na sua quarta geração de pilotos, agora com o Pietro e com o Enzo e por um caminho diferente, que é a NASCAR. Mais uma vez os Fittipaldi desbravando caminhos?

 

Wilson Fittipaldi: (Risos) se formos olhar desta maneira, é mais uma geração de desbravadores. Os meninos vivem nos Estados Unidos, onde a cultura do automobilismo é algo totalmente diferente do que é no Brasil e na Europa e acho que eles estão indo pelo caminho certo. O Enzo ainda é muito novo, está começando agora, mas o Pietro já mostrou potencial e está sendo bem orientado para dar os passos certos na hora certa e conseguir alcançar seus objetivos.

 

NdG: O senhor ainda assiste corridas hoje em dia?

 

Wilson Fittipaldi: Sim, todas!

 

NdG: Até a Fórmula Truck?

 

Wilson Fittipaldi: A dos caminhões? Sim, claro! Acho muito disputada, muito emocionante. O Christian correu uma prova que eu assisti e foi muito bem.

 

NdG: Acho que já abusamos demais do seu tempo. Para finalizar, uma última pergunta: Ao longo destas nove décadas de história de vida, desta enciclopédia de conhecimento e experiências que o senhor escreveu, teria alguma coisa que o senhor, se pudesse ter como, voltaria no tempo e faria diferente?

 

"Eu assisto todas as corridas que passam na televisão. Continuo um apaixonado por automobilismo e me orgulho muito dos decendentes".

 

Wilson Fittipaldi: Teria sim. Várias! Mas nós não somos senhores do tempo. Com o passar do tempo a nossa ótica sobre as coisas da vida muda e o que julgamos ter sido a melhor decisão, depois de passadas algumas destas décadas as quais você se referiu, elas não parecem mais tão certas assim. Mas é isso que define a vida: fazer, viver, repensar e ter no fim de tudo, achado que valeu a pena e eu nos meus 92 anos acho que tudo que vivi na vida valeu a pena.

 

 

 

Last Updated ( Thursday, 28 February 2013 21:17 )