As corridas do Campeonato Mundial de Endurance tem peculiaridades que outras categorias não tem. Uma delas é o fato de termos, na pista, carros de quatro categorias andando juntos, mesmo com consideráveis diferenças de performance entre elas. Um carro da categoria LMP1-H, como os Porsche 919, chegavam ao ponto de maior velocidade na reta dos boxes do Autódromo Internacional de Interlagos a quase 330 Km/h, cerca de 70 Km/h mais rápido que os carros da categoria Gran Turismo e quase 50 Km/h mais velozes que os protótipos da LMP2. Uma vida difícil para quem tem que ser rápido para se livrar dos carros mais lentos, mas ainda mais dura para quem tem que pilotar com um olho no que acontece à sua frente, na disputa de posições da categoria onde está, e um olho no retrovisor, para perceber a aproximação dos pilotos que facheiam suas luzes brancas antes de serem deixados para trás quase como se estivessem parados. Conversamos com sete pilotos das categorias Gran Turismo e Le Mans Protótipos 2 para saber como eles lidam com este desafio que lhes é imposto, em alguns casos, com a necessidade de pilotar sem luz natural, após o por do sol, não apenas durante as 24 Horas de Le Mans, mas em outras pistas também. Emmanuel Collard – Piloto da equipe Porsche Prospeed Competition LMGTE Am. Pilotar em uma corrida do Campeonato Mundial ou do Campeonato Europeu de Endurance é uma experiência fantástica. Eu já estou na categoria há muitos anos e posso garantir que ter experiência neste tipo de competição dá ao piloto uma grande vantagem de como lidar com as situações que são impostas durante a corrida. Atualmente estou pilotando para uma equipe com carros de Gran Turismo, mas já pilotem em protótipos e protótipos com sistema híbrido. Acho que isso me dá uma vantagem sobre meus adversários diretos por entender, de dentro, como funcionam estes carros mais rápidos. O Grande segredo é conseguir manter o foco, especialmente quando começamos a ser alcançados. Num circuito mais curto como é o caso de Interlagos isso vai acontecer mais rapidamente. Em menos de 10 voltas os protótipos da Audi, Porsche e Toyota já estarão procurando espaço para passar entre nós e não podemos deixar de fazer nossas corridas, que ainda estarão no início. O exercício mental aqui será particularmente duro. Em Interlagos não teremos período noturno, o que para mim é uma pena uma vez que gosto muito de pilotar à noite. Consigo manter bem minhas referências e andar rápido. Também tenho uma percepção muito boa de como os protótipos se aproximam e consigo não perder tempo com eles. Mas isso é uma coisa que só vem com o passar dos anos e muita sensibilidade. Fernando Rees – Piloto da Equipe Aston Martin Racing LMGTE Pro. Este é um dos grandes desafios que nós pilotos enfrentamos no Campeonato Mundial de Endurance, mas que é também um desafio igual para quem está ao volante dos protótipos porque ao contrario do que acontece na Fórmula 1, quando um retardatário é alcançado e vai tomar uma volta, nós não temos que facilitar o caminho de ninguém. Não há acionamento de bandeira azul determinando que temos que sair da frente, muito pelo contrário: sair do traçado para deixar alguém passar pode custar uma penalização. A disputa por posição é real durante todo o tempo. Somos mais rápidos do que os carros da LMGTE Am e eles não tem que sair da frente, eles disputam posição e uma grande glória para eles é chegar na frente dos carros da LMGTE Pro, o que ainda exige mais de nós. Para se tornar um bom piloto nesta categoria é fundamental o bom entendimento e adaptação neste tipo de condição de corrida e junto com todas estas variáveis externas ao teu carro você conseguir ser rápido, gerenciar bem teus pneus e não se envolver em acidentes. Uma das variáveis mais interessantes e que mais exigem do piloto nesta categoria é quando anoitece. Tudo fica diferente. O retrovisor deixa de ser eficaz, então nós passamos a usar uma câmera que fica apontada para trás e que nos dá a visão do que vem chegando e quando os protótipos vem com aquelas luzes brancas extremamente fortes ilumina todo o cockpit e além de não dar a referência exata da distância em que estão, se estão a 10 ou a 50 metros. Isto compromete o que temos que fazer para a frente, mas é igual pra todos. Lógico que a tarefa de ultrapassar é de quem vem atrás e está mais rápido, mas ninguém quer se expor a um acidente, acabar com a corrida ou correr o risco de se machucar. A atenção a noite é redobrada. James Calado – Piloto da Equipe AF Corse LMGTE Pro. Este ano está sendo um ano de um aprendizado fantástico para mim que vim dos carros de Fórmula e um carro rapidíssimo como era o GP2, com um grande ‘downforce’, pneus super eficientes, rodas expostas, cockpit aberto, freios com uma capacidade absurda para parar o carro e uma relação peso x potência que é muito mais agressiva do que a encontrada num carro de Gran Turismo. Aqui temos um excelente carro, que tem uma capacidade de aderência impressionante, que me surpreendeu, e que é muito rápido. Além disso a equipe conta com pilotos muito experientes como o Gianmaria [Bruni] que acaba sendo como um mentor, uma referência para quem está chegando agora como eu. Como disse, tudo é novo e estou aprendendo e, no processo de aprendizado podemos acabar cometendo erros e nos envolvendo em acidentes como o que tive em Le Mans este ano, mas eu estou confiante de que estou aprendendo e me tornando cada vez mais rápido. O nível de concentração na pilotagem destes carros nesta categoria é enorme. O foco é total o tempo todo por conta desta quantidade de carros mais rápidos e as vezes da quantidade de inscritos na corrida. Além disso, buscar um acerto de carro que seja bom para você e seu companheiro de equipe que as vezes não tem o mesmo estilo de pilotagem acaba fazendo você aprender a usar outros recursos, o que é muito bom. Pilotar a noite é simplesmente fantástico. É preciso usar o período de luz natural para se adaptar e achar todas as referências para não se perder tempo quando a noite cai. As vezes temos a sensação de estar andando rápido,mas não estamos e a comunicação com os boxes ajuda muito, especialmente numa pista longa como Le Mans. Nicolas Minassian – Piloto da Equipe SMP Racing LMP2. Para nós da categoria LMP2 é como ser o recheio do sanduiche. Temos um carro bom, rápido, mas a diferença de velocidade para os carros da ‘Protótipos 1’ é muito grande, maior do que o ganho que temos em relação aos carros da categoria Gran Turismo e a nossa categoria é muito disputada. Não perder tempo com os carros da GT é mais difícil para nós. Quando chegamos no GT, eles normalmente estão juntos, uma vez que o comportamento deles é muito parecido e eles não tem obrigação nenhuma de abrir passagem para nós. Ou seja, precisamos realmente ultrapassá-los e não podemos perder tempo porque vai ter sempre alguém na tua cola ou você vai estar na cola de alguém. Eles podem ser a chave para você conseguir ganhar uma posição... ou perder várias! Quando pilotamos a noite a sensação de velocidade muda dramaticamente. Temos uma diferença de faróis nos carros, com os protótipos usando luzes brancas e os GT luzes amarelas. Independente disso, tuas referências mudam e por vezes você tem a sensação de que está andando rápido e não está. Quando completamos a volta, vemos que perdemos tempo. A comunicação com o box é vital a noite. A atenção com o tráfego redobra, claro, mas é preciso ter muita atenção com o traçado. Durante o dia é mais fácil perceber uma alteração na condição do traçado do que a noite. Contudo, acho o momento mais crítico as horas de crepúsculo, onde não está claro e nem escuro completamente. É um intervalo relativamente pequeno de tempo, mas que as coisas mudam rapidamente. Olivier Pla – Piloto da Equipe G-Drive Racing LMP2. Ter que lidar com esta mistura de categorias correndo no mesmo circuito ao mesmo tempo é algo que faz parte da vida do piloto do Mundial de Endurance. Quando corremos numa pista mais curta, como Interlagos, o tráfego parece se acumular e dificulta a vida dos carros como os nossos, mais rápidos que os das categorias de carros Gran Turismo e mais lentos que os P1 da Protótipos, mas em Le Mans, que é uma pista muito longa, há muito mais carros na prova e ainda um longo trecho de corrida à noite, o que é uma dificuldade a mais. Eu gosto muito de correr à noite. Tudo a sua volta parece passar mais rápido e a sensação de velocidade é incrível. É preciso adaptar sua percepção na aproximação, freadas e ultrapassagens. É muito fácil errar e pilotar com os faróis, por melhor que sejam, requer experiência. Toni Vilander – Piloto da equipe AF Corse LMGTE Pro. Para nós, finlandeses, que temos muitos meses do ano castigados pela neve e pouco tempo para correr em nosso país, tendo que ir para o sul, para tentar ter sucesso e sair de casa, de seu país é um sacrifício que fazemos, mas que tem valido a pena. Temos a fama de bons pilotos em todo o mundo e isso é positivo, abre mercado para os que estão vindo por aí. Correr na categoria de Gran Turismo para mim é correr na categoria mais equilibrada e mais emocionante do Mundial de Endurance. Mesmo sendo corridas de 6 horas, não tem moleza. É pé no fundo o tempo todo. A disputa é muito dura. Basta ver como os carros chegam e andam próximos uns aos outros durante a corrida, com diferenças de poucos segundos, as vezes décimos! Para ter sucesso, não pode haver erro. Nem na pista, nem nos boxes. Tudo tem que ser preciso e perfeito. A margem é zero e saber lidar com o tráfego é vital para ter sucesso. Somos os carros mais lentos, mas isso não nos dá direito de perder tempo quando somos ultrapassados pelos protótipos, não podemos perder tempo. Quando os fiscais de pista agitam as bandeiras azuis, avisando que os carros mais rápidos estão chegando, precisamos agir rápido. Não podemos simplesmente deixar passar, mas é importante aproveitar o momento para tentar ganhar tempo. Em Le Mans, uma pista mais longa é mais fácil lidar com o tráfego, mas numa pista curta como Interlagos, não dá nem pra respirar! Para andar bem à noite, o piloto precisa ter as referências que ele marcar durante as horas de corrida antes de anoitecer. Sem referências o piloto fica perdido e vai perder tempo. Alguns pilotos tem uma facilidade natural para andar rápido à noite. É algo deles. Eu ando bem a noite, mas tem gente mais rápido. Experiência pesa nestas horas. Roman Rusinov – Piloto da Equipe G-Drive Racing LMP2. Pilotar os protótipos da LMP2 não é uma tarefa fácil. É uma categoria muito equilibrada e a disputa muito parelha, com excelentes pilotos em todas as equipes. Não perder tempo durante as corridas é fundamental e saber como se livrar do tráfego rapidamente é fundamental. Em alguns lugares é particularmente difícil andar contra os carros da categoria Gran Turismo. Quando o circuito tem retas longas, eles andam muito bem em retas e isso dificulta nossa vida. A aproximação e as freadas nas curvas é que fazem a diferença. Dos circuitos que fazemos corridas de 6 horas, Fuji é o mais difícil para nós, por conta das longas retas. No Japão, que é um circuito de curvas difíceis é mais fácil para nós. Interlagos é uma pista fantástica. Curvas diferentes, rápidas, lentas, subidas, descidas, até a reta é mais curva do que reta! Adoro vir para cá. Uma outra coisa que me faz sentir à vontade é pilotar na noite. Ando super rápido. Como não vejo os muros e os guard rails, fico mais a vontade! (risos). A percepção de profundidade na parte noturna das corridas muda radicalmente e o piloto que tiver esta maior percepção sempre levará vantagem e perderá menos tempo |