Saudações D’Além Mar! Já sabíamos de antemão que a temporada de 2014 seria diferente, onde passaríamos dos V8 de 2.4 litros para os V6 Turbo de 1.6 litros, e também sabíamos que os carros de Formula 1 seriam diferentes, com o bico mais baixo e um aumento de peso, devido ao novo conjunto propulsor, mas as decisões do passado dia 14, no conselho da FIA, liderados por Jean Todt, tiveram um efeito de choque. Mais do que reduzir o peso do combustível a cem quilos, ou do numero de motores para cinco ao longo da temporada, o que mais chocou os puristas foi a introdução de uma norma que faz com que a última corrida do ano tenha os pontos a dobrar em relação às corridas anteriores. Em contraste, a fixação dos números por parte dos pilotos teve vasta aprovação por parte dos fãs. Ao longo dos dias, ouvi as reações a essa medida. Soube por parte do Helmut Marko que a proposta inicial contemplava as últimas quatro corridas do ano, e também soube, através de uma noticia da Autosport britânica, que a proposta teve uma aprovação quase unânime por parte das equipas, incluindo a Ferrari, que agora, com o novo Acordo da Concórdia, têm o poder de veto. No passado dia 20 de dezembro, enquanto recvebia alguns elementos da imprensa, Luca di Montezemolo, o presidente da Ferrari, afirmou que o poder de veto não deveria ser usado para questões como essas. Mas deixou o aviso de que era uma regra que estaria sujeita a revisão a partir de 2015. Jean Todt e Bernie Ecclestone: um casamento de conveniência com o poder de veto da Ferrari? Mistura explosiva. Francamente, ao ler este tipo de regras, leva-me a pensar na “nascarização” da Formula 1. E provavelmente mais um prego no caixão daquilo que outrora foi a formula 1: uma categoria onde a competitividade entre todos existia, e onde era a melhor montra (Nota do site dos Nobres do Grig: montra=vitrine) da tecnologia, onde as marcas, fossem garagistas ou construtoras de automóveis, poderiam competir entre si e ganharem. Ou não. Hoje em dia, pode-se ver que a Formula 1 é uma competição crescentemente artificializada, e com uma restrição nas regras de tal forma que se está a chegar a uma padronização dos chassis. É diferente de uma IndyCar, onde todos os chassis são fornecidos pelo mesmo construtor, deixando às equipas a escolha do seu propulsor. Mas o “olhar americano” veria mais isso, caso viesse da boca ou da mente de Bernie Ecclestone, mas não de Jean Todt. Para mim, seria uma das últimas pessoas a ver tal coisa. E esta “nascarização” da Formula 1 acontece numa altura em que esta vive um novo domínio de um piloto e de uma equipa, respectivamente, Sebastian Vettel e a Red Bull.
O sonho de Bernie é ver a F1 nas ruas e avenidas de NY. Na falta, Nova Jersey e a vista de Manhattan serve, por enquanto. O problema destas alterações de regras a cada cinco ou dez anos é que, mais do que confundir o espectador mais habituado a isso, é uma desvirtualização da Formula 1 que já vêm desde 2003, o ano em que alteraram o sistema de pontos, ao alargar dos seis primeiros para os oito primeiros, passando em 2010 para os dez primeiros. É certo que o sistema de pontuação necessitava de alterações, pois não era mudado desde 1960 – à excepção do ponto a mais dado ao vencedor em 1991 e a retirada do sistema de descartes – mas desde então, o sistema mudou demasiadas vezes para o gosto do fã mais conservador. É certo que os carros se tornaram mais resistentes, logo, mais carros chegam ao fim, mas “dar pontos a todos” como se faz na IndyCar, é demasiado. E a história dos “pontos a dobrar” faz com que, pela primeira vez em 64 temporadas, se viole o principio da igualdade entre corridas. Ao colocar uma corrida acima das outras, em nome do espectáculo e da “emoção dos espectadores”, faz diminuir os outros, e isso não cai bem nos organizadores, que já têm de dar imenso dinheiro a Bernie Ecclestone para conseguir manter a sua corrida do calendário. Acaso os espectadores foram consultados? Não me parece. O que quero dizer que sou terminantemente contra esta desigualdade. E não digo isto por a corrida final ser na modorrenta Abu Dhabi. Continuaria a ser contra mesmo que fosse nas ruas do Mónaco ou no Autódromo de Monza, a casa da Ferrari. E o resultado que desejam alcançar pode sair pela culatra: se Sebastian Vettel ou outro piloto tiver um avanço de 40 ou 49 pontos antes da corrida de Abu Dhabi, basta-lhe arranjar os pontos suficientes para conseguir o campeonato. Se todos recebem pontos a dobrar, o propósito é inútil, mesmo que dêm mil ou dois mil pontos ao vencedor. É uma regra idiota a inútil, e faz com que os espectadores se afastem deste desporto. Acho que esta mais recente regra é o resultado da obsessão de Jean Todt e de Bernie Ecclestone pela televisão e pelos Estados Unidos. No caso de Bernie, parece que regressou aos anos 70 e 80, quando chegou a ter três provas nos Estados Unidos, com decisões do mundial a acontecerem em parques de estacionamento de casinos, na obsessão de atrair americanos, ou quando decidiu marcar corridas no Texas e no Arizona em pleno mês de junho, quando viu asfalto a derreter ou meia dúzia de heroicos fanáticos, aguentando temperaturas superiores a 35 graus para ver os caros de formula 1 a passar nos centros de cidades como Dallas, Detroit ou Phoenix. A históiria de New Jersey, que a cada dia que passa se vê que não tem pernas para andar, mas que Ecclestone insiste em facilitar o mais possível, porque há mais de 30 anos desdja ver os carros de Formula 1 com Nova Iorque como pano de fundo.
Durante anos a F1 correu nos EUA sob o forte calor do verão no deserto. Um desgastante desafio para carros e pilotos. Sabemos há muito que Ecclestone deseja transformar a Formula 1 num circo. E a FIA há muito ajuda nisso, equilibrando artificialmente a competição, mas creio que desta vez, estão a ir longe demais. Mas não pensei que Todt e as equipas ajudassem Ecclestone nessa causa. Esperaria uma maior resistência, para ser franco. E para mim isto pode ser mais um prego no caixão. Alienando os espectadores deste desporto, poderão estar a enxotá-los para outras modalidades. E existem no horizonte várias ameaças a pairarem sobre eles. A Endurance, com o seu “ressuscitado” Mundial, poderá ser um bom magneto, e ainda não sabemos qual vai ser o impacto que a Formula E, movido a eletricidade, poderá ter nos espectadores. Em ambos, o potencial de ameaça à Formula 1 poderá ser grande. Desde Portugal, desejo-vos a todos um Feliz Natal e um ótimo ano de 2014. Que seja o mais automobilístico possível! Paulo A. Teixeira |