Praticamente todo garoto –ou garota – que senta em um kart pela primeira vez e acelera tem em mente o sonho de chegar à Fórmula 1. Contudo, pouquíssimos conseguem chegar lá. Sebastien Buemi foi um destes privilegiados, que a custa de muito esforço, muito trabalho e também de sorte – a sorte dos campeões – conseguiu chegar lá. Mais do que apenas acelerar na Fórmula 1, onde hoje é o piloto de testes da tetra campeã mundial, a Red Bull, Este suíço de 25 anos, nascido em Aigle, uma pequena vila, de pouco mais de 8 mil habitantes tem tido a oportunidade de estar em contato com o que há de mais importante e mais sofisticado em termos de tecnologia de competição. Ele é, além de piloto de testes da vitoriosa equipe austríaca de Fórmula 1, piloto titular da equipe Toyota no Campeonato Mundial de Endurance, onde tem sob seu comando um carro com uma tecnologia de propulsão híbrida de alta complexidade. Foi durante a sua estada no Brasil, em Santa Catarina, para o Desafio Internacional das Estrelas, que Sebastien nos deu esta entrevista exclusiva, falando sobre sua vida nas pistas, sobre esporte a motor, sobre F1, WEC, tecnologia e muito mais! NdG: Sebastien, nós sempre começamos nossas entrevistas pedindo para que nosso entrevistado fale um pouco sobre si mesmo. Por favor, fale um pouco sobre você, mas não o piloto, queremos conhecer um pouco do Sebastien. Pode ser? Eu nasci numa pequena vila na Suiça. Hone moro em Mônaco, que é um lugar muito bonito, mas gosto sempre de voltar a Aigle. Sebastien Buemi: Claro, mas é uma pergunta bem incomum neste meio do automobilismo, e muito interessante.Bem, como vocês todos sabem, eu sou natural da suíça, que é um pais que faz fronteira com diversos países e tem uma influência sociocultural de todos eles, em especial a frança, a Alemanha e a Itália. Eu sou “meio italiano” por parte de minha descendência materna, acho que isso talvez seja a razão de eu gostar tanto de comida italiana, mas nas vezes que vim para o Brasil e descobri as churrascarias, passei a ser um assíduo frequentador delas. Há algum tempo eu moro em Mônaco, que é um lugar muito bonito, mas eu gosto muito da minha cidade natal, que é muito pequena. Meu pai ainda mora lá e temos uma bela casa. Como você já sabe, eu tenho um irmão, que também pilota e que está aqui comigo, me ajudando com seu conhecimento em mecânica. Ele é muito bom e nos damos muito bem. Eu gosto de pedalar e também de mexer em carros em miniatura, onde meu irmão Laurent costuma disputar corridas. Lá eu sou o mecânico e ele é o piloto. NdG: Na Suiça, as corridas de automóveis foram proibidas no final de 1955, após o trágico acidente das 24 horas de Le Mans, ocorrido naquele ano. Como foi enfrentar as dificuldades que não apenas você, mas qualquer jovem que pensou em ser piloto de corridas? Sebastien Buemi: Bem, na verdade, o que deixou de acontecer foi a homologação dos autódromos no país. Depois daquele acidente, todos os autódromos foram fechados. Contudo, continuaram a acontecer corridas em outros locais, como aeroportos. Além disso, uma das formas mais antigas de corridas da Europa continua acontecendo em meu país, que são as provas de subida de montanha, muito tradicionais e que eu acho muito interessante. Até hoje não participei de nenhuma, mas um dia irei participar. Eu considero uma pena que não possamos ter mais circuitos na Suiça. Espero que um dia isso mude. Mesmo com a proximidade entre os países na Europa, é sempre mais difícil ter que ir para outro país para correr. NdG: Quando foram proibidos os autódromos, extinguiram a possibilidade de se fazer kartódromos ou eles existem? É uma pena que os autódromos ainda sejam proibidos na Suiça. Isto nos obriga a ir buscar opções fora muito cedo. Sebastien Buemi: Os kartódromos existem, sim, e o kartismo é um esporte bastante popular. A Suiça tem uma renda per capita bem elevada, o que permite que as pessoas pratiquem esportes mais caros o kartismo é caro. Eu comecei correndo de kart na Suiça mesmo, antes de ir para a Itália. Foi lá que eu consegui os meios técnicos para realmente me desenvolver como piloto. Foi correndo por uma equipe italiana que eu venci o campeonato europeu de kart em 2002. NdG: Se o kartista suíço não tem outra opção que não seja sair do país para correr, como você vê as perspectivas para jovens pilotos comparada com a realidade que você enfrentou? Sebastien Buemi: Realmente, o fato de não termos um automobilismo não nos deixa outra alternativa que não ir para outro país para quem quer ter uma carreira no automobilismo. Quando eu decidi que minha vida seria pilotar e me tornar um piloto profissional eu tinha, depois do kart, algumas opções. Havia a Fórmula BMW, que tinha alguns campeonatos na Europa e a possibilidade de se vir a fazer parte de um programa onde a montadora investiria em sua carreira. Em moldes semelhantes a Renault tinha o seu programa. Eu acabei optando pela Renault, o que considero ainda hoje ter sido a decisão correta. Hoje a BMW não mantém mais a sua categoria a Renault, ao menos, mantém seus carros na pista, contudo o programa dos franceses mudou, infelizmente. A crise financeira que atingiu o mundo em 2008 tornou tudo mais difícil, mesmo para quem já estava em categorias mais avançadas. NdG: Através da Renault você fez parte de um programa de jovens pilotos que o levou à Fórmula 1. Nos anos 70, uma outra empresa francesa, a ELF, que investiu na formação de uma grande geração de pilotos franceses, como Patrick Pepailler, René Arnoux, Patrick Tambay, Jean Pierre Jabouille, Alain Prost, entre outros. Nos dias de hoje, é fundamental que um jovem piloto tenha que fazer parte de um programa de jovens pilotos para chegar à Fórmula 1? Sebastien Buemi: Até onde sei, no passado um piloto talentoso e rápido conseguia se destacar e ir progredindo na carreira até chegar na Fórmula 1. Com o tempo isso foi ficando mais difícil e de alguns anos para cá, com a crise econômica que os países desenvolvidos vem passando, conseguir ser um piloto independente e “garimpar” patrocínios está praticamente impossível. A chance que um piloto tem nos dias de hoje de fazer uma carreira que o leve à Formula 1 é conseguir entrar para dos programas de jovens pilotos. Mas para isso, é preciso mostrar talento e velocidade desde cedo, para conseguir entrar em um desses programas. A Ferrari, por exemplo, criou uma academia de jovens pilotos, que teve como um de seus participantes o Jules [Bianchi], que hoje pilota na Marussia. Jules foi um excelente piloto no programa, foi um dos melhores enquanto esteve na GP2 e tem condições de ser titular em qualquer equipe da Fórmula 1. Além desse, claro, temos o Sebastian [Vettel], que foi piloto do programa da BMW e também da Red Bull. Hoje ele é tetra campeão do mundo e se ele não tivesse talento, jamais chegaria onde chegou. NdG: Quando a Fórmula 3000 era a categoria de acesso à Fórmula 1, algumas equipes tinham “times juniors” em associação com as equipes que lá estavam. McLaren, Williams eram as que mais investiam nisso. Você vê isso como uma tendência ou um caminho sem volta? Nos dias de hoje não basta apenas ter talento e as vezes nem mesmo ter dinheiro se não tiver um programa por trás. Sebastien Buemi: Eu acho que o futuro já se faz presente e este presente é o que temos visto e vivido. Eu fiz parte do programa de jovens pilotos da Red Bull. A Mercedes está começando a analisar este caminho. A McLaren voltou a fazer isso há algum tempo e o Kevin [Magnussen] vai pilotar o segundo carro da equipe este ano. É uma forma que as equipes encontraram para trabalhar o jovem piloto dentro de sua filosofia desde cedo. Além disso, para o piloto que está começando, as coisas mudaram... e muito. Não basta apenas ter talento. Talento muitos tem, mas as vagas na GP2 são poucas, na World Series também e na F1 são menos ainda. Para chegar lá é preciso dinheiro, muito dinheiro e neste caso, ou o piloto tem um patrocinador pessoal disposto a “comprar” um lugar para ele em toda esta trajetória e ele se preocupar apenas em guiar e conquistar resultados ou ele consegue entrar para um programa de jovens pilotos, que também vai requerer patrocínios pessoais, mas menos do que se ele for tentar individualmente. Ainda assim, se ele tiver o talento e tiver o dinheiro, terá dificuldades porque as melhores equipes normalmente estão associadas com os projetos de programas de jovens pilotos. NdG: Nós dizemos na nossa redação que você é um piloto privilegiado. Você está trabalhando com o que há de mais avançado na tecnologia do esporte de competição a motor ao fazer parte de equipes de ponta, tanto no mundial de endurance quanto na F1. Como você lida com isso, quanto de conhecimento tecnológico um piloto precisa ser hoje? Sebastien Buemi: Realmente o trabalho que vem sendo feito desde a metade do ano passado, mais efetivamente depois das 24 horas de Le Mans no caso da Toyota e desde setembro no caso da Red Bull tem exigido bastante de todos os membros da equipe. Em grande parte, o trabalho do piloto continua sendo o mesmo. Ele tem que ter a sensibilidade para perceber no comportamento do carro o que pode não estar acontecendo da forma como ele e a equipe gostariam que estivesse acontecendo e com isso, no retorno aos boxes, poder fazer o que for preciso de ajustes junto com a análise de dados dos engenheiros. Não precisamos – ainda (risos) – ter o conhecimento de engenharia e eletrônica que eles tem, mas não podemos negar que a interação entre piloto e eletrônica nos dias de hoje é fundamental nas corridas. Trabalhamos com milésimos de segundo e cada informação bem ou mal analisada pode desencadear perdas ou ganhos que, no final, podem fazer a diferença entre vencer ou não. NdG: Você esteve nos testes de pneus do final da temporada passada no Bahrein e os pneus foram um grande motivo de reclamações na Fórmula 1 no ano passado. No WEC, você pilota um carro muito mais pesado, equipados com pneus de construção completamente diferente. Como você analisa o comportamento dos pneus em sua performance e como eles afetam a sua forma de pilotar? Sebastien Buemi: Realmente, os pneus dos carros com os quais vou para pista são extremamente diferentes, assim como os carros. Em se tratando dos carros então, a diferença vai muito além do peso e da composição dos pneus. Nos carros da Toyota, sentimos a forma como a transferência de potência muda quando esta é feita pelo motor de quando é feita pelo sistema híbrido. Para esta temporada, com o sistema híbrido tendo uma importância maior e um tempo de atuação maior, o piloto vai precisar ter mais sensibilidade e capacidade de adaptação para conseguir ter o máximo de rendimento dos pneus por mais tempo. Além disso, o carro está mais estreito, os apêndices aerodinâmicos também foram alterados, mas precisam ser mais eficientes para dar mais estabilidade. Estamos trabalhando em tudo para o carro ser o mais eficiente possível. Acredito que com o novo sistema de recuperação de energia dos Fórmula 1, o ERS, mais complexo que o KERS, e que vai atuar no carro com mais tempo, os pilotos também deverão perceber mudanças e se adaptar. Além disso, a Pirelli está construindo novos pneus para esta temporada, mais resistentes que os do ano passado. É algo que no simulador, mesmo com toda a inserção de parâmetros conseguimos ter uma ideia, mas não conseguimos determinar realmente como será o comportamento na prática e depois dos primeiros testes, adaptar-se precisa ser um processo rápido. NdG: O regulamento do Mundial de Endurance na classe LMP1 está abrindo um enorme leque de possibilidades para as equipes combinar os sistemas de propulsão. Como a Toyota trabalhou seu projeto e como você e os pilotos da equipe estão vendo este novo desafio? Desde a metade do ano passado temos treinado muito em simuladores com as especificações dos carros de 2014. Sebastien Buemi: A Toyota optou por um motor aspirado de 3.4 litros, V8, para trabalhar em paralelo com os seus sistemas de propulsão híbrida. Sabemos que os nossos concorrentes fizeram opções diferentes, mas isso é o começo do novo entendimento do regulamento e cada um está acreditando na eficiência do seu sistema. Nós acreditamos no nosso, mas há um senso comum entre pilotos e engenheiros envolvidos nos diferentes projetos: se hoje há uma aposta em um caminho específico para cada um de nós, ao final da temporada, todos os caminhos irão convergir numa mesma direção. Espero que você entenda que eu não posso entrar em detalhes técnicos, mas posso dizer que estamos muito confiantes. NdG: Em ambas as equipes com quem você tem contrato, Toyota e Red Bull, com as grandes mudanças de regulamento da temporada passada para a deste ano, as equipes tiveram um trabalho dobrado, com a temporada em andamento e o trabalho do carro bastante modificado para a temporada deste ano. Como foi este trabalho para vocês, pilotos? Sebastien Buemi: foi um desafio muito grande. No caso da Toyota, a equipe optou por dividir o time, com uma equipe trabalhando na continuidade da temporada de 2013 e a outra parte trabalhando nos estudos e no desenvolvimento do carro de 2014. Foram muitas horas de simulador e análise de resultados para chegarmos no estágio em que estamos agora. No caso da Red Bull, desde setembro estamos trabalhando no simulador com as especificações do regulamento e do novo motor da Renault para tentar manter a hegemonia da equipe na Fórmula 1. Ali somos o time a ser batido e é mais difícil manter-se no topo do que chegar nele. Mas eu tenho confiança de que, em ambas as equipes teremos sucesso. |