Quem conhece o automobilismo, sabe que o dinheiro é sempre importante para colocar algo de pé e manter a funcionar. Dependendo da categoria, o dinheiro envolvido é sempre grande e nem sempre têm lucro. Rob Walker, o milionário herdeiro da Johnny Walker, e durante os anos 60 e 70 dono de uma equipe privada, costumava dizer que “para ganhar uma pequena fortuna na Formula 1, têm de começar primeiro com uma grande”. Nas últimas semanas e meses, têm surgido projetos onde se apelam à contribuição dos fãs e amigos para construir ou manter projetos. E três deles estiveram em destaque vpor vários motivos: a Caterham na Formula 1, a Brabham e a Brazil Le Mans Team, na Endurance. O primeiro projeto é o mais mediático. Na sexta-feira do GP do Brasil, soube-se que o administrador que está a cuidar da equipe, depois que o consórcio suíço-árabe se ter retirado de cena, tendo “devolvido” a gestão a Tony Fernandes, decidiu lançar um projeto com a frase #RefuelCaterham, através do sitio de “crowdfunding” CrowdCube. Eles pretendiam angariar 2,3 milhões de libras para poderem ir a Abu Dhabi e correr a prova final da temporada. Em dois dias, a resposta foi avassaladora: um milhão de libras angariados, e as doações continuavam. Tanto que uma semana depois, altura em que esgotava o prazo original, tinham alcançado cerca de 80 por cento do valor pretendido e decidiram prolonga-lo, para além de terem anunciado que iriam a Abu Dhabi, tendo mandado os chassis e uma equipe de 40 elementos, entre mecânicos e engenheiros. E os pilotos eram confirmados: no domingo, Kamui Kobayshi era anunciado, enquanto que o segundo piloto – na substituição de Marcus Ericsson, que rescindiu contrato e vai correr na Sauber em 2015 – acabou por ser o britânico Will Stevens, que neste temporada andou na World Series by Renault.
Site da "vaquinha" da Caterham. Pode comprar o que quiser... ou quase! Contudo, há imensas dúvidas sobre a vaquinha da Caterham. Não só a velocidade do dinheiro recolhido, como também sobre os artigos que estavam expostos. Tinha alturas em que o sitio dava saltos ditos “suspeitos”. Descobriu-se depois que o administrador da Caterham tinha interesses no sitio Crowdcube, logo, a ideia de manipulação de resultados é real. E ao contrário de outros sítios semelhantes, como o Indiegogo ou o Kickstarter, não se consegue ver quem é que está a contribuir para o projeto. Para além disso, quem for ver ao sitio, parece mais um leilão do que outra coisa: entre outros artigos ditos normais (bonés, camisetas, polos) têm também fatos de competição de pilotos que passaram por lá desde 2010, incluindo os pilotos de testes, partes de carros de anos anteriores (asas, discos de freio, coberturas), colocando os preços de venda que iam dos 500 até 6500 libras. E os artigos eram rapidamente vendidos. Claro, tudo isso faz com que se pense que tudo isto não é mais do que um “canto do cisne” para ir a Abu Dhabi, recolher o dinheiro da presença, pagar as dividas e liquidar a operação. E os sinais disso vieram no fim de semana anterior a Abu Dhabi, quando a equipe anunciou que tinha despedido 230 funcionários, e muitos deles tinham sete semanas de salários em atraso. Cockpit da Caterham: se tiver grana, o lugar está disponível. Ao mesmo tempo que tudo isto acontecia, outra campanha de “crowdfunding” chegava ao fim, com objetivos mais modestos, mas alcançados. E tratava-se do regresso de um nome mítico do automobilismo: Brabham. No inicio de outubro, David Brabham, o filho mais novo de Jack Brabham, anunciava o regresso do nome ao automobilismo, 22 anos depois da sua última corrida. O objetivo era de angariar 250 mil libras para construir aquilo que chamava de “Projeto Brabham”. Essencialmente era a construção de um portal, onde fãs, pilotos e engenheiros iriam seguir detalhadamente a construção e desenvolvimento de uma equipe que iria estar na Endurance. Não dariam dinheiro para ajudar a comprar ou montar um chassis – essa parte seria feita por modos mais tradicionais – mas todos que quisessem aprender alguma coisa, receberiam algo em troca. Os pilotos seriam acompanhados por treinadores, fisioterapeutas, psicólogos, e no final, teriam as suas capacidades certificadas pela equipe. E a mesma coisa aconteceria aos engenheiros, que teriam um “estágio”, onde aprenderiam a construir e a manter a equipa, nas várias áreas, do qual no final também ganhariam um certificado, e quem sabe, um lugar. Mover o carro e o projeto Caterham: muitas vacas para puxar a equipe do atoleiro. Com o objetivo em mente, alcançaram as 250 mil libras em 45 dias, e o prazo terminou no passado dia 15 de novembro. Com o sucesso alcançado, David Brabham anunciou ao sitio Sportscar365.com que os objetivos iriam ser mais ambiciosos: um chassis LMP2, provavelmente fabricado pela HPD (do qual Brabham têm uma longa ligação) e preparavam o carro para participar nas 24 Horas de Le Mans de 2015. E Brabham, com 49 anos de idade, pensa ainda em correr no carro da família, tal como fez em 1990, quando estava na Formula 1. Quem também quer estar em Le Mans, mas em 2016, é o brasileiro Patrick Choate. Aos 33 anos de idade, e com alguma participação no automobilismo, construiu a sua firma de compósitos Choate Carbon, que vendeu em 2010 a um grupo de investimento. Quatro anos depois, e após um problema grave de saúde – sofreu um AVC – decidiu que era altura de construir um carro para colocar o Brasil na Endurance. E aliou-se com o francês Nicolas Perrin no sentido de construir um carro na categoria LMP1. Perrin anda desde 2011 a construir um chassis em “open source”, ou seja, pede a colaboração de todos para construir o carro, cujo design esteja acessível a quem queira construir algo semelhante. O chassis está pronto, mas Choate quer apelar a todos para que ajudem a construi-lo. E o objetivo é ambicioso: reunir 2,230 milhões de dólares em 45 dias para construir, testar e desenvolver o chassis e os sistemas de recuperação de energia ao longo de 2015, para que tudo esteja pronto em 2016, para correr ao lado da Audi, Porsche, Toyota e Nissan, para além da Lotus e Rebellion. LMP1 do Brasileiro Perrin. Passando o chapéu para tirar a ideia do papel. Ao todo, o projeto é mais oneroso: 5,790 milhões de dólares. Mas o valor em falta serve para a manutenção de uma equipa de mecânicos e engenheiros, para além das viagens e das peças que sejam necessárias. Até agora, não têm havido muito “feedback”, pois apenas foram angariados 1289 dólares, meros 0,5 por cento do valor inicialmente proposto. É certo que se pode alcançar por outros meios, mas neste caso em particular, parece não haver interesse no projeto. Dependendo do nome ou da categoria, o sucesso destas empreitadas é variável. Contudo, o uso do crowdfunding – ou vaquinha – demonstra que as entidades estão a variar nas fontes de financiamento dos seus projetos. As entidades bancárias colocam muitas vezes obstáculos à viabilidade dos projetos, logo, esta é uma boa alternativa. Mas tudo isso depende de alcançar ou não o objetivo, pois caso contrário, devolve-se o dinheiro. Embora haja financiamentos flexíveis – independentemente do dinheiro alcançado, ficam com ele e passam para outras formas – normalmente o “crowdfunding” é um teste à popularidade do projeto e a sua viabilidade. O sucesso é variável, é certo, mas nos tempos que correm é o regresso de uma velha formula, mas com nova roupagem. Saudações D’além Mar, Paulo Alexandre Teixeira
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