Antônio Pizzonia ficou conhecido na Europa como “jungle boy”. Afinal, ele veio do coração da selva amazônica, em Manaus. Destaque no kartismo brasileiro e em todas as categorias de base na Europa, chegou na Fórmula 1 como uma grande promessa, mas as coisas não saíram como o planejado. Durante muitos anos correu no Brasil e no exterior, em diversas categorias, tanto de fórmula como de turismo. Em 2014, dirigiu seu foco para a Stock Car em busca de uma conquista que será inédita. Dono de uma personalidade altamente extrovertida, querido por todos onde passa e responsável por distribuir cerveja para os ‘mecas’ sempre ao final do desafio internacional das estrelas, Antônio se considera uma pessoa normal. Pai de uma filha do primeiro casamento e um menino do segundo, o triatleta das selvas (Antônio participa de competições de triátlon e faz um programa de treinos pesado para manter a forma) leva as coisas muito a sério quando chega a hora de trabalhar. Aos 34 anos, vivendo o segundo casamento, Antônio Pizzonia vai disputar este ano mais uma temporada na Stock Car, ao lado de Julio Campos na equipe Prati –Donaduzzi Mas foi com o espírito bem descontraído, depois de levar mais uma vez as cervejas para a garagem, que Antônio Pizzonia conversou conosco. Acelera aí! NdG: Você vem de um estado praticamente sem tradição no automobilismo. Como foi que você se interessou pelo esporte e chegou ao kart? Foi um sócio do meu pai que me deu um kart de presente... mas eu levei mais de um ano pra conseguir andar nele. Antônio Pizzonia: Não é só no automobilismo que falta tradição. Em termos de esporte em geral o Amazonas não tem tradição mesmo... nem no futebol. Quando eu comecei a disputar corridas de kart, não havia kartódromos, as provas eram disputadas em pistas improvisadas, demarcadas com pneus. Depois de um ano correndo lá, com 10 para 11 anos eu tive que seguir para São Paulo, que sempre foi o centro do kartismo brasileirão. NdG: Para fazer um projeto como esse o apoio tem que começar em casa, certo? Como foi o envolvimento do seu pai nessa sua vida de piloto? Ele já tinha corrido antes? Já era um apaixonado por corridas? Antônio Pizzonia: Meu pai nunca disputou uma corrida na vida. Ele sempre gostou de jogar futebol. Mas ele teve um sócio que foi piloto da antiga Fórmula Ford, o Cesar Sade, que acabou falecendo num acidente na categoria anos depois. Foi ele quem me deu de presente de aniversário um kart... assim, do nada. Meu pai não gostou muito da ideia (risos), ele dizia que era perigoso, mas eu queria muito e a “negociação” foi na base da recompensa: se eu me saísse bem na escola, tirasse boas notas, ele me levaria pra andar de kart. E isso levou praticamente um ano desde que eu tinha ganho o presente. Naquele dia a minha vida mudou. A paixão foi imediata e meu pai percebeu isso e não só permitiu, mas também apoiou todos os meus passos na carreira. NdG: quando você foi correr em São Paulo, quem eram os adversários na pista nos tempos do kart? As corridas em Manaus eram em pistas improvisadas, feitas com pneus. Só no último ano de kart fizeram um kartódromo. Antônio Pizzonia: A minha geração foi muito forte. Não só na minha categoria, mas acima e abaixo também. Foi uma safra muito boa, com alguns pilotos que chegaram na Fórmula 1 e na Indy. E depois disso não veio uma safra forte. Foi um ou outro que se destacou. Na minha categoria, eu disputava os títulos com o André Nicastro, Fábio Carbone e Flávio Venâncio. Tinha muita gente boa. NdG: Sobre o fato de vir do Amazonas, ao longo de sua carreira, pelo menos nos tempos de kart e Fórmula, você se tornou um ‘garoto propaganda’ do seu estado e da região amazônica como um todo. Até onde foi uma questão cultural, de amor pela terra natal e onde começou o lado comercial? Antônio Pizzonia: No começo a minha relação com o automobilismo era totalmente amadora, depois foi que ela veio tomando ares de profissionalismo e sendo eu um piloto da região, o único piloto da região, isso ajudava a atrair patrocínios e a projeção que foi isso. Era a primeira vez que um piloto vindo da região norte do país chegava no automobilismo europeu. Foi aí que nasceu o apelido de ‘jungle boy’ e que eu carrego até hoje. NdG: Tem uma palavra que anda muito “na moda” de uns tempos pra cá que é o “legado”. A sua trajetória de sucesso no automobilismo deixou algum legado no Amazonas ou ao menos em Manaus? Ser um piloto da região norte do país, do meio da selva amazônica acabou sendo uma promoção boa pra mim. Antônio Pizzonia: Não foi por falta de tentativa. A gente tenta fazer isso, construir algo, mas conseguir manter é muito complicado. No meu último ano de kartismo, depois de muito trabalho, muitas reuniões e do retorno que vinha das vitórias conquistadas em São Paulo, conseguimos junto ao prefeito de Manaus, na época o Amazonino Mendes, que fosse construído o primeiro kartódromo na cidade. Isso foi em 1996 e o retorno foi imediato, com uma grande quantidades de pilotos surgindo na cidade e redondezas. O problema é que faltou continuidade, especialmente da parte daqueles que governam e hoje o kartódromo está praticamente abandonado, o que me deixa muito triste, ver o resultado de tanto esforço do jeito que está hoje. NdG: E esse descaso não é uma exclusividade de Manaus, infelizmente... Antônio Pizzonia: É verdade. Eu estive há pouco tempo em Florianópolis e fiquei decepcionado com o estado de abandono do kartódromo de lá. Uma estrutura excelente que havia ali, um estado com grandes recursos como Santa Catarina... ver um investimento daquele tamanho estar assim, praticamente jogado fora é incompreensível e inadmissível. NdG: Sempre se fala que o kart é a categoria escola do automobilismo. Ainda é assim? Infelizmente os governantes não olham o esporte como deveriam. O kartódromo de Manaus está sucateado. Antônio Pizzonia: Com certeza o kart me preparou muito bem para minha vida como piloto. O kart hoje é bem diferente da minha época. O kart hoje eu nem diria que é tão importante quanto foi na minha época. Um carro de corrida é totalmente diferente do kart. E na minha época eram muito parecidas as reações. Do jeito que tinha que pilotar o kart, tinha que pilotar um carro. A primeira vez que sentei em um fórmula era exatamente igual. Hoje no kart o piloto tem que ser muito mais ‘redondo’. Quando eu corria, parava o kart na freada, atravessando. Então era atacando bem a curva. Hoje não dá para fazer isso. O piloto freia suave e deixa rolar. Coisa que em um carro de corrida é impossível fazer. Tem que frear o mais tarde possível e atacar a entrada da curva, que é onde ele mais vai ganhar tempo. Porque na saída ele está limitado na tração. Não adianta ele tentar frear antes e sair antes, porque ele não vai ter tração para sair. NdG: A construção da sua carreira pra chegar na F1 foi feita muito na base “no peito, na raça e no talento”. Hoje em dia a gente vê estes “programas de jovens pilotos” das equipes da categoria. Ainda é possível um “outsider” conseguir chegar à F1 sem passar por estes programas? Antônio Pizzonia: É praticamente impossível. Eu penso que a situação atual beira o ridículo, estes programas que estamos vendo dentro de montadoras e equipes não deixa quase nenhuma opção para o piloto que não venha a aderir, a participar de um desses programas e que sempre começa com a entrada do dinheiro do piloto para estas empresas. Se não faz parte deste esquema o piloto tem que ter muito dinheiro para montar ele próprio, com seus patrocinadores, um esquema, uma estrutura, capaz de competir de igual para igual coma dos times que fazem parte dos programas de equipes e montadoras da F1. A continuar deste jeito, a tendência é, em breve, não termos mais pilotos na F1. NdG: Mas quando você estava na F 3000 já existia um esquema no mesmo sentido, com equipes ligadas à McLaren e Williams. Qual era a diferença daquele tipo de esquema para o que se vê hoje? Com estes esquemas de "programas de jovens pilotos" está praticamente impossível para um brasileiro chegar na F1. Antônio Pizzonia: A grande diferença estava no critério que te levava a conseguir entrar numa dessas equipes. Era preciso o piloto ter conquistado vitórias, títulos,ter mérito técnico para estar ali. Estes programas de jovens pilotos estão, em alguns casos, pegando os pilotos ainda meninos, no kart, e levando-o até a Fórmula 1. Bem diferente daquela época em que o piloto tinha que passar por todas as categorias, mostrar serviço e aí tentar subir. E mesmo chegando numa equipe Junior como era a da Williams na F3000, não havia garantia nenhuma de que você correria na equipe, tanto que eu testei para diversas equipes, apesar de ter corrido com a Williams depois. NdG: Da sua passagem pela F1, o maior período foi na Jaguar, quando correu junto com o Mark Webber. De fora, a gente via uma situação complicada. O que foi que não deu certo ali? Antônio Pizzonia: O problema na Jaguar era a falta de dinheiro. Mesmo com a Ford por trás, a realidade é que não havia condições de se fazer dois carros competitivos no time e com isso alguém iria ficar sacrificado. O Mark Webber contava com muitos apoios, muitos patrocinadores. Isso o colocava em vantagem. Assim, ele tinha todos os desenvolvimentos antes de mim. O que ‘sobrava’ vinha para mim. A diferença era muito grande e, sinceramente, hoje eu me arrependo muito de ter assinado aquele contrato. Fizeram muitas promessas para mim e não cumpriram nada. Não foi fácil. NdG: E a relação entre você e o Mark, como era? Antônio Pizzonia: Ele não era uma pessoa muito aberta. Era um pouco difícil o convívio, mas a gente tem que respeitar a maneira de ser das pessoas. Da minha parte eu não tinha nada contra ele. Eu sempre encarei o automobilismo e a vida de uma maneira diferente. A gente tinha que ser parceiro, companheiros de equipe e nos ajudar ali. Acho que ele usava aquilo como uma estratégia para se posicionar dentro da equipe e teve coisas que pessoas que, depois que eu e eles deixaram a equipe me falaram. Hoje isso não é mais importante. NdG: O Murray Walker, carismático narrador inglês da F1 disse certa vez que um piloto na F1 muitas vezes tem que ter o ‘timing’ correto, para estar na no lugar certo na hora certa e ele usava o Heinz-Harald Frentzen como exemplo, que era tido como melhor que o Schumacher no início da carreira. Tem mesmo disso no automobilismo? O Mark [Webber] tinha todo o equipamento e atenção da equipe. Eu corria com o que sobrava. Era muita diferença. Antônio Pizzonia: Não só no automobilismo, mas acho que em todo lugar, em tudo na vida. O caso do Frentzen acho que é um de vários casos que ocorreram na Fórmula 1. O Murray é uma pessoa muito divertida e ele conhece muito de automobilismo, mas no caso do Schumacher, ele era um piloto diferenciado, especial e mostrou isso ao longo da carreira. NdG: Depois de tentar várias coisas, no Brasil, nos Estados Unidos, você tentou retomar o caminho da Fórmula 1 via GP2, mas aparentemente, as coisas se mostraram complicadas por ali. O que era a GP2 comparada com a F3000? Antônio Pizzonia: A GP2 é uma competição quase que dirigida. Os donos da categoria praticamente escolhem quem vai ganhar, muito diferente do que era a F3000. Ali na GP2 eles olham quem são os pilotos que interessam pra eles, em geral jovens e com muito dinheiro para investir na F1 e estes recebem as melhores condições para se destacar na categoria. Pode ver na lista dos vencedores da categoria que praticamente todos os vencedores foram pilotos que eram economicamente interessantes para a F1. NdG: Para quem viu a corrida da Auto GP em Curitiba uns anos atrás e viu o show que você deu e vê você andando em carros de turismo, igualmente bem sempre fica naquela de saber como é a diferença entre uma e outra categoria e como o piloto se sente. Onde você “encaixa” melhor? A GP2 é uma competição dirigida. Ganha quem é interessante e quem vai colocar dinheiro dentro da F1. Antônio Pizzonia: Eu me sinto muito à vontade em carros de fórmula, se bem que o carro de fórmula requer uma sensibilidade muito grande e isso pode levar tempo para que o piloto se adapte. Além disso, os fórmulas exigem do piloto um condicionamento físico mais apurado, um programa de treinamento mais forte, mas quando a gente é profissional a gente não pode fazer só aquilo que gosta ou que se dá melhor. Eu me adaptei bem aos carros de turismo e a Stock Car é uma categoria muito competitiva, com excelentes pilotos e que exige o máximo de você em termos de performance. NdG: Como preparação física, você tornou-se um triatleta. Como você encontrou isso? Antônio Pizzonia: Foi exatamente assistindo a uma prova de Ironman em Florianópolis (SC), ano passado, que decidi mergulhar de cabeça no mundo do triathlon. Meu desafio era justamente aprender o limite do meu corpo. Acho que foi uma experiência legal e agora eu tenho um parâmetro de tempo e uma certa experiência para tentar melhorar em cima disso. Como envolve três modalidades, além de gostoso, por ser ao ar livre, ele prepara para o automobilismo. NdG: Nestes anos de automobilismo, alguma mágoa ficou nestes 25 anos de pista? Antônio Pizzonia: Nossa... risos 25 anos. Tô velho! [gargalhadas] Teve uma coisa sim. Depois das quatro corridas que fiz pela Williams em 2004 [substituiu Ralf Schumacher], eu recebi várias propostas. Tive ofertas da BAR, da Toyota, da Indy. Mas o Frank tinha me garantido que em 2005 que eu viraria piloto da equipe. Aceitei e deixei de lado as outras propostas. Mas às vésperas da temporada [de 2005], o Frank veio me comunicar que a BMW queria um alemão e que agiria de forma política. Ficou uma grande decepção minha com o Frank. Fiquei sem a vaga e as portas das outras escuderias já tinham se fechado. |