Ave Marchionne Print
Written by Administrator   
Wednesday, 25 July 2018 22:23

Caros Amigos, o tema da coluna desta semana não poderia deixar de ser o falecimento – e as implicações relativas a este – se Sergio Marchionne, o “presidente de tudo”, pelo menos para os tiffosi, o homem mais importante da Itália.

 

Antes de entrar na análise de tudo que implicará neste período que está vindo pela frente para todo Grupo FIAT e dentro dele, a Ferrari, é preciso lembrar que se trata de um ser humano. Com uma vida pessoal, família (Marchionne deixa esposa e dois filhos), certamente anseios e assuntos pessoais que talvez passassem longe do seu meio de trabalho. Amado por uns, odiado por outros, faço uso das celebres palavras de Getúlio Vargas: Sergio Marchionne deixa a vida para entrar para história.

 

Desta feita, sem longos prólogos, é preciso tentar entender as consequências desta mudança de comando que, pelo menos aos olhos do grande público e da mídia em geral, não parecia estar desenhada para acontecer em 2018, ou mesmo para os anos próximos que se seguiriam. Macabramente, talvez a forma como os fatos se desenrolaram – de forma rápida – e a época do ano, com a Fórmula 1 prestes a entrar em férias, possam ajudar o processo de “gerenciamento interno”, ao menos no que diz respeito a Ferrari.

 

Lembro-me bem de quando Sergio Marchionne assumiu a presidência da FIAT Chrysler Automobiles (FCA). Se alguém merece ser chamado de visionário e audacioso, ambos os adjetivos lhe caiam bem. Em 2004 ele assumia a presidência do Grupo FIAT e em 2009, em meio a crise deflagrada pelo estouro da bolha imobiliária nos EUA, avançou em território norte americano para a assumir o controle do Grupo Chrysler, que em pouco tempo estava novamente com saúde financeira. Advogado por formação, estabeleceu-se como um dos homens mais fortes da indústria automobilística mundial.

 

Quando assumiu a presidência do Grupo FIAT, a Ferrari estava no auge. Imbatível com seu super piloto, Michael Schumacher, e um staff de primeira linha com Jean Todt (hoje presidente da FIA), Ross Brawn (hoje executivo do Grupo Liberty Media), Rory Bryne, entre outros. Uma legião estrangeira comandava o bom funcionamento da equipe que continuou sendo eficiente até 2008, disputando títulos.

 

Para muitos – eu entre eles – a Ferrari não conseguia vencer “por ter italianos demais”. Os “anos Schumacher” passaram uma (falsa?) impressão de que os italianos tinham muita paixão e pouca eficiência. Na hora do “vamos ver”, como costumava narrar o impagável Silvio Luiz, “desandava o molho da macarronada”! Mas seria isso mito ou verdade?

 

Enquanto Luca di Montezemolo foi presidente da equipe, mesmo nos “anos pós-Schumacher” e depois, nos “anos Alonso”, a política de ter estrangeiros nos postos chave da equipe continuou em prática, mas os resultados não vinham e, quando o regulamento da Fórmula 1 mudou em 2014, o que se viu foi um domínio absurdo da Mercedes diante de uma impotente Ferrari.

 

Marchionne entrou em rota de colisão com Montezemolo, que acabou demitido e ele, Marchionne, acumulando a presidência da Ferrari. Trouxe para ser chefe da equipe Maurizio Arrivabene, que era um executivo da área de marketing na parceira até hoje, Phillip Morris, dona da marca Marlboro, que mesmo com a proibição de patrocínio exposto nos carros da Fórmula 1, continua patrocinando a equipe e menos de dois anos depois, sem ver resultados saindo da fábrica, demitiu o engenheiro James Allison e deu uma ordem expressa: para 2017 o carro deveria ser projetado por italianos, de preferência jovens e “crias da casa”.

 

Dentro do seu modelo de gestão para o grupo, designou como novo diretor técnico o suíço Mattia Binotto, cuja maior responsabilidade, até então, havia sido gerenciar a parte administrativa das unidades motrizes, nem mesmo técnica.  Na área comercial, a Ferrari cresceu, produzindo hoje mais de 8 mil carros por ano. O outro homem forte do grupo é “sangue da casa”: John Elkann, 42 anos, já chefe executivo (CEO) do Grupo de Investimento Exor, controlado pela família Agnelli e sócio majoritário, por exemplo, da Ferrari e do clube de futebol Juventus, de Turim. Ambos com uma característica em comum: tem um perfil mais moderado, um contraponto ao estilo explosivo de Marchionne.

 

Este estilo explosivo era bem entendido e não muito digerido pelo Grupo Liberty Media. Marchionne fez mais de uma ameaça de deixar a Fórmula 1 ao fim do “Pacto da Concórdia”, que expira no final de 2020 e vinha sendo um duro opositor as mudanças que Chase Carey e seus diretores desejam implementar na próxima década, transformando a categoria em algo com menos discrepâncias entre equipes grandes e pequenas. O que acontecerá com o time de F1 sem a presença de Marchionne e sua postura incisiva e sem papas na língua nas negociações com os novos donos dos direitos comerciais da Fórmula 1 é apenas umas das perguntas sem resposta até o momento.

 

Uma coisa que, pelo menos aos olhos do grande público não vinha sendo falado, era algum movimento em termos de um processo sucessório dentro do FIAT Chrysler. Um reflexo disso, talvez, fosse a posição de protagonismo de Marchionne contra os planos de mudança di Grupo Liberty Media. As havia alguma ação neste sentido, parecia estar trancada a sete chaves, algo pouco comum em tratando-se de Itália.

 

O que temos até o momento? O Conselho do Grupo FCA determinou que o neto de Gianni Agnelli, falecido em 2003, principal acionista do Grupo Fiat, John Elkann, 42 anos, já chefe executivo (CEO) do Grupo de Investimento Exor será o novo presidente da empresa Ferrari. Louis Carey Camilleri, 63 anos, egípcio de nascimento, mas de origem italiana, será o novo diretor geral da equipe de F1. Marchionne assumia as duas funções, presidente da empresa e diretor da equipe. Quanto a Maurizio Arrivabene, diretor da equipe, abaixo apenas de Marchionne, e agora de Elkann e Camilleri, corria pelo paddock rumores que Marchionne não estava mais tão satisfeito com o desempenho de Arrivabene e sua substituição era tida como praticamente certa, junto com Kimi Raikkonen, com a transferência de Charles Leclerc para fazer dupla com Sebastian Vettel em 2019. Será que estas mudanças serão postergadas?

 

É fato que, diante de uma mudança não programada deste tamanho na alta esfera do grupo como um todo, seria o caso promover mudanças dentro da equipe de Fórmula 1? A resposta para esta pergunta e outras tantas – por isso disse que tudo ocorreu num momento providencial do calendário, às vésperas das férias – pode vir apenas no retorno da categoria em Spa-Francorchamps. A Ferrari tem uma “tradição” de fazer anúncios sobre a temporada seguinte no final de semana do GP da Itália, que acontecerá no início de setembro, uma semana depois do GP da Bélgica.

 

A única certeza que tenho nisso tudo é quem mesmo sem ter levado a Ferrari a um título na Fórmula 1, Sergio Marchionne escreveu seu nome com letras maiúsculas na história da Scuderia. Ave Marchionne!

 

Um abraço e até a próxima,

 

Fernando Paiva