Frente a Frente: Waldner Bernardo (2ª Parte) Print
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Friday, 07 June 2019 20:09

Leia a 1ª parte

 

NdG: O senhor falou no início sobre o trabalho em Tarumã. Em 2016 nós conversamos longamente com o então administrador do autódromo, Sr. Marcio Pimentel, e ele revelou seu temos sobre o futuro do autódromo. Recentemente entrevistamos o Luis Ernesto Morales, da sua diretoria, onde está em curso o projeto de enquadramento dos autódromos nos padrões FIA. Como está sendo este trabalho com Tarumã?

 

 

Temos hoje na Comissão Nacionao de Autódromo o Luis Ernesto Morales, do quadro da FIA, precisamos adequar nossos autódromos. 

 

Waldner Bernardo: Nessa pergunta é preciso contextualizar algumas situações: em 2017, quando assumimos a CBA, em março, todos os calendários haviam sido enviados no final do ano anterior para aprovação. Até março, estavam todos os calendários, regulamentos, tudo homologado. A gente não podia mudar as coisas que já tinham sido aprovadas, refazer regulamento, dizer que tal autódromo não pode receber corrida. O Luis Ernesto [Morales] é uma das pessoas mais capacitadas a nível de Brasil para estar ocupando a posição que está. Engenheiro extremamente conceituado, faz parte do quadro da FIA, é o engenheiro do GP Brasil de F1 há anos e é o profissional com total noção técnica e que está sempre se atualizando para dizer o eu é preciso ser feito em cada pista. E ele fez um trabalho a fundo em todos os autódromos homologados pela CBA. Em 2017, foram feitos alguns ajustes em alguns autódromos, Tarumã, inclusive, e foram várias, no Velopark, em Curvelo, em Londrina... e a partir daí eu posso responder qualquer pergunta sobre autódromos. Curvelo, por exemplo, foi feita uma alteração grande, encurtaram a pista, tiraram um ponto crítico que havia, e os problemas que foram diagnosticados em cada uma das pistas visitadas. Foram feitos relatórios de todos os autódromos do Brasil e estes autódromos foram entregues a todos os administradores para, que no ano de 2018, estes autódromo estivessem dentro do que estava nos respectivos relatórios e avisamos: só vai ter corrida se os autódromos estiverem dentro das especificações. Quem foi a Cascavel recentemente viu que o autódromo passou por um processo de reconstrução, procurando ao máximo preservar os traçados, foi refeita a chicane da curva do café em Interlagos, tudo seguindo os dispositivos de segurança. Estes dispositivos vão desde aquilo que o carro utiliza até o que a pista tem a oferecer. Tudo calculado, levando em conta velocidade do carro, quantidade de carros correndo, construção dos carros... se alguém pergunta, porque a Endurance pode correr em Tarumã e a Stock Car não pode? Mesmo com mais carros no grid, há um espaçamento técnico entre eles que na Stock, com 30 carros, praticamente virando no mesmo segundo, o risco de contato é muito maior. Além de que a probabilidade de acidentes em uma corrida de “tiro curto” é muito maior do que numa corrida de longa duração. Existe todo um contexto. Não é chegar e dizer “pode” ou “não pode”. É preciso entender que existe um estudo, um contexto e uma lógica. A própria FIA tem homologações pra F!, outras para o WEC e outras para categorias distintas. Não estamos criando a roda. Estamos copiando um modelo existente e eficaz. E mesmo assim somos surpreendidos com algum tipo de acidente em um ponto que se achav que um padrão de segurança era necessário e que se redobra, se muda, é uma eterna evolução porque os equipamentos evoluem e os autódromos, não só no Brasil, também pelo mundo, não seguem as mesmas evoluções que ocorrem nos equipamentos e que as categorias precisam. Quantos autódromos lendários da F1 não podem mais receber a categoria? Vários. Muitos por questões financeiras, por não terem como modernizar as estruturas. Vamos ao porque de não ter tido a Stock Car em Tarumã no ano passado. Baseado nisso, eu solicitei as federações, em assembleia, no final do ano passado, que para 2020, a nossa gestão passe o comando da entidade para o próximo presidente tomasse posse logo em seguida à eleição, que seria no início de janeiro. Isso vai dar condição ao próximo presidente de tomar as medidas necessárias, antes de se ter tudo decidido, para que as coisas funcionem conforme seu modelo de gestão. Voltando a Tarumã, nós tivemos um aporte financeiro pequeno para se alterar a chicane, assim como em outros autódromos e o trabalho de adequar os autódromos, não apenas Tarumã, mas todos eles está sendo feito. Tem cadernos de encargos para todos os autódromos do nordeste. O que falta é o recurso. Em 2018 nos tentamos viabilizar, trabalhando junto com a federação local, Estivemos em Tarumã junto como o diretor da VICAR na época, o Rodrigo Mathias, tentamos viabilizar os recursos para as obras necessárias e tentamos ao máximo. As pessoas não acreditavam que iríamos dizer que não haveria Stock Car em Tarumã, mas dissemos... e não teve. Como eu justificaria todos os autódromos que fizeram as obras dos seus cadernos de encargos e, em cima da hora, eu autorizasse a corrida em Tarumã? Não foi falta de vontade ou esforço do Marcio [Pimentel], ele é extremamente suscetível a tudo que é pedido, ele faz eventos que garantem a sobrevivência da pista como ela está, mas tem uma série de situações que não chegam a tona que ele entende. Ele sabe que é necessário, que ele quer fazer nós sabemos, mas ele não tinha os recursos. Houve um grande esforço promotor do evento, CBA e federação local para que tivéssemos a etapa. Não coseguimos. Para 2019, teríamos a Truck e a Stock correndo lá e a CBA faria um adiantamento de caixa, um aporte para a execução das obras. Não conseguimos chega a uma equação ideal, porque são “n” variáveis , mas também tem o lado dele, de ficar com o autódromo 60 dias parado e sem render caixa para a manutenção e depois da reforma não vai mais poder usar o “VHT” (Nota dos NdG: VHT é um produto aplicado no asfalto para aumentar a aderência em provas de arrancada, mas que, estando na pista e se for molhado, tira completamente a aderência do asfalto, que o, na época, administrador de Tarumã nega fazer uso), e uma das coisas observadas foi a falta de grip na reta, algo que pode ser causado pelo próprio emborrachamento das arrancadas. Ela conta do calendário deste ano para o final do ano, e quem sabe, conseguimos viabilizar as obras necessárias e ter a prova.

 

NdG: Foi este caderno que tirou Guaporé do calendário da Copa Truck este ano?

 

Waldner Bernardo: Não. Como funciona? Os promotores enviam os calendários para a CBA, que passam pela comissão nacional de velocidade, que analisa o ponto de vista de regulamentos técnicos e desportivos, à luz do CTDN, e em conjunto com a comissão nacional de circuitos que diz se este circuito está apto a receber o evento ou não. O calendário recebido não incluía Guaporé, que teve etapa no ano anterior, com algumas limitações, mas não houve veto. Mas haveriam coisas a serem condicionadas para acontecer a corrida. Exemplo: se eles colocassem Caruaru no calendário, a comissão nacional de circuitos apresentaria uma lista de solicitações para que a prova pudesse acontecer. Hoje, os dois circuitos do nordeste, três se incluirmos o da Paraíba, foram visitados e foram apresentados a cada um deles um caderno de obras de adequação, as federações e os administradores tem ciência disso. Os proprietários, dois públicos e um privado, tem ciência do que tem que fazer para adequar estes circuitos. A própria Truck tinha interesse em ter corridas no nordeste este ano, chegou a cogitar isso, mas para marcar e ainda ficar na dependência, seria uma coisa mais complexa. Não é simplesmente dizer que “vai ter” ou “não vai ter”, são análises técnicas.

 

NdG: No caso específico da região nordeste, como estão sendo tratadas estas questões referentes aos autódromos de Caruaru e Eusébio junto ao poder público?

 

Waldner Bernardo: Eu estive em uma única reunião, a primeira delas, junto com o presidente da federação pernambucana em Caruaru. Acho que cada situação desta, cada questionamento, tem que ser dirigido ao presidente da federação. O fato de eu ser pernambucano e natural de Caruaru, não faz com que eu tenha com a FPEA um tratamento diferente das demais, pelo contrário, muitas vezes eu estou mais próximo em outros assuntos com outras federações.

 

NdG: No caso específico de Caruaru, eles sabendo que o presidente é natural de lá, isso não tem nenhuma influência?

 

 O que Caruaru capta e arrecada no São João, em 30 dias, arrecadava em um final de semana de F. Truck. É um grande negócio.

 

Waldner Bernardo: Não vejo por este lado. Eu tive contatos com a prefeita, conversamos, existe a intenção de se fazer, mas isso passa pelo poder público entender e enxergar o que a prefeitura de São Paulo faz com a F1. Eles enxergam a F1 como o grande negócio que ela é. Estamos falando do maior evento esportivo do Brasil, um dos maiores eventos do calendário da cidade, tem também a “parada gay” que traz para cidade muita receita como evento, gerando emprego, ocupando hotéis e restaurantes, aumentando a arrecadação de impostos e os números da F1 neste aspecto são impressionantes. É um enorme retorno e a prefeitura de lá enxerga desta forma. Os nossos governantes precisam enxergar o automobilismo nacional, porque temos hoje categorias como a Truck e a Stock Car que chegam em Santa Cruz do Sul, Cascavel, Caruaru, impactando esses números. Para fazer um parâmetro, todos sabem que o São João de Caruaru é um dos maiores ou o maior do Brasil e o quanto ele é impactante em termos de números. São 30 dias de festa. Se pegarmos o impacto deste mês de festa do São João em Caruaru e dividirmos por 30, a Fórmula Truck, no seu auge, tinha um impacto maior. É uma festa centenária comparada com uma corrida, então quando se pega um valor de 10 a 12 milhões, o que custaria uma reforma completa no autódromo de Caruaru, é o que a prefeitura capta para fazer um São João. Só que uma reforma dessas vai habilitar o autódromo por pelo menos 5 ou 6 anos, porque o que vem depois são manutenções. E você começa a colocar este equipamento em um cenário nacional, habilitando-o a receber 3 ou 4 categorias nacionais. Quanto isso não seria importante economicamente para esta cidade? É preciso que o poder público enxergue o automobilismo como um negócio, e não como eu já escutei muito, “brincadeira de rico”. “Esporte pra rico”. As pessoas não veem quantas pessoas não estão empregadas em uma equipe. Elas só veem o piloto. Quantos não vivem daquele piloto daquela equipe que está ali? Se ele está pagando a conta do bolso ou de algum patrocínio que conseguiu, é mérito dele, que é bem sucedido empresarialmente ou apresentou um projeto e que convenceu alguém a associar sua marca e patrociná-lo. Quantos e quantos pilotos a gente não tem no mundo que pagam suas contas e pagam o salário de pessoas que trabalham para ele? A gente vê na F1, na Stock Car, aquelas equipes que não tem como brigar pelo pódio, que não tem como vencer, mas que tem empresas que continuam investindo nelas porque o relacionamento porque a imagem traz um retorno? Eu escutei de empresários nacionais que patrocinam equipes medianas da Stock Car, que não frequentavam o pódio, mas que tinham, propiciavam, um excelente “networking” nas corridas gerando negócios nas corridas. Essa é a visão que o poder público precisa ter, esquecendo o lado esportivo. Toda cidade tem hoje carência de recursos para educação, saúde, segurança, transporte... de uma série de necessidades e não é preciso tirar o dinheiro dessas áreas. Precisa de um amparo político. É um deputado pegar o projeto, colocar embaixo do braço e ir brigar em Brasília, mostrando que o investimento vai dar um retorno para a cidade dele, para o estado. Faça uma pesquisa e veja o quanto de dinheiro tem liberado para se fazer eventos de diversas áreas através de emendas parlamentares e porque não se faz uma para se beneficiar um aparelho que vai dar retorno para a região? É justificável! Qualquer cidade que tenha um equipamento destes o investimento é justificável porque ele retorna. Um estudo que eu tive acesso, na F1 para cada dólar investido havia um retorno de 2,45 dólares voltava para a cidade de São Paulo. As pessoas que trabalham, que ganham um extra no evento, gastam esse dinheiro em São Paulo. Hotel, restaurante, locação de carros, comércio de uma forma geral, tudo isso gera receita para a cidade, fora a imagem que se vende. Todo mundo vê, por quase uma semana, a cidade na televisão, na internet...  e isso desperta vontade se conhecer aquele lugar, a F1 alavancou o turismo nos emirados árabes. Quem não tem vontade de ir naquele hotel maravilhoso que fica em cima da pista? O contexto do automobilismo nacional, regional e estadual, como gerador de emprego, de imagem e de renda é o que o gestor público precisa perceber. A conta não é: “vou gastar milhões para 20 ou 30 pilotos se divertirem”, o que não é o caso da prefeita de Caruaru, ela quer fazer, mas tem muitas outras áreas que precisam ser atendidas. O presidente da CBA é como o prefeito da cidade e como o diretor de provas numa corrida. Todo mundo pensa que ele faz tudo, quando na verdade são os comissários desportivos e, no caso da prefeitura, os vereadores, quem mais fazem e eles só executam e o presidente da CBA tem suas limitações, ele não pode tudo. Mas se você tem a vontade, encabeça projetos, ações e leva adiante, a coisa funciona.

 

NdG: além dos autódromos públicos há também um autódromo privado na região, na Paraíba. Respeitamos muito a iniciativa do proprietário, Sr. Fernando Monteiro, mas o autódromo não é homologado nacionalmente. O que a CBA pode fazer para termos mais este autódromo?

 

Waldner Bernardo: Realmente, o autódromo da Paraíba não tem a homologação nacional, mas existem níveis de homologação. Temos a FIA e os níveis de homologação para provas internacionais, temos a CBA, onde temos a homologação para provas nacionais e dentro da CBA um autódromo pode ter homologação para receber todas as categorias ou não poder receber algumas, como faz a FIA e temos as federações estaduais, que podem homologar autódromos para suas competições como fazem a FIA e a CBA. As federações estaduais tem os mesmos poderes, com das entidades acima dela, dentro de seu limite territorial. Não podemos compara a Palio Cup, uma categoria aqui do nordeste com carros 1000, que custa 15 mil reais a temporada completa, com 6 datas, com rodadas duplas, que atende desde o piloto que sai do kart e não tem condições de ir para uma categoria nacional, mas quer continuar correndo e é uma categoria que ensina. É uma ótima categoria, com corridas em Pernambuco e na Paraíba. O autódromo de lá tem dificuldades, mas uma categoria como essa pode correr lá porque a estrutura que existe lá atende a categoria. Assim como atende o marcas e pilotos. É uma autoridade do presidente de federação. As pessoas pensam que a CBA é o “sherife do mundo”, que quando acontece uma coisa num evento estadual, logo falam: “A CBA não faz nada!” As pessoas não entendem que existem autoridades desportivas estaduais. A CBA cuida do automobilismo nacional, dos estaduais, cuidam as respectivas federações e a FIA do automobilismo mundial.

 

NdG: Há algumas semanas nós tivemos a repetição de um fato lamentável em um evento em Santa Catarina, que é disputado na praia. A FAUESC, que organiza este evento, teve como presidentes em cada um dos ocorridos, pessoas diferentes com posições políticas diferentes. Como a CBA tem se posicionado em relação ao ocorrido?

 

 As federações tem autonomia para realizar seus eventos, mas junto com esta autonomia tem a responsabilidade. 

 

Waldner Bernardo: Desde quando aconteceu este último acidente eu venho mantendo contato com o presidente da federação e ele me manteve sempre informado sobre tudo o que ocorreu. Num primeiro momento, o que mais importa é a integridade física da pessoa. Do piloto. Posteriormente o que se faz é se proceder a investigação para identificar quais foram as falhas, o que aconteceu de errado e quem errou. O que eu recebi de informação foi que o piloto teve que fazer uma cirurgia para descomprimir uma vértebra, que em um primeiro momento havia um boato de que ele estaria paraplégico e até tinha morrido, o que felizmente, não foi o caso. Como todo trauma, existem os tempos de avaliação efetiva de um quadro para se avaliar o quadro completo e verificar se haverá sequelas e em que grau e se houve (Nota dos NdG: o piloto acidentado está em casa, fazendo tratamento de reabilitação para tentar buscar ter sua condição locomotora reestabelecida). O que se viu foi que o socorro foi rápido e eficiente. Quanto a parte da federação, ela tem autonomia para realizar o evento, pode ser até questionada pela CBA, mas é uma prova estadual e é da alçada da federação. O que é importante é que as federações trabalhem junto com a CBA e eu venho conversando com ele (Nota dos NdG: João Alfredo de Novaes é o presidente da FAUESC) para que as falhas sejam compreendidas e corrigidas. Não tem que se crucificar ninguém ou santificar ninguém. O que precisamos sempre é corrigir falhas.

 

NdG: Nesse aspecto de correção, melhoria e progresso, a CBA tem feito o que na formação e aperfeiçoamento de diretores de prova e comissários, que frequentemente são alvos de queixas?

 

Waldner Bernardo: Nesta nossa entrevista falei sobre o papel do presidente da CBA e até onde ele pode chegar. Existe a questão do inconsciente coletivo sobre um erro absurdo do que cada um faz dentro de uma corrida. As pessoas veem no diretor de prova a pessoa que manda em tudo e que faz tudo e isso não é só no Brasil, é mundial. A gente vê em transmissões de corrida os narradores e comentaristas falando que o diretor de prova fez ou deixou de fazer isso ou aquilo, e não é assim. Há uma hierarquia numa corrida, onde o diretor de prova é o executivo e ele pode dar uma bandeira vermelha, ele avalia, ele conduz uma prova, mas todas as punições vem dos comissários desportivos (ou técnicos, se for o caso de uma inspeção). SE um equipamento tiver que ter 10 Kg, se ele tiver um grama a mais ou a menos, ele está fora. Se for “até 10 Kg”, o limite é 10 Kg. Se for com uma margem de 0,1 Kg, para mais ou para menos de 10 Kg, tem-se uma margem de tolerância, mas 10,02, está fora! Não é ser mais ou menos rigoroso. Existe um regulamento e a parte técnica é como a matemática: ela é mais precisa e perfeita no sentido de se poder mensurar tudo o que se tem de parâmetros. Quando se vai para o âmbito desportivo, ele é interpretativo. É importante que as pessoas entendam, que os pilotos entendam, quem trabalha com automobilismo entenda, que é importante saber e entender como as coisas funcionam. Ninguém entra (ou deveria entrar) num jogo sem saber as regras, sem saber como as coisas funcionam. A verdade é que a grande maioria dos pilotos não lê regulamento. Se fizer uma enquete sobre isso, são poucos os que leem. Quando eu era comissário desportivo, um piloto que sempre levantava a Mao e falava com muita propriedade era o Cacá Bueno e eu acho muito bom quando o piloto tem o entendimento, que ele questiona algo, mostra no texto e contesta. Infelizmente, no briefing, a maioria está no celular. A ideia de se trazer um representante dos pilotos para dentro da CBA, como é o caso do Felipe Giaffone, uma pessoa que tem a experiência de ser um comissário FIA, que vai a congressos, que traz experiências do que acontece fora do Brasil. A roda já foi inventada, agora a gente aprimora. Tudo que a CBA tem feito são coisas que acontecem e que a gente está trazendo para fazer aqui. Quando se coloca numa sala pilotos, comissários, donos e chefes de equipe, além da imprensa, como fizemos no ano passado, se passamos uma imagem de uma ocorrência e colocamos 20 pessoas para analisar, vamos ter umas 10 interpretações diferentes, com certeza. Da exclusão ao “incidente de corrida”. Por isso é que precisamos preparar muito bem nossos comissários desportivos, dando a eles condições, como uma imagem de TV de grande resolução, que facilite o julgamento, sem imagem, como julgar. Quando eu era comissário, exigi o uso das GoPro para que fossem ferramentas de análise e muitos pilotos usam em várias categorias para se resguardar. Nem sempre o relato do fiscal de pista é preciso. A mente humana te engana. As vezes o bandeirinha fala uma coisa no rádio e 30 segundos depois ele já está analisando de forma diferente. A cobrança deve começar por propiciar condições de trabalho para os comissários trabalharem, que é algo que vem evoluindo, mas não é o ideal, ainda. Não temos condição que dê 100% de imagens que permitam um julgamento totalmente preciso. Um exemplo: uma largada lançada em Interlagos, dependendo do tamanho do grid, no ponto para dar a largada para a primeira fila ainda tem carro contornando a curva. Como apontar se alguém “queimou” a largada, pelo ângulo que o carro está. Quando se explica isso num briefing, não é para se justificar ou prejudicar ninguém. Todos querem ter o julgamento mais justo possível, mas não é fácil essa parte desportiva. Olha o VAR no futebol. O “árbitro de vídeo” dá um “grito” no ouvido do juiz, ele para o jogo e vai lá ver as imagens. Você vai parar uma corrida? A corrida você não para! É uma dinâmica diferente, outro grau de dificuldade. Então, este trabalho que vem sendo feito serve também para que as pessoas entendam como funciona, ajudar na evolução. Quando você tem uma reclamação, vai na secretaria de prova e faz um documento, remete aos comissários que vão avaliar as imagens. Muitas vezes essa análise só é feita após a corrida, porque não tem como parar a corrida. Um competidor tira o outro da corrida. Não tem como colocar o cara de volta, na mesma posição. O que ocorreu vai ser analisado, podendo o outro piloto ser punido ou não e ainda tem o recurso em tribunal. Existem recursos, efeitos suspensivos, um monte de coisas que vão para a justiça desportiva e essa não é nem CBA, é fora do automobilismo. Este é outro problema. O código de justiça desportiva ele fala em jogo, partida... é feito para o futebol. Ele não é feito para uma natação, um atletismo ou o automobilismo. As vezes está lá: pena mínima, de 1 a 3 jogos. Se você suspende um jogador, tem um reserva pra colocar no lugar. Se você suspende um piloto, faz o que com ele? Aí tem que aquela é a pena mínima e não existe uma alternativa. É um absurdo, mas é a lei. Aquela ação que foi feita no final do ano passado na etapa da stock car que vocês da imprensa participaram é pra que se evolua. Quanto menos erros acontecerem, melhor. Mas não dá pra comparar com um esporte que tem 17 regras, que passa todos os dias na televisão e que, quem assiste, vai ter uma compreensão melhor. Corrida até pra ser transmitida tá complicado. A ideia é evoluir. Quando um árbitro de jogo não aparece, é porque dizem que ele apitou bem. Se uma corrida acontece e não tem atuação dos comissários ou do diretor de prova, tudo correu bem. Só que as vezes eles são criticados sem ter, efetivamente, culpa. Essa ideia nossa de usar as filmagens dos briefings, das equipes técnicas e desportivas, vem justamente para dar essa transparência, essa clareza e mostrar que nem sempre os comissários erram. O [Alfredo] Tambucci veio com essa nova proposta de fazermos workshops, de trazer gente nova, de revelar talentos nas federações, renovar quadros porque ninguém é eterno. E antes da gente morrer, as coisas mudam. Eu estou presidente da CBA hoje. Posso não estar mais daqui há dois anos. Tem uma eleição antes, o mandato acaba. Nós temos que fazer ações positivas, duradouras, que tragam benefícios, e não ações apenas pontuais.

 

NdG: Nesse projeto de aprimoramento, tem como fazer isso de preparação e aprimoramento para “cartola”? Preparar melhor pessoas para serem efetivamente e futuramente presidentes de federação e da CBA melhores do que hoje?

 

Waldner Bernardo: No início da nossa conversa vocês tocaram num ponto que traz bem isso. Muitas vezes é visível que a pessoa tem muita dificuldade para gerenciar uma coisa e termina ele sendo criticado, mal visto. Como em todas as coisas, existem casos e casos. Pessoas que são melhores, outras não tão boas, pessoas mais simpáticas e acessíveis, outras não, mas eu não faço juízo de valor, eu falo de mim. Se me criticam ou me elogiam, se vou precisar me defender de alguma coisa ou não, o que mais prejudica o esporte, a meu ver, como um todo, são as perpetuações. Quando falo de oxigenação, também falo em mandatos com início e fim. Ter presidente de clube, de federação, com 30 anos de mandatos e reeleições isso eu não vejo como uma coisa boa. A CBA evoluiu nesse aspecto, temos apenas dois mandatos, muitas federações copiaram isso, porque as coisas precisam ter começo, meio e fim. Uma vez que isso ocorra nas federações, um processo de renovação, isso já traria essa oxigenação de mentalidades, essa mudança que pode ser benéfica em todos os sentidos.

 

NdG: Essa oxigenação extrapola fronteiras? Tivemos a colocação do Felipe Massa como presidente da Comissão de Kart da FIA. Isso teve algum planejamento estratégico?

 

Waldner Bernardo: Não tivemos só o Felipe [Massa] em postos chaves na FIA. Na CIK também conseguimos colocar também o Giovanni [Guerra], o Luis Ernesto Morales está na comissão de autódromos, o Dr. Dino Altmann vice-presidente na comissão médica, o Dorival [Carlucci] na comissão anti dopagem, o Felipe Giaffone na comissão de caminhões e de pilotos, o Maurício Slaviero está na comissão de competição com carros elétricos e ele como mora hoje na Europa, pode estar presente em todas as reuniões, além de entender muito de gestão. Nós temos hoje, uma representatividade efetiva dentro da FIA em diversas áreas e de grande relevância.

 

NdG: Essa pergunta veio do quadro feminino do NdG: o que faz, quem é, qual o conhecimento na área e porque está em duas comissões a Fabiana Ecclestone, atual esposa de Bernie Ecclestone?

 

 Fizemos um trabalho muito forte junto à FIA e hoje fazemos parte de algumas das principais comissões na entidade.

 

Waldner Bernardo: Ela foi indicação da CBA, ela mora na Europa e está na comissão de mulheres. Politicamente ela tem trânsito, isso é fato. Ela participa ativamente das reuniões e nos mantém a par de tudo. Tem um projeto que hoje estamos buscando tocar que são as categorias femininas. Eu converso com ela semanalmente. É um trabalho político. Quando vai aparecer, não posso precisar, mas a verdade é que tirando uma comissão como a dos autódromos, que é muito técnica, as demais são todas políticas. Uma das grandes articulações políticas que estamos fazendo e trazer o mundial de kart para o Brasil.

 

NdG: Neste caso especifico, do mundial de kart, como precisa ser feito esse trabalho?

 

Waldner Bernardo: É todo um processo. Até o último mês de abril nós tínhamos o período de candidaturas. Hoje temos o Brasil e um país na Europa. Historicamente esse campeonato pouquíssimas vezes saiu da Europa. Tem uma lógica, por ter muitos praticantes e para a maioria sair mais barato. A gente vem numa crescente e conseguimos trazer o mundial de kart Rotax para a Paraíba. Os números do kart são fantásticos em termos de quantitativo de pilotos, em termos de exposição, como este ano teremos pelo terceiro ano consecutivo o brasileiro de kart sendo transmitido ao vivo pela televisão? Quatro horas seguidas de transmissão. A aproximação que estamos fazendo do mercado internacional com a abertura de algumas de nossas categorias é algo que nunca foi feito. Estamos fazendo uma abertura gradativa, para dar tempo das pessoas se adaptarem, para que as coisas e os competidores venham para o Brasil. Aquele projeto das escolas de kart, temos seis ou sete funcionando, um projeto aprovado da ordem de 700 mil reais, que ainda estamos trabalhando para captar que nos daria mais 10 escolas. Você deixar de ter a obrigatoriedade de comprar macacão, capacete, kart, pneu... e depois de 6 meses seu filho diz que não quer mais, por quanto você vai vender tudo isso? Tudo é caro. No caso da escolinha, com 10% do valor você coloca o garoto ou a garota para aprender, porque é uma escola e lá ele vai aprender da forma correta, vai ver se gosta ou não, se vai se adaptar ou não e se não quiser mais, não vai ter aquele desembolso todo. Junto a isso, você vai ter o aumento da quantidade de praticantes e a possibilidade de encontrar novos talentos. Tem pilotos que vieram das escolinhas e que já estão participando de campeonatos que está nos surpreendendo. Um projeto como esse das escolas, vai proporcionar, a longo prazo, mais praticantes do esporte, tanto para categorias nacionais como internacionais. Esse não é um trabalho que vai ser visto agora, mas ele tendo continuidade, os resultados irão aparecer e em 5 anos já teremos resultados concretos.

 

NdG: dentro deste alinhamento com as normas da FIA, nos temos a CODASUR, que é a federação ou confederação do continente. A gente tem aqui do lado, na Argentina, um modelo de gestão do esporte que funciona, que dá certo. Eles tem categorias, mídia, montadoras envolvidas, público nas corridas, transmissão na TV e mais recentemente autódromos novos ou reformados de ótimo padrão. O que a gente pode ver nesse modelo que possa ser aplicável no Brasil?

 

 O projeto das escolinhas de kart vai permitir que tenhamos mais praticantes, sem o custo do equipamento. Aumentamos a base.

 

Waldner Bernardo: Gostei da pergunta! Tem uma coisa que a gente precisa desmistificar, e que muita gente fala, de que na Argentina tem uma lei de incentivo de que cada carro produzido tem uma parcela do valor que vai para o automobilismo. Isso não é assim. Isso não existe. O argentino é um apaixonado por automobilismo, isso é fato. Eles também são muito bairristas. Eles não tem piloto na F1, na F. Indy, na categoria top do mundial de endurance, o kart argentino não é forte, mas a gente vai ver aqueles campeonatos de turismo nacional, de carretera e a TC2000 eles dão um show! Eles tem um modelo de automobilismo voltado pra eles. Você vai a Buenos Aires e nas bancas de revista tem revistas sobre o automobilismo local, carrinhos em miniatura dos campeonatos de lá, eles falam mais do automobilismo deles do que do que acontece no mundo. A CBA vem sendo cobrada porque não temos mais pilotos na F1, mas o que podemos fazer é fomentar, através das escolinhas e do campeonato brasileiro de kart o incremento de pilotos na modalidade, ela não tem que criar meios para que um piloto chegue na F1. Isso não é função da entidade. Muito se fala que temos projetos de escola e de kart, sim, mas quantas equipes de F1 tem esse tipo de projeto? Se não me engano a ADAC na Alemanha faz um trabalho, mas é algo semelhante ao nosso. Ele não leva um piloto até a F1. Não tenho conhecimento de nenhuma confederação que tenha projetos individuais. Ela tem que fomentar o esporte como um todo. O argentino está muito voltado para o automobilismo dele, com eventos e consumo consolidado, inclusive com torcida para as marcas, as vezes mais do que para o piloto dependendo da categoria. Eu estive em alguns autódromos e, em termos de segurança, eles estão anos-luz atrás da gente...

 

NdG: Desculpe interrompê-lo, presidente, mas a Argentina hoje possui 3 autódromo FIA 2 (Termas de Rio Hondo, San Luis e San Juan), estão trabalhando em outros dois enquanto aqui, com certificação, temos Interlagos (FIA 1) e o Velocittà (FIA 3)...

 

Waldner Bernardo: Isso vai de encontro ao que eu falei. Quem tem que fazer que o instrumento seja viável, ou é o administrador público ou o dono do autódromo. A CBA não tem autódromo.

 

NdG: Não estamos cobrando isso, estamos apenas colocando o fato e o senhor, que é a pessoa que tem os contatos com os proprietários e gestores dos autódromos para trabalhar junto a eles para que eles enxerguem as necessidades do esporte a motor e invistam nestas praças esportivas, e o exemplo do que os argentinos estão fazendo lá que possa ser copiado aqui...

 

 Nosso automobilismo e o argentino tem trajetórias distintas. Eles não tem piloto na F1 e não estão preocupados com isso.

 

Waldner Bernardo: Historicamente, o automobilismo argentino e o nosso tem trajetórias bem distintas. Aqui no Brasil, todo o meio, envolvendo todos os seguimentos, criou esta “necessidade” de se formar pilotos para a F1. Os argentinos deixaram isso de lado faz tempo. Lá eles não são cobrados por isso como somos aqui e eles são fortes por olharem para o automobilismo deles. Essa é uma das coisas que estamos tentando fazer aqui. Porque tentamos trazer de volta o nosso turismo 1600, que voltou a ter uma categoria nacional, que começaram a aparecer carros mais novos? Isso foi porque começou a ter “automobilismo de raiz” e isso é uma coisa que os argentinos tem.  
Last Updated ( Friday, 12 July 2019 20:12 )