O nosso “vírus”, o velocitococus, é uma coisa um tanto quanto complexa. Em alguns casos, pode se manifestar “do nada”, quem sabe é transmitido pelo ar. Em potros, temos quase certeza de que o mesmo é transmitido por informação genética. Um dos maiores exemplos disso é o caso da família Giaffone. E o nosso homenageado da Galeria de Heróis este mês é um dos membros deste importante Clâ do automobilismo brasileiro.

José Próspero Giaffone nasceu em São Paulo, em 31 de outubro de 1948. Segundo filho de uma prole de seis irmãos, sendo o mais velho o também piloto Affonso Giaffone (depois vieram quatro irmãs), frutos do casamento do empresário Affonso Giaffone e de D. Elza Paris Giaffone – já falecidos.

‘Seu’ Affonso era proprietário de uma fábrica de fogões, a fundição Brasil, que depois tornou-se a Continental. Enquanto cuidava dos negócios que sustentavam a família, cabia à sua esposa, D. Elza cuidar e educar os filhos, como era comum na época.

A família Giaffone morava no bairro de Santa Cecília, região bem central da capital paulista, na rua Conselheiro Brotero, pertinho do Pacaembu, onde aconteceram algumas corridas de kart no início do kartismo no Brasil.

O menino José Próspero estudou em bons colégios. Foi aluno do então conhecido Caetano de Campos e depois foi para o Instituto Mackenzie onde foi aluno de um dos maiores disseminadores do “velocitococus” de que temos notícia: o Professor Rubens Carpinelli! É lógico que o risco de Zeca Giaffone terminar em alguma pista era enorme.

Como se não bastasse a “influência acadêmica”, ao contrário do que foi o caso da maioria dos membros da Galeria de Heróis, em casa, ao invés de oposição em relação ao mundo do esporte a motor, o apoio era total! O pai de Affonso e Zeca Giaffone era frequentador assíduo de Interlagos! Sempre levava os filhos para as corridas e conhecia pessoalmente o grande Francisco Sacco Landi. A proximidade era tamanha que ‘seo’ Chico Landi era parceiro de carteado do pai dos futuros pilotos.

No início do kartismo aqui no Brasil, Affonso Giaffone comprou um kart e, assim como aconteceu com os irmãos Fittipaldi, onde Emerson seguiu os passos do mais velho, Wilsinho. Zeca Giaffone seguiu os passos de seu irmão Affonso e fez a sua estreia no kartismo no ano de 1965.

Os kartódromos dos anos 60/70 eram bem menos aparelhados, mas o talento sobrava! Zeca Giaffone largou em terceiro...

A concorrência não era fácil. Além dos kartistas já estabelecidos como eram os casos de Maneco Combacau, Carol Figueiredo e Ângelo Alonso, além do próprio irmão, Zeca giaffone tinha que enfrentar os pilotos mais novos, como ele, que aderiam ao novo esporte. Entre estes estavam Emerson Fittipaldi e Tite Catapani, só para citar os adversários da terrível Equipe Mini.

Ao contrário da quase totalidade dos pilotos de sua geração, Zeca Giaffone não migrou para os carros após alguns anos correndo de kart. Com o passar do tempo, seus adversários foram mudando, com a chegada de Toninho da Matta, Nelson Piquet, seu primo, Waltinho Travaglini... mas Zeca Giaffone manteve-se no topo assim mesmo, tendo conquistado dois campeonatos estaduais (1970 e 1974) e dois nacionais (1971 e 1975).

Além de  piloto, Zeca Giaffone foi construtor de Kart. No final dos anos 60, início dos anos 70, em sociedade com o irmão – Affonso – e o primo, ninguém menos que Waltinho Travaglini, eles fabricaram o Kart Cox para concorrer com a Mini pelo mercado de kart no país. Usando a sua habilidade como meio de marketing, conquistou seus dois campeonatos estaduais e nacionais com os Karts Cox. Walter Travaglini também veio a sagrar-se campeão brasileiro com os karts que fabricavam.

Mas não demorou muito para que tomasse a ponta! Em seu currículo, dois títulos paulistas e dois brasileiros com um kart seu, o Cox. 

O chassi permitia a adaptação tanto do motor de 125 centímetros cúbicos de fabricação nacional (quase sempre feitos pela Riomar), tanto quanto os importados – italianos – que seguiam o regulamento da FIK (Federação Internacional de Kart), com 100 centímetros cúbicos. 

O primeiro kart feito pelos Giaffone e por Waltinho Travaglini foi construído alguns anos antes,  na fábrica do pai, a mesma que fazia fogões, a Fundição Brasil Motores, e chamou-se FBM. Deste projeto participou também o grande Silvano Pozzi, criador dos Katrs Silpo, grandes rivais da Mini nos primeiros anos de disputa. Os Karts Cox já foram feitos em um local próprio, na Mooca, perto da Fundição, mas num caráter independente.

O projeto co Kart Cox era baseado num projeto alemão chamado “Tyfoon”. O projeto era muito bom e não havia muito o que se fazer para melhorá-lo. Diferente dos karts “banheira” da Mini, a posição do piloto no Cox era sentado e o chassi mostrou-se muito rápido.

Foi também no início dos anos 70 que Zeca Giaffone casou-se e seus dois filhos - José Próspero (o Zequinha) e Felipe - continuaram honrando o nome da família, dando muito orgulho ao clã Giaffone, não apenas dentro, mas também fora das pistas. 

Zeca Giaffone chegou a ficar sem correr depois que deixou o kart, mas influanciado pelo irmão, voutou... correndo com os Opalas! 

Enquanto alguns da leva de pilotos que surgiu na segunda metade dos anos 60 seguia para a Europa, outros – a grande maioria – buscava opções para correr nos campeonatos das divisões que surgiam aqui no Brasil. Carros de rua, potentes como era o caso dos Dodges, Opalas e Maverick, super esportivos e protótipos como os Porsches, Lolas, GT 40, ACs, Mantas e outros batiam rodas nas pistas, Zeca Giaffone continuava focado no kart... e permaneceu correndo até 1977.

O irmão mais velho, Affonso, que migrara para os carros e que era um dos mais respeitados pilotos do cenário nacional insistiu muito até conseguir “sentar” Zeca Giaffone em outra coisa que não fosse um kart. Foi na equipe do seu irmão, na época associado com o nosso Nobre de Grid, Jayme Silva, que Zeca Giaffone começou a correr na chamada “classe C”, onde corriam Opalas e Mavericks juntos.

A equipe preparava um Opala e foi com os Opalas que Zeca Giaffone fez praticamente todas as corridas de sua vida como piloto de automóveis. As exceções foram uma edição dos 1000 Quilômetros de Brasília, onde correu com um Volkswagen em dupla com seu primo, Walter Travaglini e uma outra prova, também em Brasília e novamente com Waltinho Travaglini ao volante de um Passat.

O Rio de Janeiro foi palco da primeira das várias vitórias de Zeca Giaffone na Stock Car. Ali, ele venceu na 4ª etapa de 1979. 

Contudo, foi com o surgimento da Stock Car, em 1979, que Zeca Giaffone, logo de início mostrou que o talento familiar era mesmo de primeira linha. As quatro primeiras corridas disputadas na categoria ficaram “em família”, com Affonso vencendo as três primeiras e Zeca vencendo na 4ª etapa, no Rio de Janeiro, sua primeira corrida com automóveis.

Durante os anos 80, Zeca Giaffone foi um dos maiores nomes da maior categoria do país. Numa destas coisas que são meio estranhas de se explicar, justamente no ano em que conquistou o título brasileiro – 1987 – ele não venceu nenhuma prova, conquistando o resultado na base da regularidade.

Em 1987, uma situação pouco comum a um campeão. Zeca conquistou o título da Stock sem vencer nenhuma corrida. 

A temporada de 1987 ainda teve um outro desafio: GM havia retirado seu apoio no final de 1986, e ainda assim a categoria sobreviveu. Em uma represália à montadora, os carros receberam pela primeira vez uma “bolha” (de gosto questionável). A mecânica dos carros permaneceu a mesma do Opala, mas a carenagem de fibra de vidro, fabricada pela Caio/Hidroplas, descaracterizava os carros como Opalas. Zeca Giaffone foi um dos pilotos que mais contribuíram para a sobrevivência da categoria. Nada mais justo que tivesse ganho o campeonato.

Se no título de 1987 faltaram as vitórias, em outros momentos de sua brilhante carreira elas não faltaram. Zeca Giaffone é o maior vencedor da história das Mil Milhas Brasileiras, com 5 conquistas.

1981 - Chevrolet Opala Stock Carro Nº 6 Zeca Giaffone, Afonso Giaffone Jr. e Chico Serra

1984 - Chevrolet Opala Stock Carro Nº 12 Zeca Giaffone, Maurizio Sala e Reinaldo Campello

1986 - Chevrolet Opala Stock Carro Nº 31 Zeca Giaffone e Walter Travaglini

1988 - Chevrolet Opala Stock Carro Nº 31 Zeca Giaffone e Luís Alberto Pereira

1989 - Chevrolet Opala Stock Carro Nº 01 Zeca Giaffone e Walter Travaglini 

Em compensação, nenhum piloto na história do automobilismo brasileiro sequer igualou seu feito nas Mil Milhas: 5 vitórias! 

Zeca Giaffone deixou a carreira de piloto após 11 temporadas na Stock Car, mas não se afastou das pistas nem do automobilismo. Era a hora de cuidar da geração seguinte de pilotos – seus filhos, José Próspero Giaffone Filho, o Zequinha , e Felipe Giaffone. O resultado da “herança genética não poderia ter sido melhor (talvez até pudesse).

Zequinha, enquanto piloto, foi campeão paulista, brasileiro e panamericano de kart. Felipe foi mais longe, sendo campeão paulista e Sul-americano de kart, campeão brasileiro de F. Chevrolet e tendo participado da F. Indy por 4 temporadas além de mais 4 campeonatos mundiais de kart. Atualmente corre na F. Truck, categoria aonde já conquistou títulos brasileiros e sulamericanos.

Esta era uma coisa que não passava pela cabeça de Zeca Giaffone: ele gostava e incentivava os filhos a correr de kart, mas não via com muito gosto a mudança para os automóveis e a carreira internacional. A paixão pelo kartismo era tamanha que, nos anos 80, correndo na Stock Cars, Zeca Giaffone participou de algumas corridas de ‘Superkart’, categoria que surgia com força e que contou até com a participação de Emerson Fittipaldi.

Mesmo sendo piloto da Stock já há algum tempo, Zeca Giaffone também encarou o desafio da categoria Superkart e seus 2 motores.

Além disso, Zeca Giaffone tentou um novo projeto com a fabricação de Karts. Os Karts ZF foram um sucesso de vendas por muitos anos. Os ZF, na verdade, começaram a ser produzidos para os filhos – Zequinha e Felipe – em 1989. Como tinha grande experiência no kartismo, soube atender às necessidades dos pilotos, fabricando produtos de qualidade que logo se tornaram uma mania nacional, vindo depois a ser usado em um outro nicho – o kart indoor – que apareceu com força nos anos 90 e que foi fabricado até 1999.

Ainda neste ano de 1989, surgiu a idéia de construir um kartódromo que atendesse às mais variadas exigências e fosse de encontro aos desejos dos mais experientes e apaixonados pilotos. Para este projeto sair do papel para a prática levou tempo, uma vez que o investimento em área e construção não seriam pequenos.

Contudo, o projeto foi feito e em outubro de 1996, dentro de uma área de 48.000 metros quadrados, foi inaugurado o então Kartódromo Granja Viana e que com o tempo recebeu homologação de "Internacional" por parte da FIA dada à sua infra-estrutura e à importância das provas que sedia.

Um sonho que se tornou realidade. O complexo da Granja Viana é um dos maiores centros de treinamentos e competiçoes do país. 

A idealização do circuito foi dividido por todos os envolvidos no projeto e com a experiência em pistas do Brasil e do mundo, os Giaffones (Zeca e seus dois filhos) foram desenhando aquele que é, ainda hoje, um dos mais modernos e desafiadores traçados que existe no mundo do kart. Foram recriados trechos de curvas, partes de alta, partes de baixa, retas e formas que lembram muitos outros kartódromos do mundo. Com isso o resultado final foi uma pista que tem de tudo um pouco e ainda a criatividade de quem tem anos de prática no automobilismo.

Atualmente o Kartódromo Internacional Granja Viana sedia os principais eventos de kart nacionais e internacionais. Eventos estes que vão desde grandes campeonatos de kart amador e profissional. Durante muitos anos foi a sede das 500 Milhas de Kart, uma prova de longa duração que já atraiu alguns dos melhores pilotos do mundo para Cotia.

Mas o grande salto da JL como empresa foi sem dúvidas o convite feito por Carlos Col, Ingo Hoffmann e Paulão Gomes, para que fosse produzida uma “gaiola” – a ser “vestida com uma bolha” para substituição do Ômega, modelo que era usado pela Stock Car.

A família Giaffone em ação: Felipe vai pilotar um dos modelos criados para a Stock Car sob os olhos de Zeca e Zequinha, seu irmão. 

Zeca Giaffone aceitou o desafio de construir um carro para substituir outro já consagrado e produzido nas linhas de montagem da GM, investiu em pessoal e em equipamentos e no mês de abril de 2000 apresentou o novo Stock Car.

Era a primeira vez no Brasil que se produziam em série carros de turismo especialmente projetados para competição... mas esta é uma outra história.

Com muita serenidade, trabalho e talento, Zeca Giaffone mostrou que é um Nobre do Grid por tudo que fez. Dentro e fora da pista! 

Ao longo de mais de quatro décadas de envolvimento com o automobilismo brasileiro, Zeca Giaffone terá para sempre seu nome gravado na história deste esporte, por tudo o que fez, dentro e fora das pistas. 

Fontes: Fotos do arquivo pessoal e depoimentos de Zeca Giaffone.