Os escravos romanos diziam aos ouvidos dos imperadores há mais de dois mil anos, nas paradas da vitória, a seguinte frase: “Sic Transit Gloria Mundi”. Toda a Glória é Efémera. E neste ano da Graça de 2014, parece que Formula 1 poderá estar à beira de uma das suas maiores crises, demonstrando a sua enorme fragilidade. Uma fragilidade económica, aliado a uma luta de poder entre duas personalidades… e duas políticas. Primeiro que tudo: a Formula 1 é definitivamente a categoria automobilística mais popular e mais facilmente reconhecível aos olhos do público. Graças a uma personalidade como Bernie Ecclestone, ela consegue receitas anuais na ordem dos 1500 milhões (ou 1,5 biliões) de dólares. E como gasta pouco menos de um terço em despesas, poderemos dizer que é altamente lucrativa. Contudo, existem dois grandes problemas. A primeira tem a ver com as percentagens que são divididas entre as equipas, a entidade que gere a Formula 1, a FOM (Formula One Management) e no meio disso, a parte que cabe a Bernie Ecclestone, que muitos falam que andará a rondar os 15 por cento. O segundo grande problema tem a ver com a origem desses dinheiros, muitos deles provenientes de países com currículo mais do que duvidoso em termos de Direitos Humanos, por exemplo. E ambos os problemas passam pela mesma pessoa. Muita gente não sabe, mas Bernie Ecclestone tentou a carreira como piloto... sem sucesso. Bernie Ecclestone têm agora 83 anos e aparentemente uma saúde de ferro. Está no meio há mais de 50 anos. Primeiro como piloto (sem sucesso), depois como manager de pilotos como Jochen Rindt, e em 1971, como o proprietário da equipa Brabham (que comprou por cerca de 50 mil libras, uma pequena fortuna na época). E foi a partir dali que começou a controlar e modelar a Formula 1 de algo amador para uma estrutura altamente profissionalizada, aproveitando as divisões e as rivalidades para reinar. “Divide et impera”, dividir para reinar, dizia Nicolau Maquiavel, no século XVI. Contudo, todos têm consciência – quer queiram, quer não – que Ecclestone não viverá para sempre. Contudo, este ano começou-se a falar mais fortemente da sua sucessão, não por causa do seu estado de saúde, mas dos seus métodos de negócio. Desde 2010 que se fala do “caso Gribowsky”, onde um funcionário do banco alemão BayernLB, Gerhard Gribowsky, recebeu um vasto suborno, na ordem dos 30 milhões de euros, depois de ter sido detetado essa soma numa das suas contas num banco austríaco e do qual não conseguiu explicar de forma convincente. Em junho de 2012, foi provado – ironicamente, graças ao testemunho de… Bernie Ecclestone – que recebeu o suborno e foi condenado a oito anos de prisão. Ao longo dos anos 70, sua presença foi tornando-se cada vez mais forte na Fórmula 1. No ano e meio seguintes, a Procuradoria de Munique reuniu provas para poder acusar Bernie Ecclestone no envolvimento do “caso Gribowsky”. Do qual ele nunca negou que pagou o valor referido acima, mas justificou-se, afirmando que foi… chantageado! Quando estiver a ler este artigo, o julgamento já teve o seu inicio, dado que este foi marcado para o dia 24 de abril e a sua conclusão poderá estar marcada para meados de junho. Ecclestone está confiante de que ele sairá inocente, mas a justiça alemã têm fama de ser eficaz e de não perdoar aos que não admitem o crime. E se Gribowsky, o corrompido, está a pagar na prisão o crime que cometeu, porque acaso o corruptor não será punido? Ainda por cima, em casos de crimes de evasão fiscal, eles não perdoam. Recentemente, o presidente do Bayern de Munique, Uli Hoeness, foi condenado a três anos de prisão por evasão fiscal. E neste caso em particular, ele admitiu o crime e decidiu pagar os valores em falta ao fisco alemão. O pior é que este caso vêm numa altura muito má para a Formula 1. A historia do barulho dos motores já se tornou – como previ na minha crónica anterior – num duelo entre fações. Ecclestone e a Ferrari, que querem ditar as regras à sua maneira, contra Jean Todt e a Mercedes, que por voz de Niki Lauda, um dos seus diretores, querem controlar o espectáculo à sua maneira. E os que poderão perder, quem quer que seja, já ameaçaram que poderão abandonar o barco e criar a sua própria coutada. A ideia de uma divisão da Formula 1 poderá ser neste momento o pior pesadelo de qualquer um, seja ele adepto, trabalhador ou patrocinador, pois todos sabem que é Ecclestone a “cola que une” este desporto, que é cada vez mais um negócio. Os rumores são muitos, e surgem a cada dia que passa, mas caso Ecclestone acabe por ser condenado por corrupção, e dada a idade do anãozinho, poderá ser o fim da linha para ele, e o principio de uma era de incertezas, do qual tudo pode acontecer.
Nos anos 80, ele já era o homem forte e homens fortes como Roberto Marinho, da TV Globo, reconheciam isto. E nestes dias que correm, quando um mal surge, este nunca vêm só. E desta vez têm a ver com a política. A situação no leste da Ucrânia e as ameaças de guerra civil e de invasão russa, arriscando a uma reação em cadeia da comunidade internacional, do qual os Estados Unidos e a União Europeia já começaram, aplicando sanções económicas a bancos e pessoas estritamente ligados ao presidente Vladimir Putin. E algumas dessas entidades, nomeadamente o banco SMP, têm investido bastante no automobilismo, nomeadamente na Endurance, na IndyCar – Mikhail Aleshin – e na Formula 1, com Daniil Kvyat. Com o degradar da situação no leste da Ucrânia – no momento em que escrevo estas linhas, diga-se de passagem – o Ocidente aplica sanções aos que trabalham com o governo russo. E muitos desses oligarcas andaram nos últimos anos a ligar-se à Formula 1, particularmente a Sauber e a Marussia. A equipa suíça tenta desde meados de 2013 atrair capital russo, chegando a dar em compensação um lugar como piloto de testes ao jovem Serguei Sirotkin, de 19 anos, no sentido de o preparar para a Formula 1 em 2015, enquanto que a Marussia, apear de ter sede inglesa e ser gerida pela Manor, é financiada pelos oligarcas. Primeiro, Nicolai Fomenko, o fundador dos automóveis Marussia, e depois por outro oligarca, que aparentemente, no final de 2013, pagou todas as dívidas da fábrica contraídas até agora. Ao longo das últimas décadas, Bernie Ecclestone apontou o caminho do crescimento da F1... nem sempre aceito ou compreendido. Sem o dinheiro russo, com as contas congeladas, será quase impossível a essas duas equipas financiarem as suas operações, pelo menos no curto prazo, e teme-se pelo futuro, o que poderá levar ao encerramento das suas atividades, pois o dinheiro fornecidos pelas equipas não é o suficiente para pagar as contas. Daí que a Sauber, por exemplo, ser favorável à limitação de custos, pois assim ela é sustentável. Para além disso, existe um problema que surgirá no horizonte: como será em outubro, quando a Formula 1 ir a Sochi, palco do Grande Prémio da Rússia? Se Bernie Ecclestone ainda mandar no circo, e vermos os exemplos do passado (África do Sul, Bahrein) muito provavelmente ignorará as sanções internacionais e levará o pelotão à cidade olimpica, a 5 de outubro. Mas dependendo do que acontecer até lá, muito provavelmente a comunidade internacional poderá não ser tão passiva assim neste caso, como foi em 2012 com o Bahrein, onde ele ignorou os apelos ao boicote, preferindo receber o dinheiro e ir para a pequena ilha do Golfo Pérsico, num autêntico “business as usual”. Com o processo na Alemanha, aos 83 anos e muitas incertezas pela frente, podemos estar vendo o fim de uma era. Em suma, o verão europeu poderá assistir ao final de uma era, e à tempestade que muitos temiam que poderia acontecer no pós-Bernie. Veremos quem conseguirá escapar aos pingos de chuva, e até que ponto a Formula 1 se aguentará, pois de repente, descobrimos que é mais frágil do que julgávamos. Saudações D’Além Mar! Paulo A. Teixeira
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