Frente a Frente: Claudio Carsughi Print
Written by Administrator   
Wednesday, 10 January 2018 10:49

Mencionar o nome de Claudio Carsughi e tentar descrever a pessoa, o jornalista, o maior especialista em automobilismo do país e uma referência não apenas para nós, no Brasil, mas para seus compatriotas na Itália, é algo que não é possível de ser feito nem com mil palavras.

 

Se além do automobilismo entramos no campo das quatro linhas, da bola rolada nos gramados, a dificuldade só aumenta. Sim, Claudio Carsughi é um fenomenal cronista do futebol, uma paixão nutrida pela sua Fiorentina, clube de coração desde a infância na Itália.

 

Este italiano, natural de Arezzo, uma pequena cidade próximo a Florença (ao menos quando ele nasceu, em 13 de outubro de 1932 e que hoje tem cerca de 100 mil habitantes segundo o último censo italiano) que hoje está com 85 anos continua dono de uma visão e uma lucidez sobre as coisas do mundo suficiente para matar de inveja a todos que jamais chegarão à sua altura.

 

Há mais de seis décadas trabalhando ativamente em ambos os esportes – automobilismo e futebol – Claudio Carsughi é uma referência para os profissionais da área e para os estudantes de jornalismo, que já o entrevistaram as centenas para seus trabalhos de conclusão de curso nas diversas faculdades de jornalismo paulistas.

 

O mestre das palavras bem colocadas e ideias bem sintetizadas nos recebeu em seu apartamento na capital paulista e simplesmente não vimos o tempo passar. Foi uma aula de jornalismo, de automobilismo e de vida que partilharemos com os leitores do site dos Nobres do Grid.

 

NdG: Porquê o italiano é tão apaixonado pelo esporte a motor? Por velocidade?

 

A paixão pela velocidade na Itália é uma coisa histórica: Meu pai me levava para ver a Mille Miglia quando eu tinha 3 a 4 anos.

 

Claudio Carsughi: Acho que é uma coisa histórica. Algo que alguém, do berço, de passar de geração em geração. Minha primeira lembrança é de quando eu tinha algo entre três e quatro anos de idade o meu pai me acordava lá pra meia noite, uma da manhã, para irmos a um lugar fora da nossa cidade, em Arezzo, por onde passava a Mille Miglia, e íamos ver a passagem dos carros. Logicamente, ele me levava todos os anos para Monza para assistirmos o Grande Prêmio da Itália. Então é uma coisa que você cresce com essa paixão, com essa coisa de estar perto da velocidade. Na região que é a de Emilia Romagna, no norte da Itália, onde além da Ferrari havia – e muitas ainda estão lá – fabricantes de carro, como a Maserati e um sem número de pequenas fábricas que eu levaria horas para dizer todas. Ao mesmo tempo, as corridas de rua eram uma forma de se atrair o público. Havia um contato direto e junto com as provas de subida de montanha, posteriormente os circuitos e esta passagem hereditária como foi meu caso, é difícil encontrar alguém na Itália que não goste de automobilismo.

 

NdG: O senhor lembra de ir ver a Mille Miglia com três para quatro anos de idade, mas qual foi aquela lembrança de um fato, um carro, um piloto que o senhor tem na memória?

 

Claudio Carsughi: Foi de uma corrida que havia na Toscana, em Livorno, a Coppa Ciano. Eu tinha uns 6 anos de idade. Era num circuito que tinha uma parte de reta e depois tinha uma colina, que você subia e voltava. Os dois grandes rivais naquela corrida eram um alemão, Hans Stuck, que corria para a Auto Union, e um italiano, Tazio Nuvolari, que corria pela Alfa Romeo. O carro alemão era bem mais potente e desde a largada se via que na reta Hans Stuck abria vantagem e nas parte sinuosa Tazio Nuvolari conseguia chegar. Isso durou umas 15 voltas até que Nuvolari desistiu da disputa porque não havia condições de superar aquele carro alemão. O que me chamou a atenção foi a capacidade do piloto, do homem em reduzir esta diferença técnica e ver que um piloto, em determinadas condições poderia subverter uma superioridade de equipamento nas mãos de outro competidor. Esta lembrança de infância me fez tornar-me um grande fã de Tazio Nuvolari e me colocar em saia justa quando me perguntam qual foi, na minha opinião, o maior piloto de todos os tempos e, da minha admiração de infância eu me vejo propenso a dizer que foi Tazio Nuvolari. Felizmente, para corroborar comigo, tem a opinião do Comendador Enzo Ferrari que dizia ter sido Tazio, entre todos os que ele viu correr, o maior de todos. Quando se fica mais velho, lendo mais, conhecendo mais, buscamos informações e nas minhas pesquisas descobri que Tazio Nuvolari foi o piloto que conseguiu levar ao aproveitamento pleno o Auto Union Type C, de 16 cilindros. Quem sebe do que estou falando sabe que era um carro com mais 500 cv de potência, pesando pouco e com pneus que hoje seriam equivalentes ao de uma moto CG 125.

 

NdG: O senhor veio para o Brasil com que idade?

 

Claudio Carsughi: com 14 anos.

 

NdG: E como era a sua vida na Itália antes de vir para cá?

 

Claudio Carsughi: Era uma vida normal até o início da guerra. Depois que a guerra começou passamos a ter uma série de restrições, em dado momento até de se ter o que comer e eu lembro que num período o meu avô conseguiu um saco com 50 Kg de ervilhas só que estava com bicho dentro. Então todos sentavam-se à mesa e tínhamos que abrir a ervilha, separar a ervilha do bicho para poder comer... e por um mês foi só o que tivemos para comer. Mas de resto era uma vida normal. O esporte mais popular era o futebol e foi com o qual tive contato e como morávamos próximos a Firenze (Florença) veio minha paixão pela Fiorentina e eu me sinto em casa quando estou em Firenze. Eu volto lá todos os anos e passo uma temporada na Itália.

 

NdG: E sua família veio para o Brasil após a guerra...

 

Claudio Carsughi: Sim, viemos para o Brasil em 1946 e eu vim sob protesto, mas com 14 anos você vai protestar o quê? Não era uma questão de ter alguma restrição contra o Brasil, mas pelo desconhecido, era como se alguém dissesse hoje “vamos morar na lua”. E eu pensava: vou deixar para trás minha escola, meus amigos, meus interesses, a primeira namoradinha... e isso provocou de um certo modo uma colocação como estrangeiro. Num primeiro momento eu vivi no Brasil como um estrangeiro e posso dizer que o Brasil é o melhor país do mundo para um estrangeiro viver. Aqui há um calor humano que não se encontra em outros lugares. Eu gosto muito da Suiça. Costumo dizer que eles são uma Itália que deu certo, onde tudo funciona. Contudo é uma frieza que não tem comparação. Se você conhece alguém, talvez, depois de um ano, ele te convide pra tomar um café na casa dele. Mas isso me fez olhar o Brasil de fora e também porque eu comecei a escrever muito cedo na Itália e consegui passar a ser correspondente de jornais italianos quando estava aqui no início. Primeiro foi Corrire Dello Sport, depois o Tutto Sport e muitos anos depois, como brinco, o primeiro jornal sério, que não era só de esportes, o La Stampa, de Turin. Isso me deu a chance de mostrar ao leitor na Itália a imagem que ele teria se estivesse aqui. Se você está muito entrosado, você não consegue ter esta “visão do estrangeiro”. Eu vejo pela política, por exemplo. Se você está fora, você vê os pontos positivos e negativos de um e de outro. Se você está dentro, acaba se envolvendo e quando se envolve, perde o sentido de análise.

 

NdG: O senhor tem consciência da importância que tem para o jornalismo. Ser jornalista é um dom, uma coisa nata, aconteceu? Como surgiu o jornalista Claudio Carsughi?

 

Durante a guerra o meu pai conseguiu um saco de 50 Kg de ervilhas, com bichos. Tirávamos os bichos para poder comer.

 

Claudio Carsughi: Esta importância eu deixo a seu critério... mas o jornalismo para mim veio quase como um acaso. Quando viemos para o Brasil, a ideia era arrumar algumas coisas que a família tinha aqui. Meu avô veio para o Brasil com seu irmão em “1800 e nada” e ao contrário da grande maioria, ele veio para cá com algum capital e montou uma firma de importação e de fabricação de joias. Ele voltou para a Itália muitos anos depois e seu irmão ficou aqui. Durante a guerra em certa altura, quando o Brasil declarou guerra contra o eixo, os bens de muitos dos italianos foram confiscados, mas o irmão do meu avô conseguiu evitar que isso acontecesse, mas que naquele momento, terminada a guerra, seria bom que eles viessem para arrumar as coisas. Como minha mãe era filha única e eu, neto único, teve que vir todo mundo! Isso era 1946. O plano era vir por um ano, tanto que eu tranquei minha matrícula na escola. Meu pai era amigo do diretor do Corriere Dello Sport e já se sabia que em 1950 o Brasil seriaria a copa do mundo. Então este diretor pediu para meu pai falar comigo para eu mandar umas matérias sobre como é o país, como os brasileiros veem o futebol, como torcem, o que pensam da copa do mundo, essas coisas. Meu pai achou muito boa a ideia e como eu não era um aluno brilhante, tirava 6, que era o mínimo pra passar, e começou assim minha vida de jornalista. Eu escrevia para o Corriere Dello Sport e tocava meus estudos por aqui. Entrei para a poli...

 

NdG: A poli? A faculdade de Engenharia da USP?

 

Claudio Carsughi: Sim. Eu me formei engenheiro civil pela Escola Politécnica da USP. Bem, e eu tive que escolher o que fazer depois disso. Eu vi que a minha ideia de engenharia era você poder comprar um lote de terreno e construir uma vila de casas populares, porque projetar uma mansão de 500 metros quadrados é fácil, difícil é fazer uma casa de 50 metros quadrados que dê conforto para uma pequena família e que seria barata. Eu vi que eu não tinha dinheiro para fazer este tipo de investimento e teria que trabalhar num escritório, como engenheiro e fazer os projetos que me mandassem, trabalhei até um ano. Quando me formei, eu já trabalhava na rádio... e ganhava a mesma coisa. Era muito mais divertida a rádio do que um escritório de engenharia e assim, optei pelo jornalismo. Além da rádio eu trabalhava em jornais, fui editor da revista HP, a única que falava sobre automobilismo na época, depois na Gazeta Esportiva, na Editora Abril onde trabalhei na quatro rodas como responsável pela seção de testes.

 

NdG: Quando o senhor começou escrevendo para o Corriere Dello Sport, antes da copa de 50, o senhor era um adolescente. Quantas vezes o senhor já olhou para trás e viu o tamanho da história que escreveu? O quão longe o senhor chegou?

 

Claudio Carsughi: Olha, eu tive um grande ensinamento que foi na copa de 50. Nesta copa, só vieram da Itália os jornalistas mais importantes. O Brasil era longe, era caro vir para cá e ficar quase um mês e os jornais mandaram seus diretores, gente com 50/60 anos e que eu só conhecia pela assinatura no jornal. E lá estava eu, com 18 anos, que játinha enviado e tido publicada uma série de matérias antes da copa, da vinda do Torino ao Brasil em 1948... e eles, ao contrário do que eu esperava, me trataram de igual para igual. E não era fácil fazer transmissões naqueles tempos da máquina do telex, no tempo que tinha que marcar horário para fazer uma ligação telefônica para o exterior e quando acabava o jogo, todos corriam para o telex para mandar seus textos, mas não tinha essa de “sai daí garoto que eu tenho que eu sou mais importante”. Isso foi um grande ensinamento para que eu tratasse todo mundo da mesma forma. Tanto que, para mim, quando alguém vem me entrevistar e me trata de “senhor” e eu falo para ele deixar o “senhor” pra lá, porque é um colega e, por favor, me chama de “você”. É normal vir estudantes de jornalismo para fazer seu trabalho de conclusão de curso e eu brinco dizendo que é uma pena eles estarem vindo só no final do curso, porque se viessem no início eu faria o possível para que mudassem de ideia, porque a profissão de jornalista é uma profissão em extinção. Eu falo isso por uma razão muito simples: culpa direta das autoridades que deixaram proliferar “n” faculdades de baixíssimo nível então, aquilo que era um “mercado comprador” passou a ser um “mercado vendedor”, com uma super abundância de mão de obra. Eu sempre me lembro de que em 1963 eu estava na Rádio Bandeirantes quando houve uma grande mudança: o grupo que lá trabalhava recebeu um oferta das emissoras unidas do Paulo de Carvalho para ir para a Record. Aí fomos falar com o Samir Razuk, superintendente na época, para comunicar nossa saída e ele tentou contornar, marcar uma reunião com o Dr. João Saad, perguntou se era questão de salário, que se podia conversar, fizeram contra propostas e, no um caso, ofereceram mais do que a Record tinha oferecido. Eu agradeci, mas mesmo não tendo assinado nada, disse que tinha dado a minha palavra. Foi a única vez na vida que me arrependi. A Record não cumpriu uma porção de coisas que havia prometido. Nos dias de hoje, se você diz que recebeu uma proposta de outra rádio, é “tchau e passe bem”! Hoje se você sai de um lugar eles contratam – e eu vi isso na “Pan”(Rádio Panamericana) – três jovens que tenham tido destaque no curso de jornalismo e dava 1/3 do salário pra cada um deles por três meses de contrato para ,no fim, escolher um e dizer que ele era o melhor e que iam aumentar o salário dele em 50%. No final, tinham um jornalista que se matava, não ligava para hora extra, pra nada e achava que estava ganhando bem, ganhando metade do que saiu. Por isso eu acho que é uma profissão em extinção.

 

NdG: Mas o fato dos alunos virem aqui, como foi o caso do nosso colunista Alexandre Bianchini, só mostra que o senhor é um ícone, uma referência...

 

Eu acho que o jornalismo é uma profissão em extinção. hoje existem muitas faculdades de baixo nível formando jornalistas. 

 

Claudio Carsughi: Eu lembro dele em particular... mas acho gozado isso de as pessoas chegarem e pedirem pra tirar foto comigo. Em um evento da Renault o então presidente veio falar comigo, disse ser meu fã e eu acho que eu sou uma pessoa como outra qualquer.

 

NdG: Como o senhor falou, o senhor teu uma ligação muito forte com o futebol. Onde é mais difícil trabalhar: no mundo das bolas ou no mundo das rodas?

 

Claudio Carsughi: Sem dúvidas o mundo das rodas. Se você não tiver um preparo técnico vai se encontrar em dificuldades. Eu me lembro das entrevistas com o [Nelson] Piquet. Ele fazia uma clara diferença entre aqueles que entendiam e os que não entendiam de automobilismo. Se ele visse que você entendia e fazia perguntas coerentes era capaz de ficar horas e horas conversando sem se preocupar com nada. Agora, quando viam aqueles repórteres da televisão, de rádio, perguntando de ele ia “correr pra ganhar” ele respondia, ao vivo, “não, vou correr pra chegar em último”. Isso eu acho que era ótimo. Tem uma coisa que eu faço na minha revista eletrônica, Impressões ao Dirigir, de carros, que se você tem um conhecimento técnico, tudo se torna mais fácil. Nas apresentações de carro a parte de marketing faz parte da apresentação, mas não vejo a hora dela acabar para eu buscar alguém do departamento de engenharia para conversar sobre os assuntos que eu quero esclarecer para mim e meus leitores. Um exemplo: Quando uma determinada montadora lançou um novo carro e disseram que não podiam fazer um carro que custasse mais de 30 mil reais, eu fui procurar o pessoal da engenharia e perguntei para eles: “No Modelo ‘X’ este motor tem esta especificação, e neste carro”? E eles disseram que tiraram alguns componentes. Não tinha jeito, do contrário, não custaria o preço que custa. Tem coisas que o engenheiro, sabendo com quem está falando, não vai te mentir. Na pior das situações ele fica em silêncio e o silêncio já responde muita coisa. O cara do marketing vai tentar te enrolar, dizer que é melhor por isso ou aquilo... e a gente sabe que não é. Uma vez chegou um diretor da GM. Na época que eu trabalhava com os testes da Quatro Rodas e no teste de 30 mil Km o Monza, antes de fazer a revisão com nosso acompanhamento, foi feita a revisão na fábrica. Eu escrevi que era uma pena porque se havia perdido metade da vida útil do carro. E ele disse que até preferia que fosse daquele jeito. O que se pode fazer nestas horas? Não tem mais o que conversar. Por isso que acho ser mais difícil falar sobre automóveis e automobilismo o que de futebol. Futebol não é difícil, são 17 regras e todo mundo entende. O máximo de tecnologia é agora o gol ou não gol e a TV para se rever o lance.

 

NdG: Até onde o jornalista tem ou não consciência de que ele é um formador de opinião? Qual o maior desafio em se ser jornalista?

 

Claudio Carsughi: Acho que todos tem esta convicção, até mesmo por alguns superestimarem as própria obra. Desde os jornalistas de renome até os milhões de blogueiros que existem por aí tem essa ideia de que conseguem influenciar as pessoas. De uma forma geral, o importante é você ver o limite entre a tua opinião e aquele que é o interesse publicitário, teu ou de para onde você trabalha.

 

NdG: Em tudo se fala muito em “profissionalismo”. Como o senhor viu as evoluções e, quem sabe algumas “involuções” ao longo destas décadas?

 

Claudio Carsughi: É claro que tudo se tornou muito mais profissional. Há uma necessidade de credibilidade da informação que você dá, dependendo claramente do meio onde você está, da política que esta empresa tem, dos compromissos que você tem que cumprir. Um exemplo claro é o que fez a Rede Globo com a Fórmula 1. Desde o início ela desenvolveu a tese “do brasileiro que ganha”. Criaram uma musiquinha, o Galvão [Bueno] fazendo poema, mas não levaram em conta de termos tido num curtíssimo espaço de tempo Emerson Fittipaldi, José Carlos Pace, Nelson Piquet e Ayrton Senna era um aborto da natureza. Em país nenhum aconteceu isso e não havia razão nenhuma para isso continuar. Na Alemanha, depois dos ases dos anos 30, só tiveram depois o [Michael] Schumacher. Na Itália, depois dos pilotos de antes da guerra, no início da F1 tiveram o Giuseppe Farina e Alberto Ascari, o Michelle Alboreto não chegou ao top e não teve mais ninguém. Na Espanha, antes do Fernando Alonso não teve ninguém na F1. Alguns pilotos de rally e motos. A França, antes do François Cevert, nenhum grande nome. Depois, alguns bons, mas acima da média, só o Prost. Na Inglaterra o grande nome foi o Jim Clark. Jackie Stewart um pouquinho abaixo, Graham Hill e alguns pilotos que venceram corridas, mas não foram foras de série. Vamos ver até onde vai o Hamilton, que foi quem veio depois. O Mansell era um piloto interessante, mas nada especial. Então, voltando ao Brasil, não criaram no país um amor pelo esporte em si, não pela F1, mas pelo vencedor. A Globo quis continuar nisso e queimou a carreira do coitado do Rubens Barrichello, e depois o ironizou em programas de TV chamando o personagem de pé de chinelo. Uma vez eu perguntei pra ele se ele não tinha vontade de mandar os caras prá... e ele disse que e ele disse que vontade até podia ter, mas é a Globo e eu não posso brigar com eles. A consequência disso foi aquela de que o Brasileiro ou é o melhor ou é o pior. Você não pode ter um piloto bom, muito bom ou ótimo. Ou é excelente ou não presta. Veja as críticas que fizeram para o Felipe Massa. Ele é um excelente piloto. Não é um fora de série, mas é um excelente piloto. Se não fosse pelo erro da Ferrari em Singapura teria sido campeão do mundo. O que aconteceu? De 100% de audiência que a Globo tinha nas corridas, 90% largou. Ficaram aqueles 10% que gostam, que apreciam a tecnologia da F1, a competição, , que não aceitam ‘blablabla’, que tem entendimento do esporte, por exemplo, vendo que um piloto está na frente e com uma reserva de pneu clara e o narrador falando que ainda tem luta por posição e tal... ele dá risada, ou xinga. Houve uma vez, quando estava na Record e o Dr. Paulo Machado chamou e foi falar sobre crítica no futebol. Ele costumava reunir o pessoal no final da tarde para conversar e aí falou: “gente, imagina o [Juliano] Randall, que era um grane astro da TV e fala: agora vem aquele cantor que desafina sempre com aquela orquestra que toca mal pra burro”. Quem é que vai assistir? Tem que contemporizar, não dá pra ser tão contundente. Tanto isso é verdade que eu conheço muita gente que prefere ver a F1 no Sportv do que na Globo pra não ouvir certas coisas. As vezes eu vejo o Luciano Burti em cada saia justa, porque o Galvão [Bueno] fala umas coisas e ele sabe que não é nada daquilo que o narrador está falando e ele tenta fazer um rodeio pra não ir de frente.

 

NdG: O senhor já falou das suas primeiras experiências acompanhando corridas na Itália. E aqui, qual foi a primeira corrida que o senhor viu e como viu o nosso automobilismo da época?

 

A Globo não formou fotcedores de automobilismo. Fez a filosofia do brasileiro que ganha. queimou o Rubens Barrichello.

 

Claudio Carsughi: Aqui o que me marcou, não foi bem marcar, mas me fez achar graça foi o grande prêmio Brasil em Jacarepaguá que o Emerson foi segundo com a Coopersucar-Fittipaldi. Acabou a corrida e eu estou comentando e em certo momento o Barão [Wilson Fittipaldi] falou pra mim: “se vira”, largou o microfone e foi embora pra comemorar com os filhos (risos). Eu ri também e entendi que naquela ele não tinha como resistir. Ele era muito profissional. Em 1975, em Buenos Aires, quando o carro da equipe pegou fogo ele ficou firme, continuou a narração mesmo sem saber detalhes do ocorrido.

 

NdG: E as corridas mais antigas, de Interlagos? O senhor foi ao Circuito da Gávea?

 

Claudio Carsughi: Sim, claro. Eu também escrevia sobre automobilismo para o Corierre Dello Sport e houve uma temporada entre 1948/49, dos pilotos argentinos, que também corriam aqui. Lembro-me de uma corrida em 1948, onde Achille Varzi, italiano, e Chico Landi correram com Alfas 3008, 8 cilindros. Eram 20 voltas e os dois estavam na frente, mas depois de umas 10 voltas Chico Landi começou a abrir vantagem, abrindo quase 20 segundos até que ele teve que parar, na volta 17, para trocar pneus. Nisso Achille Varzi tomou a ponta e, sem parar, ganhou a corrida. Entrevistei-o e ele disse que o pessoal que cuidava do Carro do Chico Landi fez bobagem. Que ou se fazia a corrida com ritmo mais forte e com 15 voltas trocava pneus ou se economizava e fazia sem parar. Ele fez sem parar e ganhou a corrida. O interessante foi que fiz esta entrevista com ele em um bar, bebendo uma cerveja. Tristemente 99% das pessoas que foram a Interlagos saíram com a ideia de que tinha sido um azar de Chico Landi ter tido que parar para trocar pneus. Fui também ao Trampolim do Diabo. Era algo extremamente folclórico, porque havia carros de tudo o quanto é tipo. Havia dois ou três modelos daquela que seria alguns anos depois a F1. Chegavam Achille Varzi, Emilio e Luigi Villoresi, italianos, um ou outro argentino e eles corriam com a Alfa de três litros, a Maserati 1500. E no grid havia também umas carreteras meio de fundo de quintal, tinha Fiat 1100 transformados, velhos Ford V8. Era uma corrida muito perigosa até mesmo para a época e se você analisar nos parâmetros de hoje, seria uma loucura correr ali. Esta era a razão do apelido do circuito. Mas eram sempre coisas muito interessantes, sobretudo porque você tinha uma coisa que, com o passar do tempo, a F1 acabou perdendo: contato direto com o piloto.

 

NdG: É positivamente surpreendente saber que os italianos liam matérias feitas sobre corridas aqui no Brasil...

 

Claudio Carsughi: Sim, eles liam e o jornal me pagavam pelas matérias! (risos) Havia interesse porque o Brasil era “a grande novidade”. Não só no futebol, pela proximidade da copa do mundo, mas no geral. Um país emergente, que não era mais apenas um exportador de café, que começava a ter alguma industrialização e em seguida veio a indústria automobilística. Meu primeiro teste com um carro no Brasil foi com uma Romiseta. Um fato que foi muito questionado na Itália foi a Fiat ter demorado tanto para vir se instalar no Brasil, o que só aconteceu na segunda metade dos anos 70. Quando a DKW encerrou suas atividades, uma das montadoras consultadas para vir para o Brasil foi a Fiat e Vittorio Valetta, então superintendente da Fiat, tinha em sua filosofia de que “os carros se constroem em Torino”. Era uma visão arcaica, que quando o [Gianni] Agnelli assumiu a Fiat mudou esta filosofia. Viu que era um erro, mesmo tendo sido orientado por toda vida pelo Valetta. Assim eles se instalaram em Betim.

 

NdG: O senhor is também nas corridas onde só corriam brasileiros em Interlagos ou outros autódromos?

 

Claudio Carsughi: Sim, também acompanhava, mas essas não eram do interesse do jornal. Eu ia em função do trabalho. Assistia as corridas da Mecânica Nacional, as Mil Milhas Brasileiras, as corridas de 12 e 24 horas que nós transmitíamos pela rádio, mas o dia a dia nem tanto. Como sempre era escalado para o futebol, não ia com tal frequência no autódromo. Eu conhecia vários pilotos como Ciro Cayres, Christian Heins, Camillo Christófaro, Eu lembro quando o Camillo estreou a carretera com motor Corvette e eu fui lá no Box e tinha uma porção de gente. Ele me passou na frente dos outros e me mostrou o carro.

 

NdG: O senhor começou a acompanhar o automobilismo antes da guerra e continuou depois dela, vendo nascer a F1. No seu entender, hoje, como estudioso e expert, qual foi o impacto que o conflito armado provocou no desenvolvimento do automobilismo?

 

Claudio Carsughi:  Foi um impacto grande. Veja que os dois primeiros campeonatos mundiais foram vencidos pelos carros da Alfa Romeu que tinham sido projetados no final da década de 30. A Maserati também usou carros desta época, o 4CTL, da década de 30. Então só depois foi que começaram a surgir projetos novos, como a Ferrari, que tentou usar um motor de 1500cc com compressor e não dando certo eles optaram pelo 4,5 litros, aspirado, que foi o início da tradição dos V12. Houve esta pausa forçada para que a engenharia pudesse ter dinheiro para desenvolver novos produtos. Aqui, nós pagamos um pouco o pato disso porque os projetos que não serviam mais lá, foram jogados para cá. Por exemplo, o Simca Chambord nada mais era do que o Ford VDF do final dos anos 30. Como a industria aqui era totalmente atrasada do ponto de vista tecnológico. Os Opala, com seus motores de haste e balancim, eu brincava com o pessoal da GM dizendo que lembrava muito o Chevrolet Ramona dos anos 20.

 

NdG: O senhor é testemunha ocular de todos os passos que a indústria automobilística de competição deu. Esses passos foram todos na direção certa?

 

O auomobilismo perdeu muito com a II Guerra. No primeiro campeonato da F1 havia carros no grid da década de 30.

 

Claudio Carsughi: De uma forma geral houve um progresso. Particularmente eu sou contra esta direção extremamente restritiva que o regulamento da F1 tomou. O regulamento há algum tempo corta muito a busca por novidades. Talvez, acho eu, aquele regulamento de 1937, que tinha apenas uma restrição: peso máximo, 750 Kg. E aí se fazia o que queria e foi quando surgiram as Flechas de prata, que tiraram quase 1 Kg do carro lixando a tinta por completo para atingir o peso. Isso seria utópico hoje em dia, pois traria custos monstruosos. Mas a quantidades de restrições que se tem hoje, cria coisas como se usar um artifício como a asa móvel para se fazer uma ultrapassagem. Era um pelotão de fuzilamento. O cara que vai na frente está no muro e os que vem atrás estão atirando. Quer desafiar a habilidade de um piloto, coloca pneus de 7 polegadas na frente e 10 polegadas atrás e você vai ver quem tem habilidade ou não, quem tem braço ou não quem freia 5 metros antes ou 5 metros depois. Quando o Niki Lauda falou que com estes carros até um macaco pilota, tinha um tom de brincadeira, mas também um fundo de verdade. Claro que se tirarmos toda a eletrônica dos dias de hoje, alguns pilotos talvez tenham problemas, outros não. Além do que, com todas estas restrições o piloto não pode treinar. Como não pode treinar? Nessa hora eu faço uma comparação jocosa com o futebol: é como um time de futebol ter um CT e dizerem para o clube que o time só pode treinar uma semana um mês antes do campeonato e depois não pode treinar mais. A Ferrari tem Fiorano, tem Mugello que pertence a Fiat. Podia treinar todo dia, testar coisas novas o tempo todo, mas é obrigada a testar essas coisas no final de semana da corrida. Se alguém tem uma vantagem como teve a Mercedes que trabalhou um ano e meio no seu motor híbrido, tem uma vantagem que as outras equipes não tem como tirar. Pra mim o Jean Todt foi uma decepção completa. Eu esperava que ele como homem de Rally, como diretor da Ferrari tivesse uma visão muito mais aberta. Tanto que entendo agora a posição de Ferrari e Mercedes ameaçando os americanos da Liberty que se eles quiserem transformar a F1 numa NASCAR, até logo que nós vamos fazer outra coisa. Além disso, a busca pelo dinheiro do [Bernie] Ecclestone criou está sendo aumentada. Pra que 21 corridas num ano. A Liberty quer 25. Não precisava ter mais que 12. Hoje tem corrida em lugares sem apelo algum. Tem lugar que precisam levar as crianças das escolas para encher as arquibancadas pra dizer que tem gente e o diretor de TV tem que se virar pra não mostrar que a arquibancada está vazia. Ter uma ou outra corrida diferente, como Singapura, à noite, é uma coisa, ter várias que sentido tem? Talvez seja uma visão retrógrada, minha... mas pra mim F1 é Europa, Argentina e Brasil. O resto é resto! Você não pode deixar de correr em Silverstone, Monza, Paul Ricard, Nurburgring... são circuitos que desde que o [Herman] Tilke não mexa, sempre teremos grandes corridas. O antigo Interlagos era fantástico. Foi uma vergonha o que eles fizeram, só porque o Ecclestone tinha medo que viesse a F. Indy. Quando o dinheiro tem um peso tão grande o propósito é desvirtuado.

 

NdG: O senhor é um grande fã do Tazio Nuvolari. Daquela época para cá, o quanto “ser piloto” mudou? Como o senhor viu este processo?

 

Claudio Carsughi: Bom, primeiro o profissionalismo do entorno criou praticamente uma bola de vidro que impede o contato do piloto com o cronista e consequentemente com o público. Eu sempre conto uma historinha sobre isso. Em 1975, nós estávamos na África do Sul para fazer o GP de F! e íamos pela Varig para Johanesburgo e tinha voo na quinta-feira, na sexta, mas não tinha voo de volta no domingo, tínhamos que esperar até segunda-feira. E a corrida, por razão da religião, era no sábado. E nós ficamos no Chalet Minrangel, o mesmo onde ficavam os pilotos. Estávamos na piscina, umas nove da manhã, tinha marcado com o Barão (Wilson Fittipaldi) mas ele ficou dormindo e logo apareceu o Clay Regazzoni – Que fazia questão de ser chamado de “ClAy”, com A aberto e não a pronúncia em inglês por ser a abreviação de Gian-Claudio – que eu conhecia o pai por sua oficina em Mendrizio, no caminho para Lugano. E ficamos conversando sobre uma tese levantada pela Autosprint de que a Ferrari estava estudando uma forma de transmissão sem diferencial. Clay dizia que era ‘chute’ dos caras que ouviram falar não sei o quê, não sei aonde que aquilo não era possível. Só se tivesse um motor pra cada roda e deste assunto passamos a falar de mulher e nisso ficamos umas 3 horas batendo papo. O [Felipe] Massa é muito mais amigo do que era o Regazzoni. Eu conheço a família, me dou muito bem com todos, pai, mãe, irmão... e seria impensável eu viver uma situação dessas hoje em dia. Depois de 10 minutos chegaria alguém correndo pra tirá-lo de lá e evitasse que ele falasse alguma coisa que não fosse o “politicamente correto”. Isso quebrou aquele elo que existia e que era ainda mais intenso antes disso. Lembro uma vez que estávamos todos num daqueles hotéis antigos em Berna e na porta tinha uma portinhola que você colocava o sapato e vinha alguém, levava pra engraxar e devolvia. Pela manhã chega o [Juan Manuel] Fangio chega no restaurante de chinelos reclamando: “quem pegou meus sapatos”? E todos riam... assim era o ambiente da F1. Gente alegre, se divertindo... É verdade que o número de jornalistas cobrindo a F1 era muito menor e assim se criava uma familiaridade que permitia que fizéssemos matérias interessantes, eventualmente dar um furo, o que hoje em dia é impossível. Esse ano houve um evento destes que acontecem antes da F1 que eu fui convidado e teria a presença do Daniel Ricciardo. Fecharam ele numa sala e veio a assessora de imprensa falar comigo e outros jornalistas e perguntou se poderia ser em inglês. Eu disse que ia fazer em italiano porque eu vi em Monza ele dando entrevista para a Sky em italiano e porque eu ia colocar a entrevista em um site italiano. Ela disse que iria mandar uma mensagem para ele para ver se ele concordava. Ele respondeu concordando. Quando ele veio o enviado da Globo se precipitou e quis partir na frente. Nesta hora o promotor do evento, que me conhecia, parou-o e disse que ele esperasse que o primeiro a falar com o Ricciardo seria eu. Mas veja a dificuldade para falar com eles hoje em dia.

 

NdG: Como  o senhor disse anteriormente, depois do Farina e do Ascari não surgiu mais nenhum “piloto campeão” na Itália. Como um país com uma tradição tão grande vive uma situação dessa, de mais de seis décadas. O que acontece?

 

Claudio Carsughi: O surgimento de um esportista diferenciado é uma geração espontânea. Você pode fazer uma escola pra formar pilotos, mas se não tiver um jovem que seja diferente dos outros, você pode formar muitos pilotos bons, muito bons, ótimos, mas não aquele fora de série. Veja o tênis brasileiro, especialmente o feminino. Zero! Nada! Porem, no meio desta história teve uma Maria Ester Bueno, uma das maiores tenistas de todos os tempos. Como ela apareceu? Você pode ter cursos como esta academia da Ferrari, mas isso não cria um fora de série. Já surgiu um outro Pelé?

 

NdG: O senhor vivenciou de perto a guerra ACB x CBA por causa do Barão. Aquela geração de pilotos para quem fazemos o Projeto Nobres do Grid, não fosse isso poderia ter ido para a Europa em meados dos anos 60. Será que a história poderia ter outras linhas?

 

Claudio Carsughi: Eu lembro de alguns deles indo correr com licenças inglesas, mas havia sim uma geração de pilotos excelentes e entre eles penso que o Christian Heins, infelizmente falecido, e o Ciro Cayres eram excelentes. Depois vieram o Bird [Clemente], que é muito meu amigo até hoje, e o Luizinho [Pereira Bueno]. O Bird eu encontro de vez em quando.

 

NdG: O senhor começou a fazer transmissões de corridas pelo rádio, sem nenhum destes super recursos que existem hoje em dia. Qual era o grande desafio daqueles tempos? Tá fácil hoje?

 

Certa vez, na África do Sul, conversei por 3 horas com o Regazzoni na piscina do hotel. Hoje em dia isso é impossível.

 

Claudio Carsughi: Em relação aqueles tempos está muito fácil. Naquela época você tinha que fazer o mapa da corrida, marcar os carros e pilotos volta a volta. Além disso era você quem tinha que cronometrar e o cronômetro tinha apenas décimo de segundo. Eu me lembro quando ganhei do vice-presidente da Volkswagen um cronômetro com centésimo de segundo parecia ser uma coisa de outro mundo e hoje se usa o milésimo de segundo. Atualmente você vê que, quando para a cronometragem na tela ninguém sabe mais nada. Outra coisa que tínhamos que fazer era verificar se a transmissão ia chegar no Brasil. Em 1974, na África do Sul, fomos na estação sulafricana pra ver se a parte da técnica estava tudo ok e quando acabava uma transmissão a primeira coisa que fazíamos era ligar pra ver como tinha chegado a transmissão.  Por isso que eu não justifico determinados erros.

 

NdG: O Barão Fittipaldi disse em sua última entrevista, que foi para nós, que naquela época ele “narrava o que via e criava o que não via” O comentarista também “criava”? (risos)

 

Claudio Carsughi: (risos) Em Interlagos, por exemplo, você tinha uma bela visibilidade da pista. Inclusive, no começo, a cabine... chamar aquilo de cabine era uma coisa, mesmo para a época, era uma armação de madeira que parecia mais com um puleiro, mas que dava para olhar a pista praticamente inteira e eu fixava dois ou três pontos para tirar a diferença entre os líderes para ver se aumentava ou diminuía. Porém, em outros lugares, era complicado... e aí você ia falando alguma coisa (risos). Em Mônaco, por exemplo, não se via quase nada e ainda hoje é assim, creio eu.

 

NdG: Dos anos 80/90 para cá os carros de corrida em geral e a F1 em particular tiveram um grande avanço na área eletrônica, talvez muito maior do que na engenharia. O piloto teve que se reinventar como piloto desde então?

 

Claudio Carsughi: Bom sempre é porque é um progresso. Hoje não é possível mais se ver um motor com distribuidor. Chegou num momento, porem, que este auxílio eletrônico ficou tão importante que nivelou um pouco os pilotos. Os carros hoje tem sensores para tudo e os pilotos precisaram aprender a ler mapas com as informações destes sensores, que vão desde quando, onde e como acionar os freios até o quanto de balanço entre os freios traseiros e dianteiros deve ser colocado em cada curva. Veja o volante de hoje a quantidade de comandos que existem neles e como eram há 10 ou 20 anos atrás. O interessante é ver muitas destas coisas chegarem aos nossos automóveis, coisas que permitem dar maior segurança para quem tem um carro mais potente e não tem tanta habilidade. Muitos carros tem a seleção do ESP e o motorista pode usar ou não.

 

NdG: Nos anos 70/80 a F1 mudou pelas mãos de Bernie Ecclestone, tornou-se mais profissional, mais organizada. E desde 2017 começou um processo de novas mudanças com a chegada do Grupo Liberty Media. Como o senhor vê as perspectivas destas mudanças e o papel da FIA neste processo?

 

Claudio Carsughi: Eu vejo de uma forma positiva, mas com certo temor. Para mim, aquele que deveria ser o ‘fiel da balança’ neste processo, que seria a FIA e Jean Todt, eu não o vejo muito neste papel. Vejo-o muito engajado nesta questão de “redução de custos”, que na verdade não é redução de custos porque, na verdade, o que você gasta com simuladores que precisam estar sempre sendo atualizados. Túnel de vento, que há 10 anos a Sauber fez um de última geração e que hoje está obsoleto. O investimento em pesquisa que um fabricante de óleo despende para produzir um óleo que seja capaz de lubrificar as partes móveis do motor com menor resistência para ganhar 1% de potencia... eu confio no Ross Brawn, um engenheiro competente que agora é um dos dirigentes da Liberty na F1 para acabar com esta burrice de fazer um carro pagar uma punição de 40 posições, quando quem deveria ser penalizada seria a equipe, não o piloto, tirando dela pontos no campeonato de construtores, o que vai influir na classificação final do campeonato e consequentemente na fatia do bolo da premiação. O piloto não pode ser culpado e penalizado, tão pouco o espetáculo, o espectador no autódromo ou em casa. Eu tenho esperança, porque como Bernie não ia ter mudança alguma. Ele só queria o faturamento, o dinheiro. Tem umas coisas que os americanos fazem que eu acho interessante. Aquele episódio com o torcedor mirim do Raikkonen, que levaram o menino para encontrar o ídolo, aquilo foi muito bem bolado, mas eles estão olhando muito para o sucesso da NASCAR e ali é algo feito nos Estados Unidos para os americanos. O resto do mundo pensa diferente. Não dá pra transformar a F1 numa coisa padronizada. Vai fazer o que? O mesmo motor pra todo mundo, um chassi Dallara igual pra todo mundo e aí?

 

NdG: Nos anos 70 o chassi não era o mesmo, mas o motor e o câmbio, raras exceções, era o mesmo para todos...

 

Claudio Carsughi: Sim, era, o Motor Cosworth e o câmbio Hewland, exceção à Ferrari e um ou outro que apareceu depois, mas era uma contingência por que não existiam outros e com a vantagem de serem confiáveis e razoavelmente baratos. Este é o ponto que me deixa com um pé atrás. Tomara que não seja assim e que as coisas deem certo.

 

NdG: O senhor cuidava dos testes na Revista Quatro Rodas e mencionou que a indústria automotiva que se instalou no país era tecnologicamente defasada. Neste meio o senhor teve contato com brilhantes mentes como Anísio Campos, João do Amaral Gurgel, Rino Malzoni, Luc de Ferran, Rigoberto Soler e outros que tentaram criar uma indústria automobilística brasileira. Eles foram sabotados? Nós poderíamos ser uma Coréia, donos de uma Kia ou uma Hyundai?

 

Claudio Carsughi: Quando o Juscelino [Kubitscheck] incentivou a indústria automobilística estrangeira a vir se instalar no Brasil, que falava daquele projeto de 50 anos em 5, ele começou a sofrer pressões. Por exemplo: a Romiseta acabou por pressão da Volkswagen, que não queria ter um concorrente abaixo do preço do fusca e aquele era um modelo de carro urbano que, se lançado hoje, daria certo. Houve uma certa barreira à entrada de novidades. Em outras áreas também foi assim. Nós perdemos uma década com aquele bloqueio que não aceitava eletrônicos no país. A Volkswagen teve que fazer malabarismos para lançar o Gol GTI, com uma parte analógica, uma parte digital para lançar um carro esportivo um pouco menos desatualizado. Empecilhos realmente existiram e era tudo uma questão de quem podia mais e quem podia menos, de interesses financeiros e reserva de mercado. Se houvesse uma liberdade para atuação e estruturação talvez pudesse surgir alguma coisa. O [João do Amaral] Gurgel tinha ideias claras daquilo que ele queria, só que ele não conseguia levar adiante. Como fazer para ter um motor? Ele chegou a comprar uma fábrica velha da Citroen pra tentar fazer um motor se os industriais brasileiros tivessem o mesmo apoio que teve o álcool, uma joint venture com japoneses... alguma coisa.

 

NdG: Podemos passar para algo com menos rodas? O senhor acompanha a MotoGP?

 

Claudio Carsughi: Ô! É sensacional! Trás uma emoção que a F1 está longe de dar. No momento que você tem 5 ou 6 num espaço tão pequeno, que tem corrida decidida na última curva da última volta, fora o controle de equilíbrio que é simplesmente fantástico, assim como são as quedas. Você viu na última corrida o que o [Marc] Marquez fez? O que ele fez é contra as leis da física. Ele é um fora de série, claro, que temos que olhar um todo. O [Andrea] Dovisioso, aos 30 anos, é um piloto excelente, a Ducati fez uma grande recuperação, mas não é um fora de série. Este ano, inclusive, ele era o segundo piloto. Gastaram uma fortuna pra trazer o [Jorge] Lorenzo e este ficou devendo, pelas corridas com chuva, que ele normalmente vai mal e por ser a Ducati uma moto difícil. O Valentino Rossi, com todo o talento que tem, não se deu bem quando passou por lá.

 

NdG: Tem explicação para algo como o Valentino, com quase 40 anos, continuar com este nível de performance?

 

Claudio Carsughi: Este é um fora de série. Ele ainda consegue se manter competitivo correndo contra pilotos com idade de ser filhos dele é algo que não se vê. Logicamente que com a idade você perde um pouco de reflexo e comete erros que antes não cometia. Mas ainda assim ele não só consegue andar entre os primeiros como a DORNA, promotora da MotoGP faz de tudo para mantê-lo correndo por que ele é uma atração.

 

NdG: O senhor tocou num ponto interessante. Porque e como a DORNA consegue fazer o público ter cada vez mais interesse e a gestão da F1, FIA, FOM, Bernie Ecclestone, não conseguiam fazer o mesmo?

 

Claudio Carsughi: Acho que os caras da DORNA são mais inteligentes (risos). Eles descobriram a forma de fazer o espetáculo ser cada vez mais interessante e foram aprimorando isso ano a ano. Se a F1 tivesse feito com o [Michael] Schumacher o que a DORNA fez e faz com o [Valentino] Rossi, talvez houvesse algo no mesmo sentido, se com tanto sucesso ou não, não saberemos.

 

NdG: A Fórmula E empolga o senhor?

 

Se a F1 tivesse feito com o Schumacher o que a DORNA faz com o Rossi, a F1 seria mais popular. A DORNA faz a coisa certa.

 

Claudio Carsughi: (depois de alguns segundos em silêncio...) Empolga, não. Agrada-me a ideia de você trazer carros de corrida para o centro das grandes cidades. Nesta temporada eles farão a corrida em Roma e passarão perto do Coliseu. É interessante, chamativo, mas empolgar... primeiro não tem barulho (risos) Fora do motociclismo é o V12, turbo ou não. Eu acho interessante a Fórmula E por ser um campo de experimentação de diversas coisas a começar pela melhoria da autonomia das baterias que impactará numa redução de custos e que tem uma atuação no que poderá vir a ser os carros daqui há algum tempo. Isso é interessante. Acho que deviam ter separado completamente a F1 da Fórmula E. Fazia da Fórmula é este laboratório de novas ideias e deixava a F1 com seus motores aspirados. Tem que deixar de lado este discurso de “estamos contribuindo contra a poluição”. Qualquer caminhão desregulado na Marginal (Avenidas de São Paulo às margens dos rios Pinheiros e Tietê) polui mais que um GP de F1 inteiro.

 

NdG: Falando m poluição nas cidades, o senhor leu ou ouviu sobre a legislação que estão querendo aprovar na Europa, especificamente na Alemanha, para pararem de fabricar em 2030 carros com motor de combustão interna e eles deixarem de circular em 2050? Isso pode afetar o esporte a motor?

 

Claudio Carsughi: Não. Primeiro eu acho que em tudo isso tem uma boa parte de demagogia política. Você veja que quando o prefeito de Paris diz “eu vou fechar o centro da cidade e não permitirei que carros a Diesel circulem no centro da cidade”, que ouvimos discursos semelhantes em Londres e Munique, é uma forma mais ou menos fácil de se fazer demagogia política. Porque, até mesmo o carro elétrico, é preciso ver como se produz esta eletricidade. Painel solar no teto? Mas se você tem uma produção de eletricidade que polui, qual é o sentido? Hoje em dia se fez tamanho progresso na manutenção e na redução da emissão de poluentes que, por exemplo, na Euro 6, os motores Diesel que tem um consumo por Km rodado tão alto e um volume de resíduos tão baixo que a equação começa a ser bem interessante. Mesmo motores a gasolina chega-se a 93 ou 94 gramas de CO2 por litro. Acho que é um pouco cedo demais para se dizer que é proibido. Me lembra um pouco o começo do automóvel na Grã Bretanha em que era obrigatório ir uma pessoa na frente do carro com uma bandeira vermelha dando sinal de que vinha um automóvel atrás dele.

 

NdG: Com toda essa trajetória de vida, o senhor acha que deixou de fazer alguma coisa ou teria algo que o senhor gostaria de ter feito e não conseguiu?

 

Claudio Carsughi: Não... tem uma coisa que eu gostaria de ter sido... que era ser um engenheiro projetista de motores. Se você consegue fazer aquilo que gosta tem que buscar isso. Eu me sinto realizado por, aos 85 anos, continuar trabalhando e fazendo aquilo que gosto. A única coisa que temo, mas não estarei vivo pra ver e que considero alguma ameaça é o carro autônomo, que por si toma suas decisões. Porque eu digo isso? Eu não gosto de câmbio automático. Mesmo com toda essa parafernália eletrônica dos carros de hoje, se eu estou guiando e estou em 5ª marcha e numa emergência qualquer eu quero reduzir para uma 2ª no ‘paddle shift’ e aparece um aviso: “manobra não permitida”?!?! Não permitida um catzo! Eu quero e eu não posso fazer? Eu quero eu decidir. Não quero me submeter a um processador que é burro, que só sabe contar zero e um do cálculo binário. Quero poder agir quando e se for preciso. Isso já me incomoda e se aparecer um carro que guie por você, se for para fazer isso eu vou de taxi. Um dos últimos carro que testei foi o Civic com câmbio de 6 marchas. Eu achei maravilhoso. Era o modelo de entrada e eu disse que aquele câmbio devia se colocado no ‘top’, com motor turbo. Um engate preciso, seco, que dá possibilidade de você fazer o que quer com o carro. O câmbio automático pode ser mais confortável pra se andar na cidade, mesmo que gaste mais, porque gasta e não adiante colocar um monte de tabelas dizendo o contrário ou que o consumo é o mesmo. Tem uns carros que você está parado no sinal e o carro do lado está com o motor acelerado que é para acumular energia que depois, lá na frente você vai gastar quando pisar no freio. É gastar duas vezes, uma burrice.

 

NdG: Algum arrependimento?

 

Claudio Carsughi: Não.

 

NdG: Além daquele conselho para desistirem da profissão, o senhor teria um conselho para aqueles que insistissem em ser jornalistas?

 

Claudio Carsughi: Não. Inclusive porque tem aquele velho ditado de que, se conselho fosse bom, se vendia e não se dava (risos).


Last Updated ( Wednesday, 10 January 2018 11:20 )