Alguns dos Nobres do Grid se notabilizaram – e receberam esta homenagem – pelos seus feitos mesmo sem ter sentado em carros velozes ou cockpits famosos. Este é o caso de Cláudio Daniel Rodrigues. O responsável pela introdução do kartismo no Brasil. O nosso herói nasceu em São Paulo, no dia 16 de dezembro de 1960, filho do engenheiro civil Daniel Rodrigues Junior e da espanhola Beatriz Migueis Rodrigues. Além de Cláudio, o casal teve uma filha – Maria Cecília Migueis Rodrigues – três anos mais nova e falecida em 2004. Cláudio Daniel Rodrigues nasceu num ambiente onde o automobilismo faria parte da sua vida desde cedo. Seu pai, além de engenheiro era um empresário de sucesso e foi o responsável, dentre outras coisas, pela vinda da Bardahl para o país. ‘seu’ Daniel tinha uma paixão por velocidade e andava rápido. Uma das lembranças marcantes tanto nos filhos como amigos. Cláudio Daniel Rodrigues cresceu na capital paulista, na rua Angatuba, no bairro do Pacaembu, com períodos de incursão na Fazenda Ypê, em Itatiba. Devido à boa condição financeira da família, pode estudar em um dos melhores e mais tradicionais colégios paulistanos, o São Luiz, até concluir o antigo ginasial (ensino fundamental nos dias de hoje). Ao invés de fazer o “científico” (atual ensino médio) no Brasil, Cláudio Daniel Rodrigues foi estudar no Canadá, onde junto com as matérias regulares entrou para o seguimento da aviação militar, onde tirou seu “brevê” antes de retornar ao Brasil, onde se tornou instrutor de voos. Nesta época o mundo estava em meio a segunda guerra mundial e como Tenente da Força Aérea Brasileira, foi o instrutor de voos cegos (aqueles sem visibilidade, uma condição que seria encontrada com frequência pelos pilotos que voariam nas missões de guerra. Cláudio Daniel Rodrigues foi instrutor deste tipo de voo nos Estados Unidos antes de retornar ao país. Nosso Nobre do Grid não fez um curso universitário, mas fez vários cursos técnicos de mecânica avançada, tanto no Brasil como no exterior. Depois do final da Guerra, na Inglaterra, desenvolveu para a MG, um escapamento que aumentou em 7 HP, o potencial do carro. Quando voltou ao Brasil, já apaixonado pela mecânica de aviões, barcos e carros, “vestiu a camisa” e representou algumas marcas (MG, Morris , Austin, depois a Romisetta) , foi também, autorizado Willys, e construiu em cima do chassis MG TC, nove carros esportivos. Em 1947, casou-se com Sylvia Pereira Bueno, irmã de Luiz e Vasco Pereira Bueno. Um de seus projetos era chamado de “Morcego”. Era um projeto muito interessante e diferente para a época. Era um dois lugares e a frente lembrava a tomada de ar da Maseratti. Na traseira, tinha um “toque” do Morgan, com estepe para fora do porta-malas. Cláudio Daniel Rodrigues começou a direcionar o foco do seu trabalho para os automóveis. Seu pai gostava de corridas, mas achava que o filho deveria seguir um outro caminho profissional, tendo a velocidade como hobby ou segunda atividade. Chegou a dar uma fazenda para ele, com esperança dele se estabilizar e se fixar, mas durou pouco e a fazenda foi Vendida e se transformada em novos projetos, todos em oficinas. Durante a segunda guerra mundial, Cláudio Daniel Rodrigues treinou os pilotos da FEB para fazer voos cegos. Nos anos 50, o automobilismo brasileiro fervia nos bairros paulistanos, com redutos em diversos bairros. A primeira oficina foi instalada na rua dos Estudantes, junto com o cunhado, Vasco Pereira Bueno, irmão do Nobre do Grid Luiz Pereira Bueno. Lá desenvolveram muitos carros para corridas. Cláudio Daniel Rodrigues foi um dos fundadores do Automóvel Clube Paulista e juntamente com os irmãos Bueno, Participava de corridas em Petrópolis, subidas de montanhas, corridas de rua além das provas em Interlagos. O automobilismo naquela época era um reduto de bons mecânicos e “quase artesãos”, como tantos que conhecemos que fizeram fama nos anos dourados do nosso automobilismo e os pilotos era, em parte jovens com dinheiro suficiente para trazer de fora as grandes maquinas, como Ferraris, Maserattis, Alfas e Cláudio Daniel Rodrigues estava entre eles, mas havia também os que chegaram neste círculo por suas habilidades mecânicas e de pilotagem. Cláudio Daniel Rodrigues chegou a disputar corridas nos anos 50, mas destacava-se mais como mecânico. Nosso Nobre “trafegava” bem entre eles e com o envolvimento de seus cunhados, a sua esposa também acompanhava-o. Cláudio Daniel Rodrigues chegou a participar de uma corrida de 24 horas para Mercedes em 1954, ano em que se separou de Sylvia. Ao longo dos anos 50, Cláudio Daniel Rodrigues disputou algumas corridas no Rio de Janeiro e em São Paulo, mas não costumava ter muito destaque. Cláudio Daniel Rodrigues viajava com frequência para fora do país e em fins de 1957, início de 1958 ele viu nos Estados Unidos uma “coisinha diferente”. Era um carrinho, colado ao chão, com um motor de cortador de grama adaptado para girar o eixo traseiro: um kart! Foi uma paixão instantânea e Cláudio Daniel Rodrigues pensou em trazer aquele carrinho para o Brasil, no caso, construí-los aqui. Quando Cláudio Daniel Rodrigues viu um kart andando nos Estados Unidos, teve a ideia de levar o esporte para o Brasil. Levou mais de um ano, mas depois, com acesso a uma revista que mostrava o carrinho em detalhes, Cláudio Daniel Rodrigues deu início a produção dos primeiros karts brasileiros, trabalhando junto com Mário de Carvalho, que fazia motores de popa de baixa rotação para barcos. Eles fizeram o primeiro kart brasileiro, chamado de “Bruxa” e fizeram um motor que “funcionasse no seco” para empurrar o kart. O primeiro logotipo era um círculo, um perfil de uma bruxa cavalgando uma vassoura, pintado nas costas do banco, que era alto como uma cadeira. A direção era parecida com um guidão, virado p/ cima. O próprio Cláudio Daniel Rodrigues foi a “cobaia” nos primeiros testes. Depois de aprovado o carrinho, foram construídos mais seis, sendo sete o total para a primeira prova, organizada por entusiastas e que reuniu boa parte da “molecada” que estava começando a correr de automóveis. Virou paixão! Na primeira corrida, no Jardim Marajoara, sete karts alinharam e no final do dia, um nome surgia: Fittipaldi! Em agosto de 1960, no Jardim Marajoara, em São Paulo, os 7 karts alinharam para disputar aquela que foi a primeira corrida de karts no Brasil. No Grid estavam além do próprio Cláudio Daniel Rodrigues, Wilsinho Fittipaldi, Carol Figueiredo e Maneco Combacau. No final do dia, Wilsinho foi o vencedor da disputa, mas ali, todos eram vencedores, todos fizeram o Brasil dar um importante passo em sua relação com o esporte a motor. Como o nome “Bruxa” não era nem um pouco comercial, foi preciso dar um novo nome ao kart e o nome escolhido foi o “Rois”, que ele criou com as iniciais do seu sobrenome (Teria sido uma forma de dizer: “Rodrigues is Kart” – Rois Kart?). Com a montagem de novos karts e o surgimento de interessados em participar de corridas, a produção foi crescendo até chegar a uma faixa entre 30 a 35 karts por mês, inclusive com anúncios em revistas especializadas. No início, a imprensa via com uma certa desconfiança o sucesso do kart. Pouco tempo depois, já havia publicidade. Não demorou muito para surgirem outros karts, como o Silpo, de Silvano Pozzi, e o Mini, que também usava os motores fabricados pela Riomar e que teve como sócios os irmãos Fittipaldi, Totó Porto e Maneco Combacau. Cláudio Daniel Rodrigues explicava que para construir um kart, a parte mais difícil era a confecção do chassi. Se não ficasse perfeito o kart “não andava”. Para que isso funcionasse era preciso checar que todas as partes estavam rigorosamente nas medidas certas. Depois, a soldagem dos tubos e eixos deveriam seguir precisamente o “gabarito”, para que não tivesse nenhum tipo de torção, perfeitamente alinhado. Na "linha de montagem" dos karts de Cláudio Daniel Rodrigues eram produzidos de 30 a 35 karts por mês. Com o chassi pronto, começa a etapa da montagem, onde são instaladas a barra de direção, as mangas de eixo, os freios, os comandos e os pedais. O trabalho termina na instalação e fixação do motor e das rodas. O motor – antes de ser instalado – trabalhava por duas horas em uma bancada para ser amaciado. No início dos anos 60, quando as corridas de kart começaram a acontecer, um problema começou a acontecer junto com elas: como os motores dos carrinhos faziam bastante barulho, os moradores dos locais onde as provas aconteciam começaram a reclamar. As corridas saíram do Jardim Marajoara, nas proximidades do estádio do Pacaembu, no Morumbi – que era bem pouco habitado – pelo mesmo motivo. A primeira pista feita para corridas de kart no Brasil foi no Santa Cruz Country Club, em Cotia. O kartódromo de Interlagos só veio a ser construído no final dos anos 60. Turma que disputou a primeira corrida em um "kartódromo", em 1961. Detalhe para o "concorrente" #33. O Silpo. Durante a primeira metade dos anos 60 o kartismo ganhou volume e importância no cenário automobilístico nacional. Praticamente todos os pilotos que vieram a despontar no cenário nacional, nas corridas em Interlagos ou nos circuitos urbanos do interior paulista e também no Rio de Janeiro passaram pelo kart, mas as paixões costumam acabar depois de algum tempo e assim foi entre Cláudio Daniel Rodrigues e o kart. Em 1967, Cláudio Daniel Rodrigues decidiu mudar mais uma vez os rumos de sua vida. Mas uma coisa que ele não perdeu foi a paixão pela vida. Segundo os amigos, era uma companhia divertida, adorava as farras, era um mulherengo de carteirinha, daqueles que as mulheres chamavam de bonito, forte e atlético. Não dispensava a oportunidade de “tomar umas” com os amigos, foi briguento quando provocado, educado até o extremo, culto, adorava ler, fazia planos para o futuro, as vezes antes de aproveitar bem o presente. As corridas de kart também aconteciam no interior paulista e no Rio de Janeiro. Maneco Combacau pilotava os Rois Kart. O último projeto de Cláudio Daniel Rodrigues foi no litoral. Ele se cansou de tudo e da vida de SP, e foi atrás de mais um sonho, que era “velejar até que o mundo acabasse”. Um apaixonado pela vela desde os anos 50, quando os fins de semana que não tinham corrida eram passados no veleiro, que era muito bem tratado, e ficava na represa de Guarapiranga, quase sempre na companhia da turma da velocidade (Luiz Carlos Lara Campos, Paschoal Nastromagário, Celso Lara Barberis, Ciro Cayres). No final da década, passando mais tempo em Ilhabela do que em qualquer outro lugar, enquanto trabalhava com barcos de camarão, cuidou de construir um veleiro para realizar o sonho das velejadas oceânicas. Foram sete anos trabalhando com a pesca e construindo um Trimarã (Catamarã de três cascos) de 38 pés, comprado “na planta”, estava sendo construído no jardim da casa que ele e a companheira, Haidee de Oliveira, com quem ele vivia desde 1967 em Ilhabela. O barco usava compensado naval e teria a cobertura de fibra de vidro, algo novo na época. A primeira viagem já estava planejada: seria para a Polinésia Francesa. Antes de ser construído o kartódromo, A pista de Interlagos chegou a receber algumas provas entre as curvas 1 e 2. A morte precoce, aos 53 anos de idade, em 13 de maio de 1972, abalou a todos os amigos, que nunca concordaram com as informações dadas pelas autoridades. O barco estava quase pronto, mas nunca foi concluído. Cláudio Daniel Rodrigues teve uma passagem curta e talvez, aos olhos dos historiadores, sem muitas glórias. Contudo, a sua iniciativa em trazer o kart para o Brasil é uma dívida que toda a comunidade do esporte a motor tem com ele e seu nome ficará para sempre imortalizado na história do automobilismo brasileiro. Fontes: Depoimento de familiares; Revista Quatro Rodas; Revista Autoesporte; Site Museu do Kart. |