Mil Milhas de 1967 - A Vitória da Modernidade. Print
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Sunday, 10 July 2011 18:52

 

 

 

Largada da IX Mil Milhas Brasileiras: a primeira com participação de pilotos europeus. Mesmo assim, a vitória foi brasileira. 

 

Depois de ter sido disputada a prova mais emocionante de todas as suas edições, as XIII Mil Milhas Brasileiras de 1966, certamente pilotos e principalmente os organizadores do Centauro Motor Clube e os promotores do jornal Folha da Tarde tinham sobe si mesmo a responsabilidade – se é que seria justo e possível – de realizar em 1967 uma prova tão ou mais emocionante do que foi a disputa anterior. 

 

Na teoria, tudo parecia estar caminhando neste sentido. Interlagos recebeu uma nova camada de asfalto em muitos de seus pontos (há algum tempo os pilotos – de forma geral – vinham reclamando dos buracos na pista), guard rails “modernos” em algumas curvas e arquibancadas para o público. Além disso, houve o convite para equipes estrangeiras virem disputar a prova e três duplas portuguesas cruzaram o atlântico (desde 1960 que estrangeiros não participavam de corridas no país), as equipes brasileiras contavam com carros e pilotos cada vez mais preparados... a expectativa era quase uma certeza para Eloy Gogliano e Wilson Fittipaldi. 

 

 

O Fitti-Porsche, protótipo criado pelos irmãos Fittipaldi, voou nos treinos. Contudo, para provas de longa duração era frágil. 

 

Para aquele ano, os irmãos Fittipaldi haviam construído um protótipo levíssimo, de linhas arrojadas e equipados com um excelente conjunto mecânico da Porsche. O “Fitti-Porsche” além de belo era veloz... muito veloz. Caso resistisse toda a prova, dificilmente seria batido. A Willys levava suas esperanças nos protótipos Mark I, com as duplas formadas com Luiz Pereira Bueno / Luiz Fernando Terra Smith e Bird Clemente / Marivaldo Fernandes. 

 

Os vencedores do ano anterior, Camillo Christófaro e Eduardo Celodonio estrariam lá com a famosa carretera nº 18, do lobo do Canindé. Os portugueses, por sua vez, não cruzaram o oceano à passeio, as duplas Augusto Palma / Antônio Peixinho; Luis Fernandes / Carlos Santos ; e Andrade Vilar / Nogueira Pinto trouxeram para o Brasil dois Lotus 47, um Lotus Cortina e um Porsche 911-S e, com isso, já se credenciavam à vitória. 

 

 

Pela primeira vez pilotos vindos da Europa, como os portugueses Nogueira Pinto (acima) trouxeram carros como o Porsche 911-S. 

 

A DACON alugou o Porsche dos portugueses, que seria utilizado pela dupla José Carlos Pace / Anísio Campos (Os antigos KG-Porsche da equipe estavam nas mãos de pilotos cariocas como as duplas Sergio Cardoso/Airton Varanda e João Varanda/Américo Veloso), mas não contava com o infortúnio nos treinos, quando um dos Lotus 47 apresentou problemas e os Portugueses, para poder correr com suas três duplas, tiveram que pedir o Porsche 911-S de volta. A DACON então conseguiu um dos KG-Porsches de volta para Pace e Anísio poderem participar. 

 

A Equipe Jolly-Gancia também sofreu uma “baixa” de última hora, mas não em um dos carros. O campeão brasileiro de 1966, Piero Gancia, sofreu um grave acidente... a bordo de um taxi! Uma forte batida na praça das guianas com um outro taxi fez o taxi do elegante piloto capotar e os graves ferimentos em uma das mãos, com suspeita de fratura, além de escoriações diversas por conta dos estilhaços de vidro. Piero correria com seu grande amigo Emilio Zambello na Alfa GTA. Com sua ausência, Ubaldo Lolli – que correria em uma das Alfa TI – faria a dupla com Zambello. Na Alfa TI correriam a dupla Totó Porto / Waldemir costa, mas quem compôs com Waldemir acabou sendo Chiquinho Lameirão, ficando Totó em dupla com Joaquim “Cacaio”, o sobrinho do Marinho Camargo, na Zagatto. 

 

 

Os portugueses sofreram em dose dupla: Primeiro para liberar os carros, retidos no porto de Santos. Depois, para "Aprender a pista". 

 

No total, mais de 30 carros inscreveram-se para a prova, e as carreteras também estiveram entre os inscritos, ainda tentando manter a sua hegemonia na mais tradicional prova brasileira. Alem delas, os Malzoni que quase venceram no ano anterior também estariam presentes, mas desta vez, seria mais difícil para os carros de Rino Malzoni e Jorge Lettry, mesmo contando com a liderança na pista de Marinho Camargo, surpreender os adversários. 

 

Os treinos antes da prova tiveram seus percalços, com alguns pontos do asfalto recém colocado tendo que ser refeitos. Mas nada comparado aos problemas dos pilotos lusitanos com seus carros demorando a ser liberados no porto de Santos. Depois de muita luta, quando conseguiram finalmente ir para a pista, um dos Lotus 47 apresentou problemas. Os pilotos tiveram que fazer o reconhecimento da pista em um carro de passeio e encarar os 8 Km de Interlagos numa prova de longa duração com este tipo de improviso não era nada que os agradasse. 

 

 

Sem ter os carros mais rápidos, diante de tanta concorrência com "fortes cavalarias", os Bino Mark I tinham que usar da estratégia.  

 

Eram cerca das 21 horas do sábado, 02 de dezembro, quando foi dada a largada – no estilo Le Mans – das IX Mil Milhas Brasileiras. Mesmo sem ter feito o melhor tempo nos treinos, Wilsinho Fittipaldi assombrou a concorrência com o tempo de 3 minutos e 30 segundos, estabelecido logo na segunda volta (nos treinos ele marcara 3m32.4s e Emerson 3m31.8s, pulverizando o recorde da pista que datava de 1957 – 3m37.0s – de Ciro Cayres). Se dependesse de velocidade apenas, seria muito difícil algum competidor superar o Fitti- Porsche...  

 

Mas como uma corrida de mil milhas requer tempo, resistência e paciência, a velocidade pura e simples não seria garantia de vitória. Ubaldo Lolli com a Alfa GTA os seguia de perto e chegou mesmo a liderar, contudo, as Alfa Romeo, que sempre se saíram muito bem em provas longas, desta vez não repetiram a performance. As Alfas oficiais da equipe Jolly terminariam fora dos 10 primeiros. 

 

 

Nos treinos para a corrida, o Fitti-Porsche voou nos 8Km de Interlagos e marcou o melhor tempo de classificação. 

 

Possivelmente atraído pela eletrizante prova do ano anterior, o público que compareceu à Interlagos para a edição das Mil Milhas de 1967 foi bem maior que o esperado, no sentido oposto do policiamento parecia ser menor e multidão sem policiamento suficiente é combustível para problemas... e eles aconteceram! Nem mesmo diretores do Centauro Motor Clube como Antônio Antero escondiam seus sentimentos: “Em nove anos de mil milhas, nunca vi organização mais mal feita”, disse o dirigente. 

 

Se a organização dissesse respeito apenas ao controle do público já seria um problema grande a ser resolvido, mas quando o problema do público começa a afetar o andamento da prova a situação passa se tornar perigosa... na verdade insustentável. Com pouco mais de uma hora e meia de prova a carretera Ford de Nelson Marcilio foi alvejada por uma saraivada de pedras... e pedras grandes, algumas de tamanho considerável, quando contornava a curva do pinheirinho. O piloto teve a clavícula fraturada!

 

 

Durante a noite, com pouco tempo para treinar e conhecer a pista, os portugueses sofreram com as dificuldades de Interlagos. 

 

O asfalto de Interlagos, mesmo tendo sido refeito, continuou a apresentar os mesmos problemas de sempre, com a camada asfáltica “esfarelando-se” e acumulando detritos fora do “trilho”. Segundo os pilotos da época, além de ser um verdadeiro ‘sabão’, quando se colocava alguma roda fora do “trilho”, as pedras eram lançadas em qualquer direção. Não eram raros os parabrisas quebrados atingidos por estas pedras. 

 

Alguns pilotos, numa atitude necessária, mas arriscada, nas primeiras voltas, quando os carros estavam mais próximos, em determinados pontos do circuito, em especial na parte de baixa, tiravam uma mão do volante e escoravam o parabrisas para “absorver” os impactos destas pedras que margeavam a parte da pista que os carros passavam. 

 

 

Durante a prova, acidentes e enroscos aconteciam, mesmo sem ser disputando as primeiras posições, ninguém aliviava o pé. 

 

Um dos “petardos” atingiu a clavícula esquerda do piloto, que fez um enorme esforço para chegar aos boxes. A equipe e principalmente o outro piloto da dupla, José Peixinho, estavam revoltados. Nelson Marcilio foi levado para um hospital onde foi constatada a fratura, enquanto, na prova, José Peixinho continuou na prova tendo como companheiro Donato Malzoni. Enquanto isso, Eloy Gogliano dizia que “aquilo acontecia em todas as provas”...  

 

O problema da “chuva de pedras” não foi uma exclusividade dos portugueses... O Fitti-Porsche também sofreu com as pedras, tendo parado duas vezes para trocar o parabrisas. O problema parecia ser tão grave que foi pedido que policiais da força pública fossem investigar – em vão – para verificar, localizar e prender possíveis desordeiros que poderiam estar jogando pedras na pista ou mesmo nos carros. Apesar das buscas, nada foi comprovado e ninguém foi preso. 

 

 

Aylton Varanda, ao lado de seu KG-Porsche, exDACON, lamenta pelo acidente sofrido. Interlagos era perigoso e traiçoeiro. 

 

Pouco antes da meia noite, Wilsinho encosta... um pouco distante dos seus boxes, sem gasolina! O “Tigrão” desce e empurra o carro enquanto os mecânicos correm com galões de combustível em sua direção. O time perdeu tempo, mas a liderança ainda era deles. Porém, a parte mais cruel das Mil Milhas Brasileiras costumavam ser as madrugadas... e esta edição não seria diferente. 

 

Começa a madrugada e José Carlos Pace chega ao Box com o carro bem avariado. Anísio campos ainda insistiu em continuar, deu uma volta com o carro, mas teve que render-se e desistir também. A dupla do Rio foi outra que ficou pelo caminho quando Varanda capotou o KG-Porsche. Quem também ficou pelo caminho foi a carretera 18, de Camillo Christófaro e Eduardo Celodonio, vencedora do ano anterior. Outro que também ficou de “rodas para o ar” foi Fritz Jordan e seu Volkswagen... ao menos conseguiram desvirar o carro e continuar, apesar de Fritz ter machucado o pé no acidente. 

 

 

Com constância e sob a orientação de Luiz Antônio Greco, os Bino Mark I Amanheceram o domingo nas primeiras posições. 

 

O sonho de vitória dos Fittipaldi acabou por volta das três horas da manhã, quando um princípio de incêndio fez lamber as labaredas no Fitti-Porsche, que conseguiu chegar aos boxes. Controlado o incêndio, Wilsinho ainda tentou voltar para a prova, mas o carro não tinha mais condições. Quem andava rápido e constante era o Mark I de Luizinho e Terra Smith. Bird Clemente e Marivaldo Fernandes enfrentavam alguns problemas e iam ficando para trás. 

 

Na madrugada, além da costumeira cerração, veio também a chuva e uma imagem chamou a atenção: enquanto todos buscaram abrigo, o chefe da equipe Willys – já com apoio da Ford – Luiz Antônio Greco continuava próximo à linha que separava a pista dos pits e fazia seus sinais para os pilotos que estavam na pista. A chuva persistiria até o final da prova. 

 

 

Em dois momentos, acima e abaixo, a mesma cena: A chegada, com Eloy Goliano dando a bandeirada para Terra Smith. 

 

 

Pela manhã, Luizinho e Terra Smith lideravam, seguidos dos portugueses e do outro Mark I. Na volta 180, o Lotus 47 de Carlos Santos e Luis Fernandes acabou abandonando por um problema de suspensão. Os portugueses ficaram um tanto frustrados, pois achavam que poderiam alcançar os lideres. De uma forma geral os portugueses gostaram do país, mas fizeram um sério alerta para as condições de competição: criticaram duramente a organização, a demora na liberação dos carros no porto e finalizaram dizendo que se o Brasil quisesse mesmo internacionalizar seu automobilismo precisaria melhorar Interlagos (parece que estamos ouvindo coisas assim ainda hoje...). 

 

Como toda prova de longa duração, algumas baixas e percalços sempre acontecem. O KG-Porsche de Moco e Anísio não durou muito tempo e dos Mark I, o de Bird e Marivaldo acabou perdendo 19 minutos nos boxes e isso foi fatal para as pretensões de vitória da dupla. No final, quando estavam em segundo, ainda viram o Porsche 911-S dos portugueses Manuel Nogueira e Andrade Vilar tirar duas voltas de desvantagem e por pouco não os alcançarem. Os portugueses talvez tenham sido cautelosos demais na primeira metade da prova e, com isso, podem ter perdido a chance de vencer. 

 

 

No final da prova, Luiz Antônio Greco entre seus pilotos (Marivaldo, Bird, Luizinho e Terra-Smith). Dobradinha da Willys. 

 

Tirando os problemas do Mark I Nº 22, os carros da Willys mostraram estar preparados para vencer, balanceando velocidade, resistência e estabilidade. Surpreendentemente, Luizinho e Terra Smith sequer trocaram pneus durante a prova. As paradas foram para troca de pilotos e abastecimento. No final, com as ordens de Greco à beira da pista, os carros amarelos cruzaram a linha de chegada em formação, numa sensacional dobradinha, que foi imortalizada em uma aquarela, com o presidente do Centauro Motor Clube, Eloy Gogliano, dando a bandeirada para os carros amarelos. 

 

A prova marcou de forma definitiva a chegada da modernidade, virando a página das poderosas carreteras que dominaram as provas de Mil Milhas em São Paulo (até 1967, apenas em uma ocasião elas não venceram, quando Chico Landi e Christian Heins triunfaram com um JK-FNM, em 1960). Aquele foi o último ano que uma destas verdadeiras usinas de força artesanais tiveram chances de vencer, com Camillo Christófaro e Eduardo Celidonio, vencedores do ano anterior. 

 

 

No pódio, os xarás posam para os flashes dos fotógrafos e diante do imenso público que comparecia sempre às provas em Interlagos. 

 

Uma nota triste: O Lotus Cortina de Antônio Peixinho e Augusto Palma, que abandonou a prova na madrugada quando estava na 6ª posição e foi encostado entre as curvas 1 e 2 foi simplesmente saqueado e depredado. Uma vergonha! Depois desta prova, Interlagos ficou fechado para reformas e só voltou a reabrir em 1970. 

 

 

Fontes: Revista Quatro Rodas; Revista Autoesporte; Jornal Folha de São Paulo; Agência Estado; Revista Manchete; site Obvio; CDO.

 

Last Updated ( Thursday, 06 October 2011 02:43 )