Torneio Internacional de F3 - Interlagos 1971 Print
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Sunday, 31 January 2021 13:27

O Setor G está de volta após um longo e tenebroso inverno. Aqui viajamos no tempo e resgatamos momentos especiais da história do automobilismo.

 

  Depois de passar por reformas entre 1968 e 1969, o autódromo de Interlagos se preparava para ser palco da F1. 

 

Vamos viajar 50 anos no passado, para 1971, resgatar um ano importantíssimo para o automobilismo brasileiro, que buscava se estabelecer como um destino obrigatório para o esporte a motor mundial e para isso, nada mais importante do que atrair o maior campeonato de automobilismo do mundo para o nosso mais importante autódromo, o Interlagos original, com seus 7.960 metros e de traçado único, sendo a escola de gerações de grandes pilotos.

 

No final dos anos 60 o autódromo de Interlagos passou por uma grande reforma e um grupo de visionários começou a vislumbrar a possibilidade de trazer a Fórmula 1 de volta para o nosso continente (o último GP de Fórmula 1 havia sido disputado na Argentina, em 1960 e os hermanos também estavam trabalhando para trazer a corrida de volta), e fazer o evento acontecer pela primeira vez no Brasil.

 

  Antônio Carlos Scavone tinha planos para trazer a F1 para o Brasil, mas era preciso mostrar que o país tinha condições para isso. 

 

Para isso, era preciso traçar um plano de ação que começou no ano anterior, com o torneio internacional de F. Ford, que percorreu diversas cidades do país, mas agora era a hora de buscar mostrar para a FISA (na época este era o braço esportivo da Federação Internacional de Automobilismo) e o ano de 1971 foi fundamental para isso. Neste artigo, vamos mostrar a primeira parte, que aconteceu no início do ano, no mês de janeiro, com a disputa de um torneio internacional de Fórmula 3.

 

Durante o ano de 1970, impulsionados pela conquista de Emerson Fittipaldi, campeão da Fórmula 3 na Inglaterra depois de começar o campeonato com 1/3 já disputado, uma vez que antes ele era quase imbatível na F. Ford. Sob a liderança de Antônio Carlos Scavone o projeto tomou forma, com a ideia de trazer carros e pilotos da categoria que corriam na Europa para um torneio no Brasil. Interlagos, logicamente, seria o palco principal, mas também haveria uma etapa no recém asfaltado – e desafiador – autódromo de Tarumã, na cidade de Viamão, próxima a Porto Alegre.

 

O regulamento da categoria estava mudando na FISA e a partir de janeiro de 1971, mas para o torneio no Brasil ainda seriam usados os carros equipados com motor de, no máximo, 1.000cc e no máximo 4 cilindros, equipado com um carburador. A caixa de câmbio deve ser reconhecida pela entidade e ter uma produção mínima de 1.000 unidades em 12 meses consecutivos. O peso mínimo do carro é de 420 Kg, de acordo com as normas de 1969. No novo regulamento, que irá de 1971 a 1974, os motores passariam a 1.600cc e os carros de 1970 poderiam ser adaptados ao novo regulamento.

 

  A F3 na Europa e em especial na Inglaterra passou a ter uma projeção muito grande no Brasil depois dos títulos de Emerson e Pace.

 

O torneio prometia ser um sucesso. Os promotores seguiram à risca todas as exigências da FIA (vamos chamar assim, pra facilitar) e o regulamento da competição foi distribuído em português, inglês e italiano. 21 pilotos estavam inscritos e tinha até um “reserva”. Seria uma disputa de brasileiros contra alguns dos melhores pilotos da categoria na Europa. Mas nós tínhamos a vantagem de conhecer o seletivo e exigente Interlagos, além de termos o campeão da categoria em 1970: José Carlos Pace. Bem, um deles. Haviam 3 campeonatos na Inglaterra e enquanto José Carlos Pace venceu o Forward Trust, o australiano David Walker foi o campeão do Lombank Trophy e o inglês Tony Trimmer levantou a taça no Motor Sport Shell.

 

A esquadra brasileira contando com seis pilotos: José Carlos Pace; Wilson Fittipaldi Jr.; Luiz Pereira Bueno; Fritz Jordan; José Maria (Giu) Ferreira; e Ronaldo Rossi. Entre os estrangeiros, da Austrália vieram David Walker e Alan Jones. Da França, François Migault, da Inglaterra eram 5 pilotos: Tony Trimmer; Peter Hanson; David Purley; Barrie Maskell; e Mike Keens. Da Itália vieram Giovanni Salvati; Claudio Francisci e Giancarlo Gagliardi. Da Suécia, Torsten Palm e Sten Gunnarson, e da Suiça, Jurg Dubler. Como piloto reserva, o inglês Mike Beuttler.

 

 Wilsinho Fittipaldi ao bolante do Lotus 59, F3, de Colin Chapman, tinha carro para fazer um grande torneio.

 

O Regulamento da Competição determinava a realização de três etapas, cada uma com duas baterias. Em Interlagos os pilotos correriam nos dias 10 e 17 de janeiro, onde cada bateria teria 10 voltas, totalizando 79.600 metros de extensão cada. Para cada corrida haveria uma classificação, com largada em um formato de grid “3-2-3-2”, com três carros nas filas ímpares e dois carros nas filas pares. Cada bateria teria resultados independentes, porém, o vencedor da etapa seria conhecido pelo somatório dos tempos das duas baterias. O mais rápido no somatório, seria declarado vencedor.

 

Na primeira bateria tivemos três brasileiros na primeira fila, com os dois melhores tempos estabelecidos por Wilsinho e Moco e Luiz Pereira Bueno em 3°. Logo atrás, vieram Jurg Dubler e Sten Gunnarson. Na terceira fila Tony Trimmer, David Purley e François Migault. Quem não foi a Interlagos – o público foi menor do que o esperado para a importância do evento, deve ter se arrependido amargamente quando leu os jornais que noticiariam a corrida no dia seguinte.

 

 Wilsinho Fittipaldi e José Carlos Pace foram os protagonistas da primeira prova, ambos de Lotus, mostrando a força dos brasileiros.

 

Wilsinho Fittipaldi foi superado por Moco com uma magistral na largada para tomar a ponta e a disputa entre os dois não arefeceu em das 10 voltas da corrida. Wilsinho recuperou a ponta na chegada à curva 3 e os dois começariam uma disputa frenética pela liderança. Luiz Pereira Bueno seguia os dois na 3ª posição, mas após a volta 4 seu carro começou a perder rendimento e ele foi sendo superado.

 

Enquanto os dois líderes se destacavam, com Moco tomando a ponta no miolo, na parte mais veloz do traçado. A Disputa pela terceira posição logo reuniu um pelotão com cinco pilotos, David Walker, que veio numa grande recuperação, Fritz Jordan, Luiz Pereira Bueno, François Migault e Sten Gunnarson, com a maior disputa sendo entre Walker e Jordan, com o australiano levando a melhor e nas voltas finais, conseguindo diminuir a diferença para Wilsinho e Moco. O francês terminou na 4ª posição, relegando Fritz Jordan ao 5° posto, com David Purley chegando em 6°. Luiz Pereira Bueno foi o 8°, Giu Ferreira o 13° e Ronaldo Rossi o 14°. Foram 4 abandonos: Hanso, Maskell, Jones e Gunnarson.

 

 A corrida foi marcada por grandes disputas, com carros e pilotos andando próximos em boa parte das 10 voltas da bateria.

 

Para a segunda bateria, apenas Alan Jones conseguiu recuperar seu carro para a corrida. A ordem do grid foi a de chegada na primeira bateria, assim, Wilson Fittipaldi e José Carlos tinham com eles na primeira fila o australiano David Walker. Na segunda fila, Fronçois Migault e Fritz Jordan, com David Purley, Tony Timmer e Luiz Pereira Bueno na terceira fila.

 

Na largada, Wilsinho Fittipaldi foi insuperável e ainda no retão já impunha uma distância confortável para José Carlos Pace, que desta vez não conseguiu protagonizar uma disputa pela ponta, uma vez que seu motor apresentou problemas ainda na primeira volta, na subida dos boxes. David Walker assumiu a segunda posição, mas o show ficou por conta de Luiz Pereira Bueno, que depois de largar em 8³ passou em 4° na primeira volta e era o vice líder na segunda volta. Luizinho nunca tinha andado em um carro da categoria até os treinos em Interlagos, onde alinhou com um Chevron B15 alugado, um carro inferior aos Lotus.

 

 Além de Wilsinho e Pace, Luiz Pereira Bueno, com um carro Chevron, alugado, que não conhecia, enfrentou-os de igual para igual. 

 

Enquanto Wilsinho abria vantagem na liderança, Luiz Pereira Bueno travava uma disputa com François Migault, que vinha em 3°. Giovanni Salvati assumiu a 4ª posição superando David Walker na terceira volta e conseguiria subir para o pódio na última passagem, quando o carro de François Migault perdeu rendimento e e o piloto francês se arrastou para chegar num melancólico 13° lugar.

 

A segunda bateria reservou um problema de ordem muito séria: David Walker era conhecido na Europa por sua falta de lealdade na pista. Depois de ser superado por vários adversários, perdendo posições, caindo para o pelotão intermediário. O australiano deu um toque antidesportivo – em pleno retão – no Lotus de Fritz Jordan, que rodou e bateu de lado no guard rail. Fritz saiu do carro e voltou para os boxes, jurando que iria “acertar as contas” com Walker.

 

 Campeão inglês de F3 em 1970, Moco andou forte, mas teve muitos problemas nos treinos e nas corridas. 

 

Após a volta dos carros para os boxes, depois que tirou o capacete, o brasileiro partiu pra cima de Walker e o atingiu com vários socos e pontapés, deixando o australiano bem vermelho. Os membros da equipe Lotus saíram em defesa de Walker e pediram que Fritz Jordan fosse eliminado do torneio e seria uma boa oportunidade para Walker sofrer alguma punição. Só que um problema desses era tudo que Scavone e o Automóvel Club de São Paulo não precisavam se o objetivo era trazer a F1 para o Brasil. Apesar do grande conhecimento da deslealdade de Walker nas pistas, ele se tornou uma vítima. Horas mais tarde, Fritz Jordan foi se desculpar com Walker e, em comum acordo, foi decidido não se levar o caso adiante.

 

Com o somatório dos tempos, Wilsinho Fittipaldi foi o vencedor, somando 9 pontos, Luiz Pereira Bueno o 2°, fazendo 6 pontos, seguido de David Walker, David Purley, Giovanni Salvati e Tony Trimmer, somando respectivamente 4, 3, 2 e 1 ponto. Quem abandonou uma das provas não computou tempos na classificação final, casos de Moco e Fritz Jordan. Ronaldo Rossi foi o 11° e Giu Ferreira o 14°.

 

 Desafiador, Interlagos que sempre foi a nossa grande escola, mostrou rer palco para grandes eventos e disputas.

 

No final de semana seguinte, lá estavam os competidores de volta para a segunda etapa do torneio. Nas provas de classificação os estrangeiros, já melhor ambientados em Interlagos, foram os mais rápidos nos primeiros treinos, mas treino é treino, corrida é corrida (pelo menos era assim naquela época) e para a primeira corrida da segunda prova, realizada no dia 17 de janeiro, a primeira fila teve David Walker, Giovanni Salvati. O primeiro brasileiro foi Moco, com o 5° tempo, atrás de Claudio Francisci e na terceira fila, vieram David Purley, Jurg Dubler e Luiz Pereira Bueno. Wilsinho Fittipaldi não conseguiu marcar tempo, com problemas no carro e teve que largar em último.

 

A novidade na segunda rodada dupla foi a estreia de mais um Nobre do Grid. Peter Hanson sofreu um acidente nadando na represa de Guarapiranga e o substituto do torneio, Mike Beuttier decidiu voltar para a Inglaterra. Surgia uma oportunidade para Marivaldo Fernandes assumir o volante do carro n°9. Ele conseguiu o 10° tempo no grid sem nunca ter sentado em um F3.

 

 Largando de último, sem tempo, Wilsinho Fittipaldi deu um show na 1ª bateria da segunda prova, vencendo com autoridade.

 

Como dissemos antes, treino é treino e na corrida, brilhou novamente a estrela de Wilsinho Fittipaldi. Após a largada o pole, Walker, perdeu a ponta e passou na primeira volta em 3°. Tony Trimmer liderava e Moco subia para 4°. Marivaldo largou mal, caindo para 15°, enquanto Wilsinho Fittipaldi voava e passava em 9°, recuperando 11 posições. Enquanto a disputa na ponta continuava o ‘Tigrão’ foi pra cima para assumir a liderança na 5ª volta e não perder mais. Quem também fez uma corridaça foi Marivaldo, que se recuperou e chegou ao 6° lugar. Moco, que brigou pelo pódio a corrida inteira, perdeu rendimento na última volta e terminou em 7°, à frente de Luiz Pereira Bueno, o 8°. Giu Ferreira foi o 13°, Ronaldo Rossi o 14° e Fritz Jordan o 15°.

 

Na segunda corrida, com o grid estabelecido pelas posições de chegada na primeira bateria, Wilsinho Fittipaldi largava na pole, com Gavid Walker e Giovanni Salvati ao seu lado. A segunda fila tinha Tony Trimmer e Jurg Dubler e a terceira fila era toda brasileira, com Marivaldo Fernandes. José Carlos Pace e Luiz Pereira Bueno. Se repetisse a performance e vitória, Wilsinho teria 100% em Interlagos.

 

 Luiz Pereira Bueno chegou a liderar algumas voltas em algumas corridas, mas os Lotus eram carros melhores.

 

A torcida já estava com ele e o Tigrão desta vez não tomou a ponta na largada. Quem fez isso foi Luiz Pereira Bueno, mas foi por menos de uma volta, com o Wilsinho se recuperando e dando início a uma dura disputa pela ponta. O Peroba conseguiu assumir o primeiro lugar algumas vezes, Wilsinho sempre conseguia se recuperar. Na metade da corrida, o pelotão ainda estava compacto com Wilsinho, Bueno, Salvati, Walker Maskell e Moco.

 

Foram nas voltas finais que tudo se definiu, com uma atravessada de Salvati no “S”, que obrigou Moco a usar o câmbio pra segurar o carro e isso acabou com sua corrida. Salvati ainda tirou Luiz Pereira Bueno da corrida, com um toque no brasileiro que teve a suspensão dianteira danificada. Quem mais lucrou com isso foi Fritz Jordan, que subiu para o 4° lugar. Foi a mais equilibrada e emocionante das quatro corridas disputadas até então.

 Os jornais da época deram grande destaque às disputas e a importância que o automobilismo tinha no cenário esportivo nacional. 

 

Com o somatório das duas baterias Wilsinho Fittipaldi ficou com 9 pontos, seguido de David Walker com 6, Fritz Jordan 4, Tosten Palm 3, François Migault 2 e Sven Gunnarson 1. Essa pontuação deixava Wilsinho Fittipaldi como líder disparado do torneio de F3 com 18 pontos, com David Walker em segundo com 10, Luiz Pereira Bueno com 6 e Fritz Jordan com 4.

 

A organização decidiu, por haver tempo e interesse dos pilotos, realizar uma terceira corrida e nessa, finalmente, os estrangeiros conseguiram vencer, com o pódio sendo formado por Giovanni Salvati, Tony Trimmer e David Purley. Wilsinho Fittipaldi chegou em 4° e como decidiram somar os pontos desta corrida ao total de pontos da competição, Wilsinho Fittipaldi foi declarado campeão, com 21 pontos, seguido de Giovanni Salvati com 11 e David Walker com 10.

 

Da Redação 

 

Fontes: Revista Quatro Rodas; Revista Autoesporte; Jornal O Globo; Jornal Folha de São Paulo. 

Last Updated ( Sunday, 31 January 2021 19:51 )