A história do Lotus 79: Um carro revolucionário Print
Written by Administrator   
Friday, 25 May 2018 17:12

Poucos foram os que marcaram o automobilismo. Colin Chapman foi um deles. Fundador e patrão da Lotus até a sua morte, em 1982, foi também um engenheiro que entendeu como nunca as regras e a maneira como elas deveriam ser interpretadas. Pensador fora da caixa, foi ele que trouxe à Formula 1 inovações como o monocoque, com o modelo 25, de 1962, e o modelo 49, de 1967, onde colocou os primeiros aerofólios, dez anos depois, em 1978, trouxe ao mundo aquele que poderá ter sido o carro mais marcante: o modelo 79, que trouxe o efeito-solo na sua plenitude.

 

E o carro, que deu à equipa o seu último título mundial, foi também um paradoxo: a partir dele, a equipa assistiu ao seu declínio, pois não mais venceu títulos até à sua extinção, em 1994. E como agora passaram 40 anos desde a sua estreia, em Zolder, é a altura de contar a história do carro, que partiu também de um dos momentos mais baixos da história da equipa.

 

VOLTAR À ESTACA ZERO

 

No verão de 1976, Chapman estava em Ibiza a passar férias. A sua equipa estava a ter um campeonato modesto. O modelo 72, em prova desde 1970, tinha chegado ao limite da sua vida útil no final de 1975, e o que deveria ser o seu sucessor, o modelo 76, com asa dupla e um sistema de embraiagem eletrónica, tinha-se estreado em meados de 1974 e foi um fracasso. O modelo 77, uma versão mais simples do 76, não era fantástico, apesar de alguns pódios por parte de Gunnar Nilsson, o sueco que sucedeu a Ronnie Peterson na equipa. 

 

O Lotus 77 era melhor que o Lotus 76, mas ainda não conseguia atingir os objetivos de Colin Chapman.

 

Frustrado com os dois modelos, decidiu aproveitar o tempo para escrever um memorando de 27 páginas sobre aerodinamica, nomeadamente a penetração do ar e o arrasto aerodinâmico. Depois de estudar o sistema de radiadores do De Haviland Mosquito, e a sua posição no avião, que causava sustentação no ar, pensou que, em caso de inversão, iria produzir "downforce". Conversando com o projetista Tony Rudd, este lembrou-lhe dos princípios de fluidez dinâmica, mais conhecido como o "Principio de Bernouli", onde existe um aumento da velocidade do ar, e em consequência, do atrito, quando este passa por baixo de uma determinada superfície. Numa só frase, o carro, nessas circunstâncias, poderia funcionar como uma asa invertida, que agarraria o carro na pista.

 

Rudd, que tentara fazer um carro desse tipo em 1969 na BRM, antes de ir para a Lotus, foi encarregado de projetar um carro usando esses principios. À equipa juntou-se Peter Wright, que também trabalhara com Rudd na BRM, Martin Ogylvie e Ralph Bellamy, que tinha trabalhado na McLaren e Brabham, antes de ser substituído por Gordon Murray. Nos testes de vento, descobriu-se que, à medida que o carro ficar próximo do chão, o principio da asa invertida acontecia, mas quando colocaram uma solução provisória na forma de "saias aerodinâmicas", o carro agarrava ao solo como nunca. A equipa apresentou os resultados a Chapman, que decidiu projetar de imediato o que viria a ser o Lotus 78.

 

O Lotus 78 era um carro muito bom, desde o início mostrou ser eficiente, mas havia um potencial a ser explorado.

 

O carro ficou pronto em julho de 1976, e depois de experimentar em pista, Mário Andretti pressionou Chapman para que o estreasse em Zandvoort, no final de agosto, mas recusou, preferindo adiar a estreia para a temporada seguinte.

 

Quando se estreou, em Buenos Aires, o carro esteve sempre entre os da frente, e Andretti conseguiu quatro vitórias, contra uma de Gunnar Nilsson, na Bélgica. Contudo, apesar do americano dizer que o 78 "parecia estar pintado na estrada" tinha problemas, especialmente na aderência aerodinâmica e na fluidez de ar traseira, que causava problemas. Logo, era evidente que um novo carro teria de ser feito para tratar desses problemas. Daí ter surgido o 79.

 

MELHORAR PARA DOMINAR 

 

O modelo 79 começou a ser desenhado pelo mesmo grupo que desenhara o 78, com a excepção de Bellamy, que foi substituído por Geoff Aldridge. A suspensão traseira foi redesenhada, provocando menor arrasto aerodinâmico, e a frente foi mais afilada. As saias laterais eram de borracha, mais eficazes que as de plástico - abrasivas e aqueciam prematuramente - e o carro era construido em aluminio em forma de colmeia, com alguns elementos em fibra de carbono, como a asa traseira. 

 

O Lotus 79 foi uma daquelas obras primas que só Colin Chapman conseguiria produzir. Limpo, perfeito e rápido.

 

Nos primeiros testes do carro, no final de 1977, em Paul Ricard, o carro obtinha mais 30 por cento de arrasto do que o 78, o que causava fadiga prematura na estrutura do chassis. Não prevendo isso, Rudd decidiu reforçar a estrutura do carro em curva, e isso atrasou a sua entrada nas pistas, logo, a equipa continuou com o 78 no início da temporada de 1978. Sem problemas: Andretti venceu em Buenos Aires e Peterson em Kyalami.

 

O carro ficou pronto em Zolder, palco do GP da Bélgica. Era um carro "limpo", sem a entrada de ar lateral do 78, por exemplo, para dar a maior fluidez possível. Os fãs e a imprensa adoraram o carro, pela sua beleza, e ganhou logo na sua estreia: Andretti, com o carro novo, foi o vencedor, com Peterson, com o velho 78, no segundo lugar. E ao correr com ele, comparou o 78... a um ônibus londrino. E Peterson complementava os elogios, dizendo que a aderência ao solo era tal que só precisava de acelerar, frear e virar.

 

Um raio X da grande obra dos anos 70 mostra a capacidade inventiva do seu criador.

 

Andretti venceu em Jarama, com nova dobradinha para Peterson, que já tinha o seu 79, e em Anderstorp, palco do GP da Suécia, o Brabham BT46 foi uma ameaça para eles. Contudo, a concorrência contestou a forma como Gordon Murray chegou ao efeito-solo, e a Brabham retirou o carro de cena, deixando a Lotus dominar. Nas cinco corridas seguintes, a Lotus venceu quatro, com três vitórias de Andretti e uma de Peterson, em Zeltweg.

 

INFERNO

 

Quando a Formula 1 chegou a Itália, no fim-de-semana de 10 de setembro, a Lotus já era campeã de construtores, e em termos de pilotos, o assunto era apenas entre Andretti e Peterson, e Chapman já tinha dito que o campeão seria o americano. Isso tinha causado atrito suficiente para que o piloto sueco tivesse anunciado que iria pilotar para a McLaren em 1979, no lugar de James Hunt.

 

O ano de 1978 o que se viu foi várias vezes Colin Chapman invadir a pista para jogar seu boné para o alto.

 

No "warm up", Peterson despistou-se na segunda chicane, danificando o seu 79 e tendo de alinhar na corrida com um 78 de reserva. Na partida, o sueco acabou envolvido numa carambola e bateu no guard-rail, destruindo o carro e tendo ficado gravemente ferido nas pernas. Acabaria por morrer no dia seguinte, vítima de uma embolia, aos 34 anos de idade. Depois de Clark e Rindt, Peterson era mais um piloto que morria ao volante de uma das criações de Chapman. Andretti acabou por ser campeão, mas foi uma vitória amarga.

 

Para o final da temporada, foi contratado o francês Jean-Pierre Jarier, que conseguiu uma pole e uma volta mais rápida, mas não pontuou.

 

Em 1979, Chapman e a sua equipa queria levar o efeito-solo o mais longe possivel, daí ter surgido o modelo 80. O carro era para ser um conjunto único - tinha até suprimido a asa traseira - mas acabou por ter um problema batizado de "porpoising", onde o carro balanceava fortemente em curvas a baixa velocidade, quase como se fosse um barco numa tempestade. A sua eficácia aerodinâmica baixava, e apesar de o 80 se ter estreado em Jarama com uma ida ao lugar mais baixo do pódio por parte de Andretti, foi um fracasso.

 


Contudo, a tentativa de evoluir ainda mais o carro vencedor com o modelo 80 não funcionou.

 

Pior: outros modelos como o Williams FW07, o Brabham BT49 e o Ligier JS11/15 conseguiam ser mais eficazes no aerodinamismo que os Lotus 79, e este se tornou obsoleto. Nem Andretti, nem o argentino Carlos Reutemann, o sucessor de Peterson na Lotus, conseguiram vencer qualquer corrida em 1979. E Chapman perseguiu o efeito-solo total com o projeto do modelo 88, que deu controvérsia no início de 1981.

 

Para além deles, um terceiro carro correu em 1979 nas mãos do mexicano Hector Rebaque, sem pontuar, porém. E serviu como base para o HR100, estreado no final da temporada, com a ajuda da Penske, mas sem sucesso.

 

Uma equipa unida e de mérito, que manteve nos anos 70 o nome que construiu na década anterior. 

 

Ao todo, o carro participou em 26 corridas, em duas temporadas, tendo vencido seis corridas - cinco com Andretti e um com Peterson - alcançado catorze pódios (cinco com Andretti, cinco com Peterson e quatro com Reutemann) dez pole-positions (sete com Andretti, dois com Peterson e um com Jarier), e cinco voltas mais rápidas (dois com Andtetti, dois com Peterson e um com Jarier. No total, conseguiu 116 pontos e os títulos mundiais de pilotos e construtores de 1978.

 

Saudações D’além Mar,

 

Paulo Alexandre Teixeira


Last Updated ( Thursday, 31 May 2018 18:21 )