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Bernie e o barulho dos motores PDF Print E-mail
Written by Administrator   
Thursday, 20 March 2014 21:50

Saudações D’Alem Mar!

 

Ando a seguir com atenção a “guerra surda” e a polémica acerca dos novos motores V6 Turbo, de 1.6 litros. Ao longo do fim de semana australiano, li e ouvi muita gente a comentar sobre o barulho desses motores, e muitos disseram que estavam insatisfeitos, afirmando, entre outras coisas, que estavam a ouvir “cortadores de relva” e “aspiradores de pó”. E claro, esses belos “soundbytes” tornaram-se num excelente pretexto para que Bernie Ecclestone abrisse a boca e dissesse a sua opinião sobre o barulho dos novos motores Turbo, ele que foi sempre um critico e sempre foi contra esta mudança. 

 

A diferença é “gritante”? Claro que é. Mas acho muito estranho, sabem? Sabia-se há muito tempo que estes iriam ser os motores a partir de 2014, e desde o final do ano que os sons desses motores foram divulgados ao público pelas marcas. Mas francamente, nunca vi tamanho “amor” pelos roncos dos V8 como agora. Sabem porque digo isso? Porque quando esses mesmos motores V8 foram introduzidos, em 2006, não foram recebidos de braços abertos. Bem pelo contrário: houve muitos que disseram que “era o fim da Formula 1”. Como sabem, ela sobreviveu e prosperou. É por isso que digo que tudo isto é estéril, e só ajudam à propaganda de Bernie Ecclestone, que está a apontar baterias a Jean Todt, numa crescente guerra surda entre ambos, pelo motivo do costume: dinheiro. 


Bernie Ecclestone continua reclamando do som dos motores turbo adotados este ano. Mas este assunto vinha sendo falado há anos.

 

E já agora, quem cresceu ou viveu nos anos 80, quando os motores Turbo de 1.5 litros lideravam o pelotão? Francamente, como sou daqueles que cresci a ouvir esses motores, não me recordo de ler ou ouvir em lado algum queixas sobre o ronco dos motores ou pessoas a afirmarem ser “anti-Turbo”. Excepto aquele anão.

 

Querem um exemplo? Uma entrevista feita em... fevereiro de 1977 à revista brasileira Quatro Rodas. No meio da entrevista, o jornalista Roberto Ferreira faz uma pergunta sobre os motores turbo, e ele responde da seguinte forma:

 

QR – Como vê a entrada dos motores turbo na Fórmula 1? 

 

BE – Não será possível admitir motores turbo na Fórmula 1, porque teríamos que fazer uma modificação total nos regulamentos, utilizar outro tipo de combustível, mais complicado. E, por favor, acredite-me, não há possibilidades. A utilização do motor turbo nos protótipos é diferente, porque tem outro coeficiente de cilindrada 2.200cc com turbo para elevar para 3.000, enquanto que na Fórmula 1 os motores turbo têm que se ter apenas 1.500cc. Fui assistir a uma competição com carros turbo e a diferença de potência entre eles é muito grande, não havendo competitividade. A Porsche tentou uma vez utilizar um motor turbo e não deu certo. Acredito que não temos nada mais avançado que os atuais motores da Fórmula 1.

 

Conhecem o resto da história, não conhecem? A Renault introduziu o motor em julho de 1977 e dois anos depois vencia corridas. E no inicio de 1982, um ano depois da Ferrari ter colocado um motor Turbo no seu carro, Ecclestone colocava motores BMW Turbo no seus Brabham, dois anos depois de um acordo assinado com a montadora alemã. De burro, ele não tem nada.

 

Em 1982, Bernie, dono da Brabham, assinou um acordo com a BMW para receber os motores turbo, campeão em 1983.

 

Mas deixem contar uma coisa, que por agora, apenas os jornalistas especializados contam: se reclamam do ruído, esquecem-se que estes motores irão fazer estes carros bem mais velozes. Com os novos V6, os carros atingirão em linha reta, em sítios como Monza, velocidades semelhantes ao tempo dos V10: 370 km/hora. Poderemos não ver agora, pois todo o seu conjunto ainda não atingiu o ponto de equilíbrio, mais quando os engenheiros conseguirem resolver os “problemas de juventude” dos bólidos, os tempos por volta irão baixar 

 

Eu vou dizer-vos uma segunda coisa. O sonho de Bernie (concretizado pela sua “toupeira” Max Mosley) foi o de ter a Formula 1 nas suas mãos. Ele o conseguiu apenas por “estar ali”, porque como sabem, os construtores puxam a brasa à sua sardinha e cada um têm a sua agenda, especialmente a Ferrari. E como ele reina em casa dividida, pode fazer o que quiser: estabelecer os preços aos proprietários dos circuitos, às cadeias de televisão, às companhias. O único local onde não controla diretamente é a FIA e como sabem, em 1980 e 81, tentou separar-se dela, criando o seu próprio campeonato. Como falhou nessa parte, porque do outro lado havia um opositor formidável chamado Jean-Marie Balestre, decidiu que o melhor seria aliar-se. Daí a existência do Pacto (ou Acordo) de Concórdia. 

 

 

 

O irônico cartão de natal do ano passado falava de um casamento feliz com a FIA. Menos concórdia e mais conveniência.

 

E também gostava que entendessem uma terceira coisa, esta se calhar mais importante do que as duas anteriores: tudo o que Bernie Ecclestone sempre falou, fala e falará neste momento, todos os seus "soundbytes", para além de alimentar uma guerra surda com o presidente da FIA, também é uma tentativa de desviar a atenção de um belo abacaxi que têm nas mãos: o julgamento por suborno (o caso Gribowsky) do qual vai começar a ser ouvido, como réu, no mês que vêm, na Alemanha. Não se esqueçam disto, também: as acusações contra ele são graves e as possibilidades de ele ser condenado são elevadas. A pessoa que recebeu o dinheiro está a cumprir uma sentença de oito anos de prisão. E a justiça alemã pode não contemplar o facto de ele ter 83 anos de idade, mesmo que a sentença possa ser relativamente curta. Basta ele ser condenado a cinco anos para que possamos dizer que "a sua carreira acabou".

 

Em jeito de conclusão: tudo isto é uma polémica estéril. Uma guerra surda com Jean Todt e uma maneira de nos esquecermos que ele em breve vai ter de se haver com a justiça.

 

V8 aspirados ou V6 Turbos? Apesar de sem ter como mudar as regras a curto prazo, Bernie continuará reclamando... até quando?

 

 

 

E quanto ao ruído dos motores... habituem-se! Quando voltarem a mudar de motores, num futuro relativamente longínquo, logo na primeira corrida vão falar muito mal dos novos propulsores e vão se autoproclamar como "saudosistas" dos V6 Turbo. Querem apostar?

 

Abraços lusitanos,

 

Paulo A. Teixeira