1975 - Silverstone: o diferencial do Gênio Print
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Saturday, 04 March 2017 23:39

As corridas dos anos 70 eram capazes de proporcionar emoções até a última curva. Os carros eram mais frágeis, quebravam. O piloto tinha que acelerar e usar a cabeça, um só não adiantava. E quando apareciam as condições adversas, era aí que a genialidade ultrapassava os limites do carro. O GP da Inglaterra em Silverstone, corrido no sábado, 19 de julho de 1975 foi um grande exemplo disso.

 

Ao contrario dos desacertos, quebras e afobação da temporada anterior, Niki Lauda tinha aprendido com seus erros em 1974 e dominava a temporada de 1975 depois de um começo pífio da equipe antes de chegarem nas corridas europeias, onde ganhou 4 das 6 corridas. A Ferrari era o melhor e mais confiável carro do grid. No “bolo” vinham McLaren, Brabham, Tyrrell e as surpreendentes Shadow (que largava bem, mas raramente terminava) e Hesketh.

 

O circo chegava a Silverstone com Niki Lauda disparado na liderança (47 pontos), 22 a mais que Carlos Reutemann, com 25. E aí vinha tudo embolado: Emerson Fittipaldi tinha 24, James Hunt 22, José Carlos Pace 18, Clay Regazzoni 16, Jody Scheckter 15. Com apenas 5 etapas faltando (a temporada teve 14 corridas) e a pontuação 9/6/4/3/2/1, Niki Lauda tinha uma mão na taça.

 

Apesar de ter sido apenas 4º colocado na corrida em Paul Ricard, Emerson e a McLaren deixaram a França satisfeitos. Tinham pontuado depois de três corridas zeradas, duas fora dos pontos e uma quebra e na França conseguiram classificar no mesmo segundo das Ferrari pareciam ter reencontrado o caminho. A busca seria melhorar o equilíbrio do carro, especialmente nas saídas de curva, mas sem buscar “soluções mágicas”. A única mudança importante foi a colocação de uma espécie de “v” na borda do ângulo de ataque do aerofólio traseiro. Isso deveria evitar a perda de pressão aerodinâmica no contorno das curvas.

 

Depois de uma boa corrida na França, Emerson Fittipaldi e a equipe McLaren chegavam confiantes em Silverstone.

 

Silverstone era a pista onde a McLaren treinava sempre que podia e que neste ano teria uma chicane na curva Woodcote, que dá acesso a reta e que era famosa por “separar os homens dos meninos” quando feita em seu traçado original. Usando a nova chicane, Emerson conseguiu virar em 1m20.3s em treinos livres, mas sabia que precisaria virar na casa de 1m19s  para ter chances de brigar por uma posição melhor de largada.

 

Os treinos.

 

Na quinta-feira, com um dia de sol e calor, pelo menos dois dos brasileiros andaram bem. Emerson Fittipaldi melhorou seu tempo dos treinos livres e conseguiu marcar 1m19.9s, mas foi José Carlos Pace quem mostrou serviço, superando as Ferrari, seu companheiro de equipe e todo o resto do grid, mascando 1m19.5s em sua melhor volta e terminando o dia com a pole provisória. Emerson poderia ter conseguido uma volta melhor não fosse um amortecedor estourado.

 

José Carlos Pace voou baixo nos treinos e dominou as sessões até perder a pole no finalzinho.

 

No dia seguinte, Emerson conseguiu fazer 1m19.8s no treino livre, mas o sempre instável tempo na região de Silverstone começou a pregar suas peças. Com nuvens de chuva em alguns pontos do circuito, vez por outra molhando trechos da pista, transformou o treino em loteria. No final da sessão, a pista secou um pouco e foi o suficiente para Tom Pryce marcar um espantoso 1m19.3s e tomar a pole de José Carlos Pace enquanto Vittorio Brambilla e Jody Scheckter faziam 1m19.6s e 1m19.8s. Com isso as Ferrari ficaram relegadas à segunda fila e Emerson Fittipaldi cairia de 5º para 7º e caindo para a quarta fila.

 

Tom Pryce e a surpreendente Shadow conquistou a pole position em uma volta voadora com a pista ainda úmida.

 

Não muito satisfeito com o resultado, mas confiante no equilíbrio do carro, Emerson Fittipaldi, como um parte dos pilotos, foi dormir em Londres, ainda se recuperando do susto do problema num retentor da pinça de freio traseiro na sua última tentativa de melhorar seu tempo no final da sessão do sábado que fez seu pé esquerdo colar no assoalho e acabar com suas chances de melhorar o tempo do dia anterior.

 

A inspiração do Gênio.

 

Na manhã seguinte, voltando de avião de Londres para Silverstone de avião, perguntou ao piloto a previsão do tempo para a região de Silverstone (nada igual aos dias de hoje onde cada equipe parece ter seu próprio satélite meteorológico). O piloto disse que a partir das 3 horas da tarde ocorreriam chuvas fracas e, do final da tarde até o anoitecer, o tempo estaria firme. A corrida começava exatamente às 3 da tarde, horário inglês.

 

Durante a corrida, Emerson Fittipaldi colocou em prática uma estratégia que se provaria correta no final.

 

No warm up, treino que ocorria pela manhã naquela época, todos os carros foram para a pista. De tanque cheio, Emerson Fittipaldi virou 1m21.3s. José Carlos Pace foi o segundo mais rápido, 1 décimo atrás de Clay Regzzoni, que virou 1m20.7s. os brasileiros estavam satisfeitos com seus carros e pediram para deixá-los como estava. Quem não estava nada satisfeito era Niki Lauda, que tomou tempo do companheiro de equipe desde que os carros foram para pista. A estratégia era ver a meteorologia, poupar os pneus na primeira metade da corrida e atacar na segunda.

 

A corrida.

 

A largada do GP da Inglaterra teria uma grande novidade: a introdução de um sistema eletrônico de largada seria usado pela primeira vez em uma corrida valendo pontos pelo mundial de Fórmula 1. Da cabine ao lado da pista, o Diretor de Prova acionaria um conjunto de luzes vermelhas e verdes. Os carros tomariam posição em um “grid falso” e quando autorizados, tomariam suas posições. Com os carros em posição, o Diretor de Prova acionaria as luzes vermelhas e em até 10 segundos. Nestes 10 segundos os carros elevariam as rotações do motor e quando apagassem as luzes vermelhas e acendessem as verdes, estaria dada a largada. Era uma forma de evitar as queimas de largada e a eliminação do juiz de largada com uma bandeira, um pleito dos pilotos desde a temporada passada.

 

Na largada, Pace tomou a ponta, deixando o pole position, Tom Pryce, para trás, entre ele e as Ferrari.

 

Foram 7 segundos desde as luzes vermelhas se acenderem até as verdes serem acionadas. José Carlos Pace largou bem e tomou a ponta na curva Copse, deixando Tom Pryce para segundo. As Ferrari seguiam em 3º e 4º, com Regazzoni à frente de Lauda. Brambilla largou mal, perdendo várias posições James Hunt e Mario Andretti largaram bem, pulando para 5º e 7º respectivamente, com Jody Scheckter em 6º. Emerson Fittipaldi completava a primeira volta em 8º.

 

Na reunião dos pilotos antes da corrida ficou combinado entre todos e a direção de prova que na primeira volta haveria bandeira amarela na chicane da Curva Woodcote, para evitar uma batida grande. José Carlos Pace ditava o ritmo de prova, mas não conseguia abrir de Tom Price e nem das Ferrari. Depois de estabelecer seu ritmo de corrida, Emerson Fittipaldi foi pra cima de Mario Andretti, e na segunda volta já era o 7º colocado.

 

Clay Regazzoni estava bem à vontade e ultrapassou Pryce, vindo atacar o líder da prova, o brasileiro Moco.

 

Na nona volta, Emerson passou James Hunt, assumindo a sexta posição e na volta seguinte, Regazzoni ultrapassava Tom Pryce e abria perseguição à José Carlos Pace. Acabaria tomando a ponta três voltas depois, enquanto a corrida seguia em bloco, com os 7 primeiros andando relativamente próximos, mas com Scheckter e Emerson Fittipaldi muito perto de Niki Lauda, que realmente não parecia ter achado o acerto para o carro naquele final de semana. Pace é quem ia perdendo rendimento. Na 17ª volta, perdia o segundo lugar para Pryce.

 

E a chuva? Bom, a previsão do tempo dada pelo piloto do avião que levou nosso campeão para a pista demorou um pouco, mas não faltou. Na 18ª volta começou a chover em alguns pontos do circuito e a primeira vítima da combinação pneus slick e pista molhada foi justamente o líder da corrida, Clay Regazzoni, que rodou na curva Club e ficou “na contramão”. Foi o primeiro a ir para os boxes e perdeu muito tempo com o aerofólio danificado. Aproveitou e colocou pneus de chuva.

 

Entre os competidores, o mais combativo foi Jody Sheckter. Largou em 6º, chegou a liderar e andou muito forte.

 

Com a pista molhada, Jody Scheckter mostrou-se mais audacioso que José Carlos Pace e ultrapassou o brasileiro. Na volta seguinte foi a vez de Tom Pryce perder o carro, este na curva Copse, e por lá ficar, abandonando a corrida. A pista foi ficando mais molhada em alguns pontos, mas não chovia no autódromo inteiro e a dúvida entre trocar os pneus por pneus de chuva passava na cabeça dos pilotos.

 

Entre os pilotos que estavam entre os primeiros, Jody Scheckter e Niki Lauda optaram por trocar por pneus de chuva. José Carlos Pace voltou para a liderança, seguido por Emerson Fittipaldi e James Hunt. Naquela altura, os pneus de chuva deram um bom resultado para quem fez esta opção. Jody Scheckter voou baixo e em poucas voltas voltou para a liderança. Do pelotão intermediário, Jean Pierre Jarrier e Jochen Mass avançaram para as primeiras posições, mas a chuva parou depois da 30ª volta e os pneus se chuva se desgastaram rapidamente. A parada de Lauda foi longa e o carro não se acertou com os pneus de chuva, tirando-o da disputa.

 

Quem "não se achou" no GP britânico foi Niki Lauda. Em momento algum o austríaco teve um carro realmente rápido.

 

Scheckter voltou para os boxes para colocar pneus slick. Jean Pierre Jarrier perdeu duas voltas na pista antes de tomar a mesma decisão. O prejuízo foi grande. O francês caiu pra 7º. Com isso, os pilotos que insistiram em ficar com pneus slick voltaram pra ponta, com James Hunt liderando, Emerson Fittipaldi em segundo e José Carlos Pace em terceiro. Nos trechos onde choveu, um trilho seco estava bem formado, mas o risco do piso molhado ainda estava lá.

 

Depois de poupar bem os pneus antes da chuva e não abusar das esterçadas com a pista molhada, Emerson Fittipaldi colocou em prática sua estratégia para a metade final da corrida e partiu para cima de James Hunt, fazendo uma espetacular ultrapassagem por fora na tomada da curva Stowe (e que todos aqueles que dizem até hoje que Emerson Fittipaldi não corria riscos e esperava os outros quebrar pra vencer se calem) para tomar a ponta na 43ª volta. Na volta seguinte, era José Carlos Pace quem deixava o inglês para trás. Clay Regazzoni, retardatário andava entre os líderes, atrapalhando a todos.

 

Choveu, molhou a pista. Parou, secou a pista e Emerson Fittipaldi, sem trocar pneus, assumiu a liderança, com Pace em 2º.

 

A corrida, que teria 67 voltas sofreria outra reviravolta depois da 50ª volta. Na 54ª volta, Emerson Fittipaldi tinha 3.2s de vantagem para José Carlos Pace, que estava com 8.1s adiante de Jody Sheckter, tirando 1s por volta. James Hunt, 1.7s atrás do sul africano não parecia ter carro para tentar recuperar a posição perdida na volta anterior. E eis que a chuva voltou a cair novamente e nessas horas, o Gênio faz a diferença.

 

Emerson Fittipaldi começou a observar os pneus dianteiros para ver se eles estavam brilhando. Isso era um sinal de pista molhada e que a curva seguinte estaria com a aderência comprometida. A chuva foi apertando e os outros pilotos não tiveram a mesma sensibilidade do nosso campeão. A curva Club virou um estacionamento de carros batidos.

 

Quando a chuva voltou, foi uma loucura! A curva Club virou um amontoado de carros batidos.

 

James Hunt, Jean Pierre Jarrier, Mark Donohue, David Morgan, Bryan Henton, Wilsinho Fittipaldi, Tony Brise e John Nicholson se empilharam naquele ponto enquanto Emerson Fittipaldi, após contornar a curva, seguiu para os boxes e colocou pneus de chuva, voltando ainda na liderança. Na volta seguinte a direção de prova interrompeu a corrida com a bandeira vermelha, sendo considerado o resultado da 56ª volta, tendo se juntado aos acidentados Jody Scheckter, John Watson e Jochen Mass. O sul africano cruzou a linha de chegada a pé, acenando para o público.

 

Com pneus Slick, Emerson Fittipaldi deu um show de habilidade, mantendo-se na pista e evitando acidentes.

 

A Tyrrell, equipe de Jody Scheckter, ainda tentou um protesto para ver se conseguia a segunda posição de José Carlos Pace, assim como a Ferrari tentou desconsiderar as voltas de Mark Donohue, Jochen Mass e James Hunt para fazer com que Niki Lauda fosse da 8ª para a 5ª posição, mas os protestos foram negados.

 

Emerson Fittipaldi terminou a corrida com uma volta a mais (ou mais) que todos os pilotos que disputaram aquela corrida que veio a ser sua última vitória na categoria, uma vez que no ano seguinte ele assumiu o desafio de ser o piloto da equipe brasileira na Fórmula 1, montada pelo seu irmão.

 

Depois de parar nos boxes, trocar pneus e ainda voltar na liderança, deu mais uma volta no carro da Embassy.

 

Ele recebeu dois belos troféus – um do British Racing Drivers Club  e outro da FISA, braço automobilístico da FIA – e as reverências de todos os presentes em Silverstone diante de sua performance. Após a corrida, Emerson Fittipaldi disse que teve sérios problemas com a viseira embaçada. Mario Andretti disse ter tomado um susto ao ver um carro (Fittipaldi) passando por ele sob a chuva como se ele estivesse parado. Jody Scheckter declarou à revista Quatro Rodas que Emerson devia ter um pacto muito forte com Deus, porque as coisas sempre davam certo para ele.

 

Emerson declarou ter sido aquela a vitória mais difícil de sua vida e que aquela situação de chuva no final da prova lembrou o ocorrido na Copa Brasil de 1970, quando rodou em plena reta de Interlagos ao entrar numa “cortina de chuva”, exatamente como viu antes da curva Club. A memória daquele dia em 1970 ao volante de uma Lola T-70 garantiu a vitória em Silverstone.

 

A vitória consagradora rendeu dois lindos troféus e a vice liderança do campeonato. Até a realeza curvou-se ao Gênio.

 

O campeonato ainda tinha Niki Lauda como líder com 47 pontos. Emerson Fittipaldi tinha agora 33. Carlos Reutemann e James Hunt 25, José Carlos Pace 24, Jody Scheckter 19 e Clay Regazzoni 16.

 

Fontes: Revista Quatro Rodas, Revista Autoesporte, Jornal do Brasil, CDO.


Last Updated ( Thursday, 16 March 2017 11:56 )