Sair do armário é importante? Print
Written by Administrator   
Thursday, 23 March 2017 19:54

“Coming out” é o termo usado na língua inglesa por estes dias para alguém que se declara homossexual ou lésbica. Ter pessoas que se assumem nessa condição, dizendo que querem viver da mesma maneira que as pessoas heterossexuais, é importante nos nossos dias, porque nos coloca em teste em termos de pessoa e a sociedade como um todo. Se no hemisfério ocidental, é algo aceite até por lei - neste momento, é reconhecido em 24 países do mundo, Portugal e Brasil incluídos - noutras partes do mundo é exatamente o contrário: não só é ilegal, como há punições que podem ir até à pena de morte. Logo, assumir não é algo fácil, pois muitos temem a censura familiar e social, mesmo em países onde a proteção está garantida na lei.

 

Pior ainda é se a pessoa fora desportista. São raros os que se assumem no desporto. Seja ele no atletismo, no futebol, no rugby, no automobilismo. Em desportos onde as emoções estão ao rubro, insultar o teu adversário com nomes como "bicha", “viado” ou “maricas”, tentando atingir a auto-estima da pessoa, é bem mais frequente que imagina. E se muitas das vezes, as claques mais fanáticas no futebol insultam os seus adversários pela cor da pele, agora imaginem aqueles que são homossexuais, mas não o podem dizê-lo, pois caso contrário, é o equivalente ao suicídio da sua carreira... e se calhar, algo mais.

 

 Danny Watts

 

Há cerca de um mês, um automobilista decidiu “sair do armário”. O britânico Danny Watts, de 37 anos, anunciou que era homossexual e que tinha orgulho nisso. A entrevista causou ondas, quer de um lado, aqueles que aplaudiram a decisão, quer do outro, daqueles que acham que é um “não-assunto” e que coisas da vida privada são precisamente isso: vida privada. O problema é que foi ele que o disse, numa entrevista, e não foi uma “coscuvilhice” ou uma “fofoca”: foi algo pensado e dito de forma pública, logo, é notícia. E como a pessoa deu a notícia sobre a sua situação, deu-a para dar um exemplo aos que ainda vivem no armário e tem medo da reação da sociedade perante tal coisa, que ainda vêm como uma aberração, por exemplo. Perguntem a um russo, por exemplo, se é fácil “sair do armário” naquelas bandas. Quem sabe da situação que se vive por lá, sabe que tal coisa não existe.

 

Mário Araújo 'Nicha' Cabral

 

E é verdade: são poucos os casos de pessoas do automobilismo que são gays. Só conheço dois pilotos de Formula 1 que foram, e não tiveram grandes carreiras: o português Mário de Araújo Cabral, vulgo “Nicha”, e o britânico Mike Beuttler.

 

No primeiro caso, “Nicha” correu quatro grandes Prémios entre 1959 e 1964, sem grandes resultados, e no segundo caso, Beuttler correu entre 1971 e 1973 numa March privada de cor amarela, sem pontuar alguma vez - o melhor que conseguiu foi um sétimo posto no GP de Espanha de 1973. Se “Nicha” ainda vive, aos 83 anos de idade, já Beuttler não: morreu em 1988, em São Francisco, vitima do vírus HIV.

 

Mike Beuttler

 

Contudo, se por um lado é ótimo assumir a sua condição, há um pequeno problema nisto: Watts disse isto tudo quando ele tinha pendurado o capacete, ou seja, quando decidiu encerrar a sua carreira no automobilismo. Watts fez coisas interessantes, especialmente na Endurance, onde conseguiu um quinto lugar na edição de 2010 das 24 Horas de Le Mans, no carro da Strakka Racing, ao lado dos seus compatriotas Johnny Kane e Nick Leventis. Também correu na A1GP, em 2008-09, com dois terceiros lugares em Xangai. A sua última temporada, em 2016, passou-a no Mundial de Endurance, de novo pela Strakka.

 

Mas mais do que sair do armário e dar um exemplo aos outros, e também mostrar a eles que são pessoas como todas as outras, só que tem gostos diferentes dos nossos, há outra que se coloca por aqui: o que uma comunidade como a automobilística (ou outra desportiva) faria se alguém assumisse a sua condição ainda como atleta ativo? O desporto é uma atividade do qual as pessoas têm de se mostrar fortes, não só em termos de resultados, mas até a aparência.

 

 Johnny Kane

 

Mais do ser, têm também de parecer. Tem de parecer fortes e duros como uma rocha. E a homossexualidade é ainda uma “fraqueza” na mente de muitas pessoas. Aliás, não podem mostrar qualquer tipo de fraqueza ao mundo, a não ser as físicas. E posso até pegar num exemplo mais mental como a depressão. É público que futebolistas, automobilistas e outros desportistas são seres humanos como todos os outros, podem deprimir-se ao ponto de acabaram com a sua própria vida.

 

Se ainda tratarmos essas pessoas como “fracos” (e não doentes que devem procurar devido tratamento), como é que podemos dar aos homossexuais assumidos o apoio que merecem? Infelizmente, hoje em dia, muitos sofrem na juventude de “bullying” e os níveis de suicídio juvenil nessa comunidade são bem superiores da média. E mudar consciências, até ao dia em que estas “saídas do armário” merecem ser uma não-noticia, vai demorar muito tempo. Uma ou duas gerações, se tudo correr bem.

 

 Nick Leventis

 

Gostaria que o exemplo de Danny Watts servisse para muitos outros façam o mesmo, mas como já viram, é preciso uma enorme dose de coragem para o fazer. Mas honestamente, tenho esperança. Não há muito tempo, torcíamos o nariz por pessoas com diferente cor de pele, mas após o surgimento de pilotos como Lewis Hamilton e Pascal Wehrlein, as coisas mudaram, Hoje, aplaudimo-los pelos seus resultados e não pela cor da pele. Wehrlein é o mais jovem campeão do DTM, aos 20 anos, em 2015, por exemplo.

 

Já estivemos mais longe.

 

Saudações d’além mar,

 

Paulo Alexandre Teixeira