Rubens Carpinelli é, certamente, o mais experiente, o mais preparado e provavelmente o mais admirado dirigente do automobilismo brasileiro. Envolvido e acompanhando o esporte há mais de meio século, e com quase isso à frente de diversos níveis da organização deste esporte, este paulistano de 81 anos, mas de uma agilidade física e mental de causar inveja, dirige a maior das federações de automobilismo do Brasil. Os Nobres do Grid tiveram a honra de serem recebidos na sede da FASP no final de dezembro para uma entrevista que, além de abrir mais esta frente em nosso site, ficará na história. Foram quase 3 horas de gravação onde foi falado de tudo. NdG. O Sr. Está a quanto tempo envolvido com automobilismo? RC. Diretamente envolvido, estou há 55 anos. Agora, além deste envolvimento direto, eu acompanho automobilismo desde 1936, ou seja, já se vão mais de 70 anos. NdG. Então o Sr. assistiu as corridas do circuito da Gávea, as primeiras provas internacionais do país? RC. Naquela época eu não tive como assistir nenhuma daquelas corridas no circuito da Gávea porque eu sou uma pessoa que veio de origem humilde. Deslocar-se até o Rio de Janeiro era muito difícil e caro, era uma coisa para os milionários da época. Nós, que não éramos milionários, acompanhávamos através de jornais. Nem o rádio acompanhava o automobilismo naquele tempo, mas os nossos jornais davam um grande destaque a estas provas por serem estas corridas de nível internacional, com estrelas internacionais que vinham até o Brasil para desafiar o nosso “trampolim do diabo”. NdG. Bem, já que o Sr. falou em 1936, fica impossível não associar o ano e esta sua paixão pelo esporte a motor com a famosa corrida nas ruas de São Paulo, a qual teve um final trágico com o acidente envolvendo a piloto francesa Hele Nice e que vitimou várias pessoas na assistência. O Sr. teve oportunidade de acompanhá-la? RC. Sim, claro! Eu estava lá, no Jardim América, de onde acompanhei com meu pai esta famosa corrida. O acidente em si eu não tive como ver, uma vez que foi na frente das tribunas, onde estava a elite paulistana. Eu e meu pai, assim como a população em geral ficávamos ao longo do percurso. Não era cobrado ingresso, apenas nas tribunas. Ficamos sabendo depois, quando os carros pararam e na “base do boca em boca”, que havia acontecido um desastre pavoroso e depois, pelo meu pai e através dos jornais fiquei sabendo do grande número de pessoas mortas e feridas naquele acidente. NdG. Então o seu primeiro envolvimento foi como torcedor, como fã? RC. Acredito que seja assim que normalmente começa-se. Primeiro como fã. NdG. Sempre na área administrativa, tipo a FASP, alguma Associação ou Automóvel Clube ou o Sr. Já disputou corridas? RC. Para não dizer que nunca disputei, uma vez, no estado onde você vive, no Paraná, disputei uma prova, durante um Campeonato Brasileiro de Kart em uma cidade que foi alagada pela barragem de Itaipu. Foi uma festa de despedida, pois a cidade seria invadida pelas águas da represa e, na ocasião, eu era Presidente da Comissão Internacional de Kart e, de improviso, resolveram fazer uma corrida entre nós, dirigentes e preparadores. Neste dia, pela primeira e única vez, coloquei um capacete, um macacão e sentei em um Kart. Andei uma barbaridade... consegui chegar em último (risos de todos). Mas terminei a prova. Isto é importante! A sensação que se tem, sentado tão perto do solo é que se está a 200 Km∕h. É impressionante... mas eu via outros Karts passando por mim como se eu estivesse parado. E esta foi a minha única experiência como piloto. Na área administrativa eu estou desde 1953, já se vão 55 anos. NdG. E como era o funcionamento desta área administrativa? RC. Nesta época não existia uma Federação, esta só foi criada em 1961. O que havia eram os Automóveis Clubes, que eram os responsáveis por organizar as corridas. Eu não era dirigente destes clubes, mas estava envolvido com as corridas, fazia parte das comissões desportivas, da organização. Na época os mais ativos eram justamente os Automóveis Clubes Paulista, o do Estado de São Paulo e o do Brasil, que era no Rio de Janeiro, mas tinha uma sucursal em São Paulo. Agora, a partir de 1961, quando foi criada a Federação, eu passei a ser dirigente em 1963 e aqui estou até hoje. De lá para cá já ocupei diversos cargos. A presidência eu já ocupei mais de uma dezena de vezes. O mandato hoje é de 4 anos mas já foi menor; de 2 anos. E assim cá estou eu. Eu sou assim: Quando grudo, não largo (risos). Fiquei 30 anos no Mackenzie, estou aqui há quase 50, sou casado há 60 anos... tudo que eu pego, não largo mais! NdG. Espero que a nossa convivência tome este mesmo caminho... RC. Com toda a certeza! NdG. Estando o Sr. Envolvido há tanto tempo neste meio, algum familiar seu se interessou em tentar seguir seus passos como administrador, ser piloto... ou o fato do Sr. lidar com esta área provocou exatamente o efeito contrário? RC. Não. Apenas uma vez, meu filho virou-se para mim e disse: “Eu quero correr de Kart!” Eu disse que tudo bem, ele ia correr de Kart. Então, ele fez a escola de pilotagem, disputou o campeonato de novatos, foi bem, terminou como vice-campeão e ao final da temporada ele me disse: “Chega. Já matei a vontade!” (risos) e este foi o único contato que um familiar meu quis ter, diretamente, com o automobilismo. Vez ou outra eles querem ver uma corrida de alguma categoria, mas é muito raro. NdG. Ser dirigente da federação no estado onde acontece a Formula 1 exige demais? O quanto se tem que renunciar da vida privada? O Corpo de Bombeiros só nos atende por inteiro quando da realização da Fórmula 1. RC. Esta pergunta eu tenho que responder em duas partes: Com relação à Fórmula 1, até algo como uns 20 anos atrás, a Federação era responsável por absolutamente tudo. Mario Patti, que era o Diretor de Prova, cuidava da parte esportiva junto com a federação, que cuidava dos outros aspectos, reuníamos por diversas semanas antes do GP do Brasil, em que varávamos dias e noites trabalhando. Mas o nosso maior problema era a questão do credenciamento. Um evento como a Fórmula 1, que é único no ano inteiro, os pedidos são os mais incríveis. Autoridades em todas as esferas (Federal, Estadual e Municipal) e era muito difícil se justificar com relação aos pedidos feitos. Eram pedidos de 30, 40 credenciais... e eu tinha as vezes que responder: “Eu tenho três, serve?” e estas autoridades se sentiam ofendidas com a resposta. Inclusive, por causa disto, nós perdemos o apoio do Corpo de Bombeiros. Em todas as nossas corridas regionais, sempre tínhamos o Corpo de Bombeiros cuidando da parte de combate a incêndio. Houve um ano, porém, que o Coronel, Comandante da corporação, solicitou um número absurdo de credenciais e eu fui obrigado a dizer para ele que não tinha aquele número de credenciais. A resposta do Coronel foi que nós nunca mais teríamos o número de bombeiros que nós precisaríamos em nossos eventos regionais. E isso já faz décadas, os Comandantes já mudaram várias vezes e isto persiste. No evento da Fórmula 1 eles atendem o número solicitado, mas para o nosso dia-a-dia, não. É uma herança da Fórmula 1. Neste tempo era tudo com a Federação. Até a arrecadação. Depois, o Bernie Ecclestone criou uma empresa, a “International Promotion” e com isso eles assumiram praticamente tudo. Para a Federação muito pouca coisa ficou a ser feita. Mas isso nos deixou um triste legado: Não sei se porque nós somos muito permissivos, ou não acreditamos em nós mesmos, todo ano a Fórmula 1 nos exige uma série de reformas e estas reformas provocam o fechamento do autódromo por períodos de 2, 3 quatro e até 5cinco meses como foi o caso de um dos anos anteriores, em que nós ficamos com o nosso único autódromo fechado para os eventos regionais. Isto é um grande prejuízo, não no aspecto financeiro, mas no aspecto esportivo. Nós temos duas ou três mil pessoas que vivem diretamente do automobilismo. Preparadores, mecânicos, cronometristas... que ficam todo este tempo sem receber. Eles não ganham salários fixos, ganham por evento. Como conseqüência, estes profissionais começaram a cobrar mais caro, para ter uma “gordura para queimar depois”. Algumas empresas que trabalharam em reformas nos confessaram que achavam o fechamento do autódromo desnecessário, mas que, por questões políticas e financeiras, assim era feito. A contrapartida da Federação, financeira, é zero. Nós não trabalhamos e também não recebemos. Credenciais não são mais um problema: Recebemos apenas DUAS! E são, como se vê hoje, personalizadas e com fotografia. Não tem com serem transferidas. Recebo uma para mim, outra para a minha esposa. O que eles tentam fazer para minimizar este ponto, é a distribuição de ingressos de arquibancada. Mas, neste caso, não há como oferecer a uma autoridade, um político, por exemplo, um ingresso como este. Isto nos ajuda, pois nós damos estes ingressos aos nossos funcionários, que trabalham aqui o ano inteiro. NdG. E, tirando a Fórmula 1, A parte dos eventos regionais, nacionais e continentais: A nossa idéia, como torcedores, é de que a FASP é a maior e mais importante Federação de automobilismo do país. Como funciona esta área? RC. Consome bastante de todos nós, mas não é algo que me faça preterir nada em relação à vida pessoal ou à família. As provas podem acontecer, por exemplo, em um domingo e que. Coincidentemente, a família precisa da minha presença. Nestes casos eu dou prioridade à família. Ao longo destes anos consegui montar uma equipe muito boa, que me representa muito bem e a minha presença não se faz assim, algo imprescindível. O que ocorre é, às vezes, termos mais de um evento num final de semana (Autódromo; Kartódromo; Rally...) e eu só tenho como estar presente em um deles. Afinal, sou um só. Daí se eu decido por um, os outros ficam “enciumados” porque acham que foram preteridos. Isso tem um lado muito positivo: Além da boa equipe que foi formada aqui ao longo destes anos, posso dizer, sem falsa modéstia, que eu sou querido por todos e todos gostariam que eu estivesse presente em seus eventos. Outro lado muito importante é o fato de que minha família reconhece o quanto este trabalho, este envolvimento me faz bem, que a minha dedicação ao automobilismo é uma de me manter vivo. Tenho 81 anos, tenho disposição, tenho cabeça e – graças a Deus – nada disso me foi tirado. Esta é uma dívida que eu tenho para com a Federação: Ela fez com que eu continuasse a me sentir útil e a família sabe e reconhece isto. Assim, ela também é grata ao automobilismo. NdG. Todos o chamam de “Professor”, o Sr. leciona ou lecionava o que e aonde? RC. Eu fui professor durante 49 anos, hoje não leciono mais. Lecionei, no início, em uma escola pequena, no bairro do bom retiro, a Escola de Comércio Tiradentes. Depois fui para o Instituto Mackenzie, onde fiquei durante 30 anos, até me aposentar. Depois de aposentado ainda voltei a dar aulas no Colégio Pueri Dommus, onde fiquei por mais 10 anos. Assim, toda a minha carreira profissional foi feita como professor. NdG. Nesta sua trajetória de quase meio século como professor, o Sr. lembra de quantos de seus ex-alunos deixaram de “pilotar carteiras” e foram “pilotar bólidos”? RC. Dizer quantos foram exatamente é difícil... foram vários. Mas posso citar alguns dos mais famosos: Bird Clemente, Emerson e Wilson Fittipaldi, José Carlos Pace, Marcos Troncon... este último, inclusive foi quem me levou na direção do automobilismo. Seu pai, Orlando Troncon, assumiu o cargo de Presidente da Comissão de Kart e o Marcos, que sabia que eu gostava muito de automobilismo me apresentou ao pai, que me convidou para trabalhar com ele, isto foi no início dos anos 60 e eu sempre fui encontrando alunos e ex-alunos nas pistas, o que acabou trazendo o título de professor para este meio. NdG. Quantas categorias estão hoje homologadas pela FASP pelo que o Sr. falou, ela envolve tudo: Velocidade na terra e no asfalto, Rally, Kart, o que mais? RC. Temos 10 no asfalto, 4 de velocidade na terra, 12 do Kart e 3 de Rally. São 29 ao todo. Todas as categorias são Departamentos da Federação, nenhum deles é autônomo. NdG. Quais as responsabilidades da FASP para com seus federados? RC. Começa por darmos todo o apoio. Temos um tribunal muito atuante, onde toda e qualquer dúvida é sempre levada ao tribunal e, além disso, damos apoio no transporte. O único que não damos, por não termos condições, é o apoio financeiro. NdG. O que é preciso para se federar? RC. A FASP, posso dizer isto sem medo de errar, é a única federação que cumpre na íntegra o estatuto. Para se federar, o candidato vai a um dos 12 clubes afiliados e lá filia-se junto ao clube e este envia a filiação do candidato à FASP. Aqui fazemos o registro e encaminhamos a CBA (Confederação Brasileira de Automobilismo) NdG. Então, no caso de São Paulo, existem 12 clubes filiados que são a porta de entrada Sendo assim, para entendermos melhor: O clube é filiado e o piloto é federado. É isso? RC. Exatamente. No início de cada período (anual), a CBA envia para as Federações as fichas de filiação, que são repassadas aos clubes, de forma proporcional ao número de filiação que o clube fez no ano anterior. Caso o clube precise de mais alguma, ele solicita e nós enviamos. Isto procura evitar o extravio de fichas de filiação. Outro aspecto importante é o tipo de filiação. O candidato pode se filiar como “iniciante” ou “novato”, que é aquele que está começando ou se fizer um escola de pilotagem, elimina esta fase e vai se filiar como “Graduado B”. Determinadas categorias não aceitam a participação de pilotos novatos, como a Stock, por exemplo. Então, fica ao critério do candidato: Ele pode pagar um curso de pilotagem ou participar, durante um ano, de um dos torneios que aceitam inscrições de novatos e, ao final deste ano, ele é promovido à categoria “Graduados B”. NdG. Quais as responsabilidades, além destas que o Sr. já nos expôs, de uma Federação para com a CBA? RC. A primeira é cumprir na íntegra o estatuto da CBA. A segunda é que todas as provas sejam organizadas segundo as normas da CBA. A terceira é que a Federações cumpram com seu dever financeiro (As taxas pagas pelo piloto são repassadas à CBA, taxas estas cujo os valores são estabelecidos pela CBA, não podendo as Federações cobrar além do estabelecido. Não ficando com este dinheiro em caixa), sendo uma fiel representante da CBA. As Federações devem funcionar como sucursais da CBA. Como era antigamente com o Automóvel Clube do Brasil. Os Clubes estaduais eram filados ao ACB. No caso, as Federações devem agir como aquela mãe zelosa, que olha pelos bem estar dos seus filhos. NdG. Aproveitando esta deixa, o Sr. teria uma idéia, mesmo por alto, de quantos “filhos” o Sr. tem aqui nesta sua outra casa? (Risos) RC. (Risos). Você usou a palavra certa. Eu tenho os pilotos aqui na Federação como se fossem meus filhos... os mais novinhos como meus netos. Este ano de 2008 temos cerca de dois mil filiados. Já tivemos mais. Já chegamos a ter quase sete mil filiados, contudo, os custos de equipamentos e as crises financeiras têm reduzido este número. NdG. Até onde vai a autonomia ou autoridade de uma Federação para aprovar ou homologar uma categoria, uma competição ou um autódromo? RC. É total. Mas, por exemplo, eu não posso fazer um campeonato de uma categoria nacional, desvirtuando o seu regulamento. Deixe-me dar um exemplo. Se a federação tivesse um campeonato brasileiro de GT-40 e nele estabelecesse que o peso mínimo do carro fosse de 1.500 Kg, a FASP, caso queira, pode criar um campeonato com as mesmas regras. Agora, caso não haja, a FASP ou outra federação pode criar um campeonato assim, mas ela será uma categoria regional, não nacional. Não podemos, inclusive, fazer um intercâmbio (pilotos federados em outro estado) com outra Federação, pois trata-se de uma categoria regional. A menos que, esta outra Federação faça uma categoria igual no seu estado. Ou seja, nós não temos autoridade para alterar nada que venha da CBA, mas temos autoridade para criar categorias, criar e homologar autódromos, criar campeonatos... para isso, temos total autonomia. O único consultor na reforma de Interlagos foi Ayrton Senna! NdG. A FASP tem alguma ingerência na administração do autódromo de Interlagos? RC. Nenhuma. Quem cuida do Autódromo de Interlagos é a São Paulo Turismo, um órgão que foi criado há alguns anos. Anteriormente a administração era da Secretaria Municipal do Esporte. Esta alteração foi feita pelo hoje Governador José Serra. O Administrador do Autódromo nos cede as datas solicitadas, em acordo com as outras solicitações como, por exemplo, a da Federação de Motociclismo. Mas, para se fazer uma corrida de carros lá, ele primeiramente virá consultar a Federação. Se a federação permitir, a data é cedida. O que existe é um bom intercâmbio, uma boa parceria entre a Administração do Autódromo e a Federação. Existe um respeito mútuo. NdG. Quando da grande reforma de Interlagos, no final dos anos 80, a Federação foi consultada? RC. Nada. Absolutamente nada! Esta reforma teve apenas um consultor: Ayrton Senna da Silva. NdG. Para o Sr, o que Interlagos perdeu e ganhou com a esta reforma, tirando o saudosismo que todos que conheceram o traçado original acalentam até hoje? RC. Você usou uma palavra muito bem apropriada: Saudosismo. A antiga pista de Interlagos – digo isso sem soberba – era invejada no mundo inteiro. Já estive em vários países, chefiando delegações brasileiras para diversas competições e sentia uma “quase que inveja”, fosse na França, na Alemanha, na Inglaterra, do nosso Autódromo. O projetista foi de uma extrema felicidade e a topografia, sensacional, nos foi muito favorável. Então, tudo que se exigia em uma corrida de automóveis era encontrado em Interlagos: Subidas, descidas, curvas em subida, em descida, rápidas, lentas, longas, curtas, para ambos os lados, retas de diferentes tamanhos. Tinha absolutamente de tudo. Esta última reforma teve muito a ver com a Fórmula Indy, que estava numa grande crescimento e já se falava em trazer a categoria para correr no Brasil, o que aconteceu, posteriormente, no Rio de Janeiro. Contudo, falava-se sim em usar o anel externo de Interlagos. E a International Promotion, que é parte da Formula One Management, responsável pela promoção e venda do evento Fórmula 1, via neste crescimento da Fórmula Indy um grande perigo para os seus interesses. Se formos analisar bem, os patrocinadores ou são os mesmos ou estão neste seguimento. São as petroleiras, as fábricas de pneus, as redes de fast food, eram as empresas tabagistas... e isso poderia tirar o brilho da Fórmula 1 como sendo a competição única aqui no Brasil. E se olharmos o traçado atual, vemos que houve a intenção de se destruir a possibilidade de se usar o traçado antigo. E realmente, com o que temos hoje, seria impossível. Teríamos que tirar lavadeiras, guard rails... não haveria como. Haviam, mesmo antes da Fórmula 1 exigir a reforma, 3 projetos de se fazer reformas e assim criarmos circuitos menores. Um deles já era usado pelas escolas de pilotagem. Agora, tanto a idéia do Mario Patti, como a do Orlando Casanova como a do Chico Rosa – esta nem tanto – tinham como idéia fazer um Autódromo que tanto atendesse as necessidades da Fórmula 1 como atendesse as nossas necessidades locais. Principalmente para as provas longas que eram feitas aqui no Brasil. Em uma prova longa tem que haver um local para o piloto “descansar”, “respirar”. Este local era o retão. Nesta nova configuração, o piloto fica sob tensão todo o tempo. Agora, precisamos reconhecer que, para a Fórmula 1, temos um circuito que ainda é espetacular... mas isso é para a Fórmula 1. Hoje Interlagos é um autódromo para se realizar corridas de Fórmula 1. NdG. Então, Comparando o Interlagos atual com as demais praças onde ocorre a Formula 1, temos um bom autódromo nos quesitos; qualidade do asfalto, grau de dificuldade da pista para os pilotos e carros, estrutura para a logística das equipes e imprensa, estrutura para o público como acesso, qualidade das acomodações... etc? RC. Temos um bom, não: Temos um ótimo autódromo! O que acontece é que não se tem como fazer as coisas do dia para noite. Contudo, neste último GP, quem veio a Interlagos viu um Autódromo de nível internacional. Com arquibancadas definitivas, cobertas, assentos numerados, um paddock no melhor estilo dos circuitos mais modernos, acessos, banheiros, pontos de venda de alimentação... e ainda tem uma coisa a mais: O brasileiro é muito afável e eles sentem esta cordialidade, esta amabilidade dos brasileiros para com eles e até um sentimento de “inveja” por ver os pilotos fazendo algo que eles gostariam de fazer. É algo que todos os pilotos comentam quando vem ao Brasil. Eles se sentem tratados como gente. NdG. O Sr. falou nas dificuldades provocadas para as pessoas que vivem do automobilismo em São Paulo pelo fechamento do autódromo quando das reformas antes da Fórmula 1. Na sua visão, porque, até hoje, o Estado de São Paulo tem apenas um autódromo homologado para competições nacionais, enquanto os estados do Paraná e do Rio Grande do Sul tem três cada um? O que “estaria faltando” para que houvesse mais autódromos “homologáveis” no estado? RC. Bem, o autódromo me Piracicaba é homologado para competições nacionais de velocidade na Terra. Para velocidade no asfalto, realmente, temos apenas 1. O fato dos governantes de São Paulo, dos prefeitos das cidades no interior do estado estarem afastados do universo do automobilismo, eles não vêem um autódromo como uma obra que vá lhes dar retorno político e financeiro. Para se construir um autódromo, digamos, de nível internacional, absorverá praticamente todo um mandato, talvez mais, além do custo da obra que é altíssimo. Além disso, o primeiro pensamento é sempre o mesmo: Qual será o retorno? Ou seja, é um problema de mentalidade. E eu tenho certeza que, assim como aconteceu no Rio Grande do Sul e no Paraná, bastaria que uma cidade no interior de São Paulo decidisse construir e efetivamente construísse um autódromo, isto serviria de desafio para as outras, para a cidade vizinha, por exemplo, querer construir um, melhor que o anterior. Como não existe este interesse em lugar nenhum, ninguém quer ser o primeiro. Já conversei com vários prefeitos sobre isso e eles sempre me respondem: “O Sr. me trás a Fórmula 1 para cá?” Como se isto dependesse de mim. Na mente deles, construir um autódromo que vai ser usado o ano inteiro, mas que não vai ter uma Fórmula 1, não vai dar retorno nenhum. Retorno, na visão deles, se não for uma Fórmula 1, uma Stock, uma Truck, que vá render alguns milhares de votos, não compensará o investimento. NdG. É tão difícil assim se construir e manter um autódromo em condições de uso? Não falo apenas da questão dos custos de manutenção. RC. O custo de manutenção de um autódromo é alto. Mas, veja bem: Tomemos como exemplo o Rio Grande do Sul. Lá tem os autódromos de Tarumã, Viamão e o de Santa Cruz do Sul. Nenhum deles pode receber uma competição internacional como a Fórmula 1. Não seriam aprovados pela FIA. E isto envolvendo questões de estrutura, dimensões, segurança... tudo. Eu falei agora há pouco que há vários e vários anos sendo Interlagos a sede da Fórmula 1, todos os anos a FIA e a FOM querem melhorias. Isto causa um temor muito grande. Por exemplo: Quando muda o prefeito. Se o prefeito atual constrói o autódromo, mas o seu sucessor precisa reformar o autódromo que foi obra, por exemplo, de seu adversário político, ele simplesmente não faz. Veja o que aconteceu no Rio de Janeiro... NdG. Então, para que haja outro autódromo em São Paulo, capaz de receber competições de grande vulto, nacionais e internacionais, será preciso que alguém “enfie a mão no próprio bolso” como fez o proprietário do autódromo de Piracicaba? RC. Exatamente. Existe hoje um grupo grande, com o Walter Derani, o Antônio Ermírio de Moraes e mais um sócio. Quiseram fazer um autódromo. Era um projeto colossal. Tinha não só o autódromo, mas toda uma estrutura paralela, inclusive com hotéis. Eles esbarraram num problema incontornável: O IBAMA. O primeiro problema que havia era uma rede da alta tensão que passava sobre o terreno: Eles fizeram outra, fora do terreno, pagando todo o custo da mudança. Mas o IBAMA alegou que o autódromo iria afetar o ecossistema local, que o barulho iria perturbar os passarinhos... A localização deste autódromo seria ali perto de Sorocaba, acho que em Paulínia. Este autódromo, o projeto, foi concebido com tudo aquilo que seria necessário para se poder receber uma competição como a Fórmula 1. Contudo, em nenhum momento, nas duas ou três vezes em que eles vieram consultar a Federação, eles perguntaram se conseguiriam levar a Fórmula 1 para lá. As pessoas envolvidas entendem o meio. O Derani corre, o filho também. O Antônio Ermírio tem uma rede de TV na internet que é voltada para o automobilismo. Eles sabem que levar a Fórmula 1 para este novo local irá custar muito dinheiro. NdG. O Sr. sabe se existe alguma lei de incentivo, municipal, estadual ou federal para que uma pessoa física ou jurídica invista na construção de um autódromo? A lei de incentivo ao esporte abrangeria um investimento nesta área? RC. Não. E no caso da lei de incentivo ao esporte, esta só atende a esportes olímpicos. |