A sobrevalorização pode criar heróis ou mentiras? Print
Written by Administrator   
Wednesday, 31 March 2021 20:52

Caros Amigos, muitas vezes em nossas vidas somos impressionados – ou levados a nos impressionar, conforme algo nos é apresentado – por fatos, feitos, dados, as vezes sobrevalorizados, as vezes excessivamente difundidos.

 

Há muito tempo, aqui nesta nossa conversa semanal das quintas-feiras (peço desculpas, mas não lembro a data em meio as minhas mais de 460 colunas), escrevi sobre aquela que se passou a chamar de “a maior primeira volta de todos os tempos”, quando Ayrton Senna fez, em 1993, aquela fantástica primeira volta, com pista molhada, largando da 4ª posição e tomando a ponta sobre as duas Williams antes de cruzarem a linha de chegada.

 

A coluna que escrevi à época foi sobre a fantástica primeira volta de Jim Clark no GP da Bélgica de 1963, ano da conquista de seu primeiro título, sob chuva, largando na 8ª posição, não tomou conhecimento dos adversários à sua frente e em 150 metros, com uma largada espetacular, tomava a liderança de Graham Hill, completando a volta – de 14,1Km – 4,5 segundos à frente do segundo colocado.

 

Qual terá sido o maior feito? Praticamente não há imagens da estupenda corrida do escocês, que venceu a corrida com quase 5 minutos de vantagem sobre Bruce McLaren, a poucos metros de colocar uma volta sobre ele (sem as inúmeras paradas nos boxes e trocas de pneus vistas na corrida de Donington Park). Mas da corrida de 1993, não faltam imagens e elogios à performance do piloto brasileiro, apesar de um outro brasileiro, Rubens Barrichello, ter saído da 12ª para a 4ª posição na mesma volta. E mesmo em 1993, não há imagens desta fantástica volta do então novato, Barrichello, para que seu feito receba os merecidos aplausos.

 

No último final de semana, tivemos a estreia oficial do japonês Yuki Tsunoda, 3° colocado da temporada de F2 em 2020, piloto que conta com irrestrito apoio da Honda e que, graças a isso, assumiu um lugar na equipe Alpha Tauri, que usa as unidades de potência japonesas. Com um carro que se mostrou bem competitivo no final de semana, não faltaram elogios ao jovem piloto japonês, tanto na imprensa nacional como na internacional.

 

Nas entrevistas que deu, o piloto mostrou muita personalidade e articulação (frutos de um bom media training, segundo aprendi), mas sua performance de pista rendeu tantos elogios, inclusive com o enaltecimento de que ele havia marcado 2 pontos em sua estreia com o 9° lugar, que me fez voltar no tempo e ir buscar a performance de um outro estreante, que era visto como prodígio pelo seu chefe de equipe. Em sua estreia, terminou a corrida em uma respeitosa 8ª posição, que se tivesse o mesmo critério de pontuação atual, teria marcado 4 pontos em sua corrida de estreia na categoria. Aos estimados leitores que ainda não identificaram este prodigioso piloto, vou apresentá-lo: Emerson Fittipaldi!

 

Assumir um cockpit de um F1 aos 23 anos de idade em 1970 era como chegar aos 18 anos (ou menos) nos dias de hoje. E se considerarmos que apenas 15 meses antes ele estava fazendo sua primeira corrida na FFord na Inglaterra, só aumenta o seu feito. A corrida de estreia foi em Silverstone e Emerson não estava ao volante de nenhum grande carro: o Lotus 49 havia sido lançado em 1967 e a versão C que ele pilotou, em 1968. Apenas para comparar, a diferença de tempo do Pole Position – Jochen Rindt – e Emerson Fittipaldi, o 21° no grid, foi de 3 segundos. Rindt estava com o Lotus 72C. No final das quase 2 horas e 80 voltas de corrida, Emerson Fittipaldi foi o 8º colocado.

 

Duas semanas depois, na primeira corrida da categoria em Hockenheim, Alemanha, novamente ao volante de um Lotus 49C, Emerson Fittipaldi foi o 13° no grid de 21 que largaram para a corrida, com uma diferença de 2,5 segundos para o pole position, Jacky Ickx, da Ferrari. Após 50 voltas, em uma hora e 42 minutos, o brasileiro foi o 4° colocado, 1 minuto e 55 segundos atrás do vencedor, mas na mesma volta do líder. O 5° colocado terminou como retardatário.

 

Será que estes feitos iniciais de Emerson Fittipaldi tiveram o mesmo furor que a imprensa mundial e até mesmo a nossa, no Brasil, teve em relação ao feito de Yuki Tsunoda no último GP do Bahrain? A F1 não era transmitida pela televisão para o Brasil, mas a cobertura das revistas Quatro Rodas e Autoesporte dedicavam várias paginas à categoria. Pilotos estrangeiros que não fossem os pilotos de ponta não tinham tamanho destaque dado ao piloto japonês.

 

Assim como no exemplo ilustrativo entre Jim Clark e Ayrton Senna, onde feitos de primeiras voltas não tem como serem comparados, uma vez que temos poucos recursos para ver o feito do piloto escocês. Da mesma forma, não devemos diminuir ou questionar o o talento de Yuki Tsunoda, mas também não podemos sobrevalorizá-lo. O exemplo – pouco lembrado ou totalmente esquecido – das primeiras corridas de Emerson Fittipaldi na F1 deveriam ser um bom parâmetro para isso.

 

Um abraço e até a próxima,

 

Fernando Paiva