Ainda hoje, quando se fala o nome de Paulo de Tarso no paddock dos principais eventos de automobilismo do país, muita gente lembra da vitoriosa equipe Action Power, capitaneada por este expiloto curitibano e que virou cinzas num trágico evento na BR 116, onde o caminhão e todo o material da equipe pegou fogo devido a uma falha nos freios da carreta que retornava para a capital paranaense. Paulo sentiu o golpe. Por um momento abandonou as pistas brasileiras e até mesmo o país, indo para os Estados Unidos. Mas o alto nível de octanagem do sangue que corre em suas veias falou mais alto e, com o impulso dado por seu filho caçula, Thiago, este decano do automobilismo paranaense e brasileiro voltou ao cenário do automobilismo nacional com a Sprint Race, uma categoria criada nas instalações da Action Power e gerida por Thiago Marques nos concedeu esta entrevista exclusiva. NdG: Quem é Paulo de Tarso? Paulo de Tarso: Eu sou um curitibano de 60 anos, casado com a Célia há 38 anos, pai de três filhos, sendo dois pilotos (um deles chegou à F1, o Tarso) e, como tantos curitibanos, não me acho ninguém especial e que se interessou por automóveis e automobilismo nem sei bem porque. Tanto que eu comecei no automobilismo tarde, com 23 anos, faltava condição financeira. Eu tinha um carro e era financiado! Durante a semana eu usava ele pra trabalhar e no final de semana, colocava o ‘santantônio’, que era um arco, fácil de colocar e tirar, tirava bancos, parachoques e o escapamento, pintava o numero com tinta de parede e ele virava carro de corrida. Lá ia eu com a d. Célia e o Tarso, ainda no ‘moisés’, para o autódromo. Era uma época bem diferente do que é hoje... NdG: A gente começa no automobilismo mesmo é como fã... e o que foi que tirou você da frente da televisão, da arquibancada ou dos barrancos em volta das pistas para vir aqui pra dentro? Quando eu comecei a correr eu já tinha mais de 20 anos, já era casado. Eu comecei muito tarde. Nem sei o que me trouxe pra cá. Paulo de Tarso: Sinceramente? Não sei! É indescritível. Teve uma época na adolescência em que eu fiquei doente, com um problema no pulmão e fiquei internado 6 meses num hospital que ficava ali, onde tem aquela igreja, uns 300 metros daqui do autódromo de Pinhais, e eu via de lá os carros passarem nas carretas para vir treinar... e eu fugia do hospital para ver os treinos! Eu fui expulso do hospital! (risos) Um troço que eu tinha que ficar repousando. Depois que saí de lá, eu e os amigos para vir para o autódromo pegávamos o trem e saltávamos antes da passagem do rio e, atravessávamos o rio que passa lá trás, para entrar sem pagar ingresso. Depois eu fui na federação e consegui ser bandeirinha. Aí era diferente... eu vinha na Kombi dos bandeirinhas. Quando eu consegui comprar meu carro foi então que vim pra pista. NdG: Você viveu, por assim dizer, três vidas relacionada às pistas: a primeira que te levou a ser piloto, a segunda, como pai de piloto e a terceira como empresário, dono e chefe de equipe de sucesso. Como foi esta passagem entre as vidas e o que você extraiu delas? Paulo de Tarso: Eu vivi duas vezes a trajetória de pai de piloto. Primeiro foi com o Tarso [Marques, que correu na Minardi com Fernando Alonso], que cumpriu todo o processo de formação, do kart até o topo que é a Fórmula 1. Um dia ele chegou e falou que queria um kart. Eu estava decidido a não entrar nessa e coloquei o Tarso em tudo que foi esporte. Judô, natação... mas ele só falava em kart. Daí eu falei pra ele que ele teria que arranjar patrocínio, que eu não iria bancar aquilo. Ele perguntou como poderia fazer isso e eu dei pra ele uma lista com o nome de um monte de empresas, de amigos para ele tentar arranjar patrocínio... ele foi e conseguiu! Fez um kart que tinha um monte de patrocínios e correu por três ou quatro anos. Eu vi que ele levava jeito e para dar o próximo passo eu comprei dois F. Chevrolet para fazermos uma equipe. E o esquema era profissional, com uma equipe dentro e uma fora das pistas, que seguiu para a Fórmula 3, depois para a F3000 e levou Tarso à F1. NdG: Essa equipe montada para o Tarso, com os monopostos da F. Chevrolet, foi o surgimento da Action Power? Paulo de Tarso: Não. Eu corria no brasileiro de marcas e pilotos nos anos 80. Quando o brasileiro de marcas acabou, eu criei uma categoria aqui no Brasil, que acho que existe até hoje, a F-180, que depois tornou-se a F-200, que era um kart com marchas. Foi uma criação minha. Trouxe um kart da Itália e usamos como base. Depois usamos os karts que fizeram a Superkart. Pegamos o material que sobrou, colocamos um motor de moto – Agrale – e câmbio. Chegamos a fazer corridas em estacionamentos de shopping para 10/15 mil pessoas. Em 86 eu fui assistir uma corrida da Stock e, na volta, conversando com um amigo, o Oscar Chanosky, piloto, e decidimos investir na montagem de uma equipe. O Chanosky comprou três caminhões que iriam rodar e gerar renda pra manter a equipe. Eu contratei o Meinha [Rosinei Campos, hoje dono da RC Eurofarma e da RCM] e estruturei a equipe. O negócio dos caminhões não deu certo e eu segui com a equipe, que estreou em 87 e fiquei com ela até 93 como piloto, que foi quando o Tarso começou a correr e eu precisava acompanhá-lo. Aí eu parei de correr e a equipe continuou com outros pilotos e eu me desfiz da equipe em 98, quando dominávamos a categoria, e eu dividi a equipe entre o Meinha e o Jorge. Voltei em 2001, pois ainda tinha um carro e o Thiago pediu para dar umas voltas, depois pediu pra fazer um dia inteiro de treino e aí deu no que deu (risos). Nos reestruturamos, a coisa foi se profissionalizando novamente até chegar no platamar que chegou, de ser campeã, uma das maiores da categoria, até 2008. NdG: E tudo aquilo acontecer, do jeito que aconteceu, em 2008... não foi só uma perda patrimonial, foi também uma perda psicológica, não? Na minha adolescência, fiquei internado num hospital perto do autódromo de Pinhais. Eu fugia pra ver os carros treinando. Paulo de Tarso: Foi. Aquilo abalou muito. A gente tinha um trabalho de 20 anos, foi muita dedicação, muito capricho e chegamos num nível de qualidade excepcional e não era o dinheiro por si só que fez a equipe ficar como ficou, foi o trabalho, o prazer de fazer e fazer ficar bonito. Não é como algo que você compra e já vem pronto, mas algo que você construiu e ver tudo virar cinzas... NdG: Você largou tudo, fez umas declarações bem duras na época, foi embora do país... e o que te trouxe a voltar a mexer com automobilismo novamente, a se envolver não apenas com uma equipe,mas com uma categoria inteira? Paulo de Tarso: Eu cheguei mesmo a nem vir ver corrida, nem as dos meus filhos... era uma coisa ruim, né? Eu que sempre os acompanhei, principalmente o Tarso e o Thiago ficou “meio órfão” nessa pois ele ainda estava na Stock e quem ia a uma corrida ou outra era a mãe. Eu cheguei a conversar com ele, dizer que não sentia mais prazer em estar ali. Eu só voltei porque estes carros estavam encostados na oficina há quase 5 anos e o Thiago um dia chegou pra mim e falou: Pai, vamos colocar estes carros pra funcionar, fazer uma categoria e aí nasceu a Sprint Race e ele me pediu a cooperação técnica daí eu comecei a me envolver novamente, passei a vir de Miami com frequência pra cá. NdG: A Sprint nasceu da base que era a Super Megane? O que foi aconteceu, ou não aconteceu, na época? O carro era lindo e tinha tudo pra fazer sucesso... Paulo de Tarso: Tinha mesmo. A Renault encomendou o carro e nós fizemos o carro e estava tudo pronto, tudo testado, quando apareceu o André Ribeiro (expiloto da F.Indy) que era da empresa que promovia as corridas da Renault, a PPD. Aí ele veio com a ideia de que a categoria deveria ser só pra piloto top, com 15 pilotos de alto nível, que corressem na Stock ou fora do Brasil, etc. E aí deu errado! Piloto top não vai correr atrás de patrocínio para correr numa categoria monomarca. Ele quer ganhar dinheiro e aí não saiu a categoria, porque em outros países tinha quem bancasse, aqui não tinha. Daí, no segundo ano, quando já seria sem essa restrição de pilotos, a Renault estava mudando a linha Megane, e o design do carro ia ficar defasado daí mudou-se a estratégia. Como já existia a categoria Clio, que era o carro que mais vendia e que a gente já fazia a copa Clio, partiu-se para criar o “Super Clio, que era nesse formato, motor traseiro, 2 litros, com 180 cv. Fizemos 1 ano e aí a Renault não renovou com a PPD, do Pedro Paulo Diniz, e a Renault parou com tudo: com a F. Renault, com a Copa Clio, que tinha 40 carros, e com a Super Clio. O trabalho está indo bem, para 2014 vamos mudar o motor, vai ser u motor V6 da Captiva, que gera 290 cv, mas vamos trabalhar isso ainda. A Sprint é hoje uma categoria de acesso para qualquer seguimento, pois tem características de monoposto, com o piloto sentado co centro do carro Motor e câmbio atrás, chassi tubular, suspensão igual a de um fórmula, com 2 triângulos. Para um piloto que sai do kart é ótimo,porque as disputas são acirradas. O carro dá muito vácuo e se troca muito de posição e o piloto vai aprender a passar, defender, olhar no espelho, pegar vácuo, coisa que as outras categorias no Brasil não oferecem. É uma categoria com 16 corridas, 8 rodadas duplas, ao custo de 210 mil reais. Orçamento de kart na graduados A. NdG: Hoje a categoria tem 16 carros. Há planos para ampliar este grid? Paulo de Tarso: Não, mas eu explico o porque. É que só foram feitos 16 carros. O projeto é antigo e os gabaritos se perderam... não guardamos. Fazer um novo carro é muito caro, teria que se refazer os gabaritos e para fazer dois ou três carros, como tinha fila pra correr em São Paulo, não dá. Teria que se fazer uns 10 pra valer a pena, porque o primeiro custa caro de fazer, o resto a gente copia. Só que, com o automobilismo rum de grana como está, não compensa arriscar fazer um investimento assim. NdG: Você tem 40 anos no automobilismo. Viu todo um processo que veio do apoio das montadoras, de arquibancadas lotadas a hoje, pilotos ótimos sem conseguir patrocínio pra correr, montadoras fora e arquibancadas vazias. Como você vê isso? Quando eu vinha para o autódromo, vinha com os amigos de trem, descia ali no fundo, atravessava o rio e pulava a tela. Paulo de Tarso: A coisa vem mal desde os regionais. Olha o grid. Os pilotos são pais de família, gente que é até avô, com 50/60 anos... poucos jovens, quase nenhum. O pessoal mais jovem não quer mais saber de carro e de corrida. Olha os carros aí no grid: carros sucateados, modelos muito antigos. O piloto não encontra dinheiro para bancar, pra investir. Fazer um carro pra correr custa dinheiro e onde o cara vai arrumar 5 mil reais pra colocar no carro. Quem pode tirar isso do bolso se o cara é um assalariado? Mesmo quem ganha 20 mil, colocar5 do bolso pra correr? Automobilismo pode dar um bom dinheiro, se uma categoria for bem estruturada e der visibilidade. O que acontece hoje? Sem dinheiro não tem automobilismo. Se você investe um bom capital com algum patrocínio e vence, tem como conseguir mais patrocínio, investir mais e continuar andando na frente. Porque hoje a Stock está polarizada em duas equipes? São as que mais tem dinheiro! Qualquer outra pra chegar no nível delas terá que fazer um investimento muito alto. Hoje pra se ter dois carros competitivos na Stock precisa de um 5 milhões, calculo. Se você dá 5 milhões na mão de qualquer outra equipe, não vai mudar nada, porque primeiro o dono vai pagar as dívidas. Se você chega numa empresa grande, que tem departamento e verba para marketing e fala em 5 milhões os caras vão dizer que isso eles colocam num time de futebol, que aparece toda hora na TV aberta, não num carro de corrida que passa no Sportv. No caso do brasileiro de marcas, onde tem montadoras colocando dinheiro no evento, este fica na mão do promotor. As equipes tem que correr atrás de patrocínio para os carros. As equipes recebem 200 mil por carro. Consegue andar com 200 mil, não. Tem que a equipe conseguir patrocinador, que o piloto conseguir patrocinador. Por isso que não conseguem fechar o grid com 20 carros. Vai ver o patrimônio desses chefes de equipe. Não cresce, normalmente encolhe. NdG: Você tem dois filhos pilotos. Você foi um piloto que saiu da pista para o muro, para o Box, para a administração de uma equipe... é muito difícil lidar com piloto? Como você passou a ver automobilismo depois que tornou-se chefe? Paulo de Tarso: Os pilotos mais difíceis com quem eu trabalhei foram o Tarso e o Thiago... como tem a relação pai e filho fica mais difícil separa as coisas... tem-se mais liberdade pra falar as coisas, mas posso dizer que tive pilotos de temperamento bem diferentes como o Cacá [Bueno], o [Antônio] Pizzonia, o [Luciano] Burti, o Marcos Gomes, para citar alguns e sempre trabalhamos bem. Como tínhamos uma estrutura muito boa isso facilitava as coisas. O piloto cobrar da equipe um carro competitivo é normal. A equipe cobrar desempenho do piloto também é normal. Faz-se uma troca de resultados muito boa, que tem entusiasmo mutuo. A questão do temperamento é que é interessante. O Cacá é um piloto muito focado, muito meticuloso, que cobra muito, mas que também se dá muito. O Burti veio da F1, de anos correndo na Europa onde as coisas são muito profissionais e vendo o time funcionar certinho ele se adaptou rápido e muito bem. O Pizzonia é um folklore (risos), um cara divertido, brincalhão, um grande piloto, mas que por este “espírito” era um cara mais difícil de se cobrar as coisas dele, nisso aí a gente tem que achar o caminho pra chegar no piloto e conseguir que ele dê o máximo, sempre. Isso é muito interessante e o melhor disso é que todos que passaram pela equipe são meus amigos até hj. NdG: O Brasil tem mais de 20 montadoras instaladas, tem montadora que patrocina campeonato estadual de estados que mal levam 2 mil pessoas no estádio nos estaduais. Porque não patrocinar o automobilismo, onde o autódromo é um outdoor melhor do que esses campeonatos? Paulo de Tarso: Porque já fizeram isso e o resultado não foi bom. Problemas de regulamento, a CBA, que não se envolve e quando se envolve atrapalha e muito ‘picareta’ no meio que toma o dinheiro e não dá resultado. A que isso gera? Desconfiança! O automobilismo não é visto com bons olhos por conta disso. O investidor se preocupa se você está fazendo mau uso do dinheiro e da imagem dele. A CBA, que deveria fazer alguma coisa, não faz nada pelo automobilismo brasileiro. Eles só cobram inscrição e carteirinha. Faz 30 anos que está do mesmo jeito. Comissários despreparados. Não há investimento nas bases. Os clubes de kart vivem dos kartistas ao invés de fomentar a base, clubes que vivem pendurados nas federações e na CBA. Falta uma categoria de Fórmula no país pra servir de formação. Nos últimos anos sumiram 7 categorias, mas tem gente que ganha dinheiro... NdG: Quem ganha dinheiro? Quem investe no automobilismo? Para colocar 5 milhões de reais numa equipe da Stock, qualquer empresa vai optar pelo futebol. Paulo de Tarso: Você sabe quanto custa pra correr nesta categoria que está sendo chamada de “brasileiro de turismo”? 500 mil reais! Meio milhão pra correr 8 provas numa categoria que dá o que em troca? Ninguém vê, ninguém sabe que existe, corre sem marketing, num autódromo vazio. O pessoal que corria com as pickups, que já estava “morto”, teve que desmontar a estrutura, pegar os carros “novos” e correr atrás para arranjar como pagar a conta. E a VICAR faz o que por equipes e pilotos? Ela abre espaço de seus patrocinadores para os pilotos e equipes, ela “divide o bolo”? O que o patrocinador que coloca 2 milhões na categoria recebe em troca? O piloto tem que arranjar um patrocinador grande e dois pequenos. Ou eles mudam isso ou o grid vai encolher. Quem vai colocar dinheiro num lugar que não tem retorno? Sai uma linha de jornal sobre o resultado da corrida da stock car no domingo? Sai uma linha do brasileiro de turismo? Do brasileiro de marcas? Esse aí eu garanto que não sai. Antes, quando eu corria, saia notícia da Stock na primeira página. Porque não sai mais hoje? Mal se noticia automobilismo nos cadernos de esporte. Isso é falha de quem promove o automobilismo. NdG: Vocês são promotores também e onde é que os promotores estão errando? Paulo de Tarso: Vou usar um exemplo: a GT3, que tem carros maravilhosos, lindos, velozes. É muito mais bonito ver uma corrida com Ferrari, Corvette, Lamborghini do que com essas bolhas da Stock, mas veja na época que antecede a corrida se tem um cartaz, um outdoor nas ruas dizendo que vai ter corrida? Eu que moro perto do autódromo de Pinhais ouço o som dos carros na pista e não sei, tenho que ir perguntar se vai ter corrida e do quê. Eu tenho que perguntar? A Stock Car até faz uma ação promocional quase em cima da corrida, mas faz alguma coisa. Agora, se o promotor quer colocar público em seu evento, a divulgação tem que começar 10 dias antes, no mínimo. As pessoas se programam. Domingo é dia de almoço em família. Se for fazer a corrida e o fã fica sabendo em cima da hora, como vai desmarcar com mulher, filho, sogra... não vai! Ele tem que organizar aquele domingo pra chegar depois porque tem corrida. Aí faz-se a corrida no domingo, com os caras numa arquibancada no sol, com poucos banheiros, onde mal tem como conseguir uma coisa pra comer e o que tem é ruim e caro. O cara vai trazer a família? Não vai. Não é como antes, num tempo em que corrida era uma atração e que a gente fazia uma divulgação quase boca a boca, mas fazia. Eu lembro de uma época que a Stock estava mal, eu ainda corria e fizemos 3 corrida aqui. Só tinha 16 carros no grid, mas a gente fazia folheto, ia pra rua, colocava cartaz na cidade... e tudo isso sem promotor, com os pilotos bancando. Foram 3 corridas em 3 finais de semana seguidos em Pinhais. Na época nem tinha arquibancada... e vendeu-se 50 mil ingressos em cada corrida. Tinha gente até na linha do trem! Hoje quem coloca gente no autódromo é a Stock, por causa da Globo e a Truck, que tem um público diferenciado, e arrancada, que tem também um público diferenciado. NdG: Porque você chama de “público diferenciado” o público da Truck? O que eles fazem que dá certo e que os outros não fazem ou não conseguem fazer? Paulo de Tarso: O trabalho que eles fazem é o jeito cento de fazer as coisas. Eles começam a montar o autódromo 2 semanas antes, já se vê caminhão na rua, eles trabalham o evento com antecedência e não é só uma corrida. Eles fazem show, interagem com o público, faz com que o público chegue cedo e veja tudo. A Stock faz uma corrida 11 horas da manhã e a outra, da categoria B, uma da tarde. Entre uma e outra acontece o que? Nada! O público vai embora, claro. Nos Estados Unidos, quando acaba uma corrida começa a outra. Com isso não ser renova o público que gosta de corrida e o autódromo vai ficando mais e mais vazio. NdG: E como seria possível mudar este cenário? Os promotores de automobilismo não sabem promover seus eventos. Tem que anunciar com pelo menos 10 dias de antecedência. Paulo de Tarso: Há 40 anos, quem vinha para autódromo preparar carro pra correr era gente jovem, quem cobria automobilismo, raras exceções, idem. Anda no autódromo em qualquer categoria... você vai encontrar os mesmos caras que faziam os motores andando pelos boxes... são os mesmos. Você vai numa corrida, anda nos boxes e os pilotos tem 50 anos de idade. O pessoal mais novo, hoje, não se interessa mais por carro. Na Stock o único cara novo que tem equipe é o ‘Mau Mau’ [Mauricio Ferreira], o resto tá lá há 30 anos. NdG: Você já pensou em ser dirigente? Paulo de Tarso: Não. Já apoiei, entrei naquela disputa contra o Paulo Scaglione, uns 5 ou seis anos atrás, mas ser candidato, não. Na época a briga com o Scaglione é que tinha um monte de comissário incompetente e ele não aceitava críticas... NdG: Mas isso é meio que de todo mundo, não aceitar críticas muito bem. O que levou esta disputa adiante? Paulo de Tarso: Foi no ano que eles colocaram, em cima da hora, no regulamento que a bomba de óleo tinha que ficar fora do habitáculo do piloto. Muito bem. Nós trabalhamos, fechamos o compartimento onde a bomba estava, o que era permitido, e fomos pra corrida. Nos treinos, o comissário viu, aprovou e disse que ia vistoriar todos os carros de todas as equipes. Todo mundo virou a noite trabalhando pra colocar a bomba pra fora do habitáculo. Nós ganhamos a corrida e aí o tal comissário, o Matsumoto, que estava começando, não sabia porcaria nenhuma de carro, questionou novamente por conta da bomba. Protestamos, mas até aí estava tudo. Daí ele, depois do carro liberado, pediu pra fotografar o que fizemos. Na noite do domingo veio a decisão, desclassificando a equipe. Fiquei sabendo por um cara da Globo e eu falei que o Matsumoto era um incompetente, que não sabia nada de carro nem de corrida. O Scaglione ficou sabendo e mandou uma intimação, primeiro perguntando se eu tinha falado aquilo e, caso tivesse, dizendo que eu teria que me retratar. Respondi ainda mais forte, dizendo o que eu pensava da CBA e do comissário dele. Tomei uma suspensão de 6 meses, para ficar fora das corridas. Entrei com uma liminar e fui pra corrida seguinte, em Londrina. Daí, lá dentro, veio um assistente dele pedindo para que eu cumprisse a suspensão, mas fez uma oferta: eu ficava num camarote, mas não ficava no Box pra não haver conflito com a autoridade da CBA. Eu aceitei. Chegou na corrida seguinte, em Interlagos, mesma coisa. Mas essa o Cacá [Bueno] ganhou e eu fui para o pódio. Ele passou por mim, fechou a cara e falou “você não devia estar aqui”. Respondi na hora: ‘como é que é? Eu tenho direito de estar sim e amparado pela lei. Estava fazendo um acordo com você e agora você quer me tirar daqui, mas não vai mesmo’. Nisso eu já segurei-o pela jaqueta e aí ele fez um sinal para os seguranças ali perto do pódio virem pra cima e eu falei ‘manda esses macacos ficarem onde estão senão eu vou quebrar todo mundo aqui’. Ele mandou os caras voltarem (risos). Esperei ele sair pra pegar o carro e ir embora e falei na cara dele que agora eu ia ficar no Box da minha equipe e que não ia mais “colaborar” coisa nenhuma. Aí ele me deu um gancho de um ano, por desacato e eu entrei com uma ação contra a CBA e uma contra ele, por dano moral, material, etc. Pedi um milhão de reais. Aí eu juntei todos os inimigos dele e lançamos o [Antônio] Hermann pra presidente da CBA. Eu continuei indo para os boxes, com a liminar e no dia da audiência do processo contra ele em São Paulo ele chegou todo manso e veio falar comigo, dizendo que era meu amigo, que coisa e tal, que a gente tinha que se entender, que não era o presidente da CBA ali, era o Paulo Scaglione e que se agente se acertasse ele tirava todas as punições, as multas, que chegavam a 375 mil e que ele não precisava de advogado porque ele, o Scaglione, que é advogado, seria meu advogado e qualquer coisa que eu visse errado no autódromo, eu tinha canal aberto pra falar com ele... aí foi divertido. Se tinha uma coisa errada eu chegava para o diretor de provas e falava: ‘e aí, vai resolver ou eu ligo para o homem’? (gargalhadas). NdG: Além do drama vivido por você em 2008, com a perda do material da equipe, em 2011 quando explodiu na mídia o caso da acusação de doping ao Tarso. A CBA, na época, disse que não divulgou o caso para “preservar” o piloto. Isso não acabou sendo um mal maior? Não prejudicou a carreira do Tarso? Eu comprei uma briga feia com o Paulo Scaglione quando ele presidia a CBA. Processei-o, uma causa de um milhão de reais. Paulo de Tarso: Não foi por causa disso que o Tarso se afastou do automobilismo. O Tarso nunca gostou de correr de carro de turismo. Ele não tinha interesse em correr por trocado, só se pagassem bem e ele não saiu correndo atrás de patrocínio pra levar pra equipe, pra fazer salário. Ele tem uma atividade que é a empresa dele e corrida toma tempo, porque tem os compromissos com patrocinadores também, tem toda a parte de preparação física... e é difícil se dividir entre as duas atividades porque para andar com os melhores você tem que estar muito preparado fisicamente. Tem que se dedicar exclusivamente. Correr hoje para ele é prazer. A gente vai correr uma prova de endurance lá nos Estados Unidos, eu ele e o Thiago, em Homestead. Ele recebeu um convite pra correr no WEC, mas a compensação financeira não é lá muita coisa e se perde muito tempo em viagem. Tirando a F1, não tem uma categoria hoje, no mundo, que pague bem a ponto de você largar o seu negócio e partir pra ser piloto. NdG: Você está dizendo que não compensa ser piloto? Paulo de Tarso: Não compensa. Quem é que ganha dinheiro na F1 hoje? Metade do grid e olhe lá! Vai ver as outras categorias, GT, WTCC, WEC, DTM... os salários são baixos. Além disso, a vida de piloto é curta. 45 anos de idade você já não está mais competitivo e passou a vida toda dedicado a correr, não estudou, não se formou, só sabe guiar. Vai fazer o que? Ser motorista de taxi? Na Stock tem uns 6 ou 8 que ganham dinheiro e o resto rala. Piloto é um eterno desempregado. Até outubro ele tem um chefe, que tem a equipe, e que, nesta época começa a procurar como vai ser pra fazer o ano seguinte. Em julho você já tem sair procurando como vai fazer para o ano seguinte porque tem que estar fechado o quanto antes. Se não fechar vai fazer o que? Ser motoboy? NdG: Nessas horas, você que é uma referência nos boxes, quando um pai de um piloto novo, um menino no kart chega pra te perguntar o que fazer, você responde o que pra ele? Paulo de Tarso: Como eu disse lá no início, eu acompanhei todos os passos do Tarso e, quando ele chegou lá, o mais novo – Thiago Marques – decidiu começar toda a trajetória. Este não conseguiu, por diversos fatores, ir tão longe, mas estabeleceu-se como piloto profissional e hoje toca a Sprint Race além de disputar o Brasileiro de Marcas e não é uma vida fácil... mas tendo feito todo esse trabalho com dois filhos, a gente aprende os caminhos. Vez por outra chega um pai de piloto que me procura e vem perguntar como ele deve agir para que seu filho se torne um piloto. Eu sempre respondo com uma pergunta: Vamos começar pelo básico; aonde ele quer chegar? Aí é normal ouvir como resposta: “se ele for bom, até a Fórmula 1”. Nessa hora eu respondo: Você tem 10 milhões de dólares para chegar até a GP2 correndo em equipes de ponta? Aí o cara retruca: “não, não, ‘pera’ ai...” e eu completo: É isso aí. Você vai investir isso aí pra tentar fazer do seu filho um piloto de ponta na GP2, daí você arranja mais 30 milhões de dólares para patrocinar a entrada dele numa equipe média da Fórmula 1. E aí, está disposto pra encarar essa? O pai já responde desanimado: “aí não dá, não tem como...” e eu nessa hora falo para ele comprar uma raquete de tênis e dar pra o menino. A realidade é que para se ganhar dinheiro com automobilismo é algo muito raro. NdG: pegando uma outra ótica, vocês que tem uma categoria, você que conhece os autódromos brasileiros, na sua opinião, os nossos autódromo são tão inseguros assim como a gente vê pilotos e jornalistas criticando ou existe uma visão distorcida, onde o padrão de segurança das pistas da F1 deveria estar em toda e qualquer pista do mundo? Quando um pai de piloto vem perguntar o que tem que fazer para a carreira do filho eu pergunto: aonde ele quer chegar? Paulo de Tarso: O único autódromo que eu critico a segurança aqui no Brasil é o de Brasília, e não é por causa de zebra ou área de escape. É que os moirões dos guard rails estão todos podres. São os mesmos de 40 anos atrás. Os demais, para o tipo de eventos, de corridas que temos aqui, não estão ruins. Poder ser melhor é claro que todo mundo quer, mas eu posso dizer por conhecer autódromos no mundo inteiro. Estados Unidos, Europa, Japão... tirando os super speedways e as pistas da F1 os outros não são lá grandes coisas. O nosso em Pinhais é melhor que a maioria deles. Você vai a Snetterton ou a Brands Hatch e não vai ver nada de fabuloso. Muita gente fala sobre área de escape, mas ela não é o ponto fundamental. O ponto é como o carro se comporta quando sai da pista. O tipo de zebra e o nível de ondulação são mais importantes, porque o piloto perdeu o controle do carro. A área de escape tem que estar num nível mais alto que o da pista e não o contrário como certos pontos em Brasília. No mais, não está ruim, não. NdG: Nessa tua trajetória de praticamente 4 décadas no automobilismo, tem alguma coisa da qual você se arrependeu, que se pudesse faria diferente? Paulo de Tarso: Olha, eu não sou do tipo de pessoa que se arrepende das coisas que faz e, sinceramente, não mudaria nada, faria as coisas da mesma forma. Quando a gente toma uma decisão em certa altura da vida, você está fazendo aquilo diante da condição que a vida está se apresentando ali. |