No final do Sec. XIX, quando surgiram os primeiros automóveis, eles foram chamados de “carruagens sem cavalos”. Os veículos movidos por motores à combustão interna e explosão em poucas décadas tomaram conta do cenário das grandes cidades e logo de todo o mundo, trocando o desagradável odor do estrume dos animais pelos nem sempre invisíveis subprodutos da queima de combustível fóssil que hoje, devido ao volume expelido, contabilizado em milhões de toneladas, de poluentes colocaram os cientistas da humanidade numa encruzilhada. Por quanto tempo continuaremos a envenenar o planeta? O mundo não pode parar, mas precisamos de alternativas economicamente viáveis e ao mesmo tempo sustentáveis. Como equilibrar esta equação? As competições com veículos sempre serviram de laboratório para a indústria automobilística testar componentes e aprimorar seus produtos. Há algumas décadas experimentos tem sido feitos com sistemas alternativos de energia, mas nada como a revolução que parece – finalmente – ter se tornado um caminho sem volta para o futuro do transporte terrestre da grande maioria da população. São os pilotos de categorias como o Campeonato Mundial de Endurance, a Fórmula 1 (a partir de 2014, mesmo sob os protestos de Bernie Ecclestone) e no surgimento da Fórmula E que alguns deles estão sendo protagonistas neste verdadeira revolução energética. Teremos no Sec. XXI os “carros sem motor”? Foi com alguns deles que conversamos sobre este assunto, mas – por enquanto – direcionado ao mundo particular que eles vivem: o esporte de competição: Como é pilotar estas máquinas revolucionárias, carregadas de tecnologia? Anthony Davidson – Piloto da Equipe Toyota De certa forma sinto-me orgulhoso de estar fazendo parte deste processo de modificação, de avanço no esporte a motor e posso dizer que é muito prazeroso pilotar estes protótipos como o nosso, com toda esta tecnologia embarcada, que não é fácil, francamente, é bem complicada, mas isto é parte do desafio em ser piloto numa categoria Top como o Campeonato Mundial de Endurance. Acredito que o futuro é promissor com o desenvolvimento cada vez mais rápido das tecnologias de recuperação de energia para gerar propulsão e que nós continuaremos num aprendizado constante para poder continuar sendo os mais rápidos. Vencemos este campeonato, mas nossos adversários trabalharão duro para se recuperar. As pesquisas no sentido de tecnologia híbrida avançaram muito nos últimos anos. No nosso carro, do carro anterior – o TS030 – para o atual – o TS040 – tivemos muitas modificações e eu não sei até onde este processo irá chegar e com qual velocidade, mas já vemos carros com tecnologia híbrida rodando em vários países e, de certa forma, nós contribuímos como isso. Sistemas semelhantes ao que temos nos carros de corrida chegarão às pessoas e elas irão olhar não para o indicador de nível de combustível simplesmente para ver até onde podem ir ou como economizar para ir mais longe. Elas se preocuparão em como gerar e usar melhor a energia que produzem para fazer isso. Loic Duval – Piloto da Equipe Audi-Joest. Processos revolucionários não são uma novidade para nós na Audi. Vários anos atrás a empresa apostou na equipe para mostrar a capacidade dos motores movidos a Diesel no mundo da competição e nós conseguimos fazer isso, colocamos uma nova geração de carros movidos a Diesel no mercado europeu e a aceitação comercial foi excelente. Logicamente que muitas coisas novas quando surgem são inicialmente questionadas ou mesmo rejeitadas, mas isso faz parte da evolução, não apenas no esporte a motor, como em outras áreas. A Fórmula 1 está passando por isso agora, por exemplo, mas com o tempo tem-se conseguido provar que o avanço é bom e que todos ganham com ele. Eu fico feliz de estar podendo ser parte importante deste processo de “revolução tecnológica” como você mesmo falou e ter a oportunidade de desenvolver parte desta tecnologia que não vai demorar muito, acredito, estará nos carros que as pessoas usam para se locomover. Por enquanto, nas competições, é algo que exige muito dos pilotos durante treinos e corridas, mas que quando chegar às ruas e aos carros de passeio será muito fácil para as pessoas utilizar. Hoje, nos nossos carros, temos um controle do quanto de energia é acumulado e quando podemos – e devemos – usar para impulsionar o carro a cada volta. Assim controlamos o consumo e utilizamos melhor a potência recuperada. Para os carros no futuro certamente haverá uma central de gerenciamento para fazer isso para o motorista. Vai ser mais fácil para eles do que é para nós! Nick Heidfeld – Piloto da Equipe Rebellion e da Fórmula-E. Sinto-me particularmente feliz em fazer parte deste processo de mudança no meio do automobilismo de competição e vejo como é importante que categorias como a Fórmula E, os carros com sistemas híbridos aqui no Mundial de Endurance e os carros atuais da Fórmula 1 estejam todos, cada um a seu modo, buscando caminhos para colocar o esporte no mesmo rumo que a sociedade mundial busca para o futuro. O meu companheiro de equipe, Nicolas [Prost], cresceu num ambiente onde pode ver e ouvir os motores de diversas gerações de carros e hoje ele e eu estamos numa categoria como a Fórmula E onde os carros não tem motores e sim baterias. Eu não sei se daqui 20 ou 30 anos os carros do Mundial de Endurance ou da Fórmula 1 serão todos movidos com sistemas alternativos, mas vejo que a indústria automobilística está muito preocupada em buscar alternativas. O caminho hoje aponta na direção dos sistemas elétricos e nos sistemas de recuperação de energia. Se será este o caminho daqui a uma ou duas décadas, não podemos afirmar. Existem muitos estudos sobre o uso do hidrogênio como combustível e pode ser que no futuro encontre-se uma forma mais viável de usá-lo ao invés da eletricidade. Mark Lieb – Piloto da Equipe Porsche. Eu vejo com um desafio fantástico para a indústria automobilística ter que se reinventar para os anos que vem aí. As pessoas estão mais conscientes pelo mundo e a preocupação com a poluição é vista todos os dias nos jornais, na televisão, na internet, em todo lugar. Estão todos trabalhando duro nisso e nós somos parte deste trabalho. Pilotar um carro com tecnologia híbrida é um desafio fantástico. É quase como reaprender a pilotar, começar praticamente do zero. Em um carro convencional a gente acelera e o carro vai. Freia e o carro para. Aqui não é só isso. Você não pode simplesmente acelerar, porque tem um limite de combustível para fazer uma corrida de 6 horas e cada vez que você frear, sabe que estará acumulando energia para ser utilizada para impulsionar o carro. É um “balanço” feito volta a volta onde não é apenas você e o carro, tem todos os carros em volta, toda a competição acontecendo. O sistema de propulsão por energia recuperada é fantástico, impulsiona o carro com uma força enorme. Chegamos no final da reta aqui em Interlagos tão ou mais rápido que um carro da Fórmula 1, que é a categoria mais rápida da FIA. É divertido e no início foi até assustador o impulso dado pelo sistema. Parecia alguém te empurrando nas costas com força. Andre Lotterer – Piloto da Equipe Audi Joest. Eu me sinto muito híbrido! Eu sou alemão, mas meio peruano, meio belga, moro no Japão... então eu sou híbrido! (risos) No futuro as pessoas vão olhar para estes anos que estamos vivendo agora e nos verão como protagonistas deste grande revolução no esporte a motor. É muito importante que o mundo busque novas tecnologias, que sejam mais adequadas ao futuro do planeta e estamos vendo aqui e em outros lugares um envolvimento, um comprometimento muito grande da indústria automotiva para o desenvolvimento desta e de outras tecnologias, que estão avançando rápido, como são as coisas nos dias de hoje. Do ponto de vista do piloto eu me sinto feliz em fazer parte desta mudança, mas preciso ter muito cuidado para que o lado da competição, que é a essência do esporte a motor não seja comprometido e não sejam tiradas as características da competição como a velocidade extrema e a mostra do piloto conseguir guiar no limite. Eu tenho acompanhado as corridas da Fórmula-E com muito interesse e entusiasmo. Pretendo conseguir correr na categoria, quem sabe ainda este ano, vamos ver. O Lucas [di Grassi] está lá com a nossa equipe, a Audi, e fala com muito entusiasmo. Nossos sistemas de uso combinado de energias para mover os carros é bastante sofisticado. Nós precisamos gerenciar o consumo de combustível, no nosso caso Diesel, volta a volta e procurar os pontos para fazer o melhor uso possível do ‘boost’ que acumulamos com o sistema de recuperação de energia para ser o mais rápido possível por volta. Isto obriga os construtores a buscar ter um motor com mais potência e menor consumo e um sistema de recuperação de energia cada vez mais eficiente. É um desafio e tanto. Nicolas Prost – Piloto da Equipe Rebellion e da Fórmula-E. Eu acredito que este processo de busca de novas alternativas em termos de engenharia e propulsão é algo fascinante, contudo acho que há um conflito entre o que a sociedade precisa tecnicamente falando e o que o espetáculo do esporte precisa para manter-se em alta. A Fórmula 1 tem um “DNA” próprio, que são os seus motores, o som dos carros como era o famoso V12 da Ferrari, enquanto a Fórmula E, onde corro além daqui do Mundial de Endurance tem uma proposta inicial que é o uso da energia alternativa. É preciso dar o devido espaço a ambas e preservar o que existe, investindo também no novo sem que uma concorra com a outra, mas que âmbar tenham seu espaço. Esta mudança na F1 ficou meio que “no meio do caminho” a não vi isso como algo positivo para categoria. A Fórmula E é uma proposta de início de uma nova era, com um sistema diferente para fazer uma grande mudança na sociedade. A categoria tem tudo para crescer. Grandes montadoras estão interessadas em participar e isso vai gerar uma competição nos laboratórios e departamentos de engenharia maior do que as pessoas verão nas corridas com os carros e pilotos. No fim, acredito que todos irão ganhar. Mark Webber – Piloto da Equipe Porsche. Acho que este processo poderia ter começado de forma mais efetiva mesmo alguns anos antes. Eu costumo acompanhar de tudo um pouco do que acontece em termos de evolução tecnológica no esporte a motor. Confesso que sou muito curioso e vi o início deste processo de uso de tecnologia híbrida acontecer cerca de quatro anos atrás e ele avançou muito rapidamente... e avançará ainda mais rápido nos próximos anos, tenho certeza. Veja o nosso exemplo na Porsche. Começamos o nosso programa – em competição – este ano, tendo a equipe trabalhado em testes em 2013, e avançamos rápido, já somos competitivos, andamos rápido e temos planos ambiciosos para o futuro. Esta revolução da qual a Porsche também faz parte não diz respeito apenas a uso de combustível, mas ao uso de materiais que tem seus processos menos agressivos ao planeta, que consomem menos energia. É toda uma cadeia e nós, pilotos, temos um papel importante nisso e fazer parte dele é gratificante. Dentro do carro a gente, como competidor, pensamos mesmo é em andar rápido, o mais rápido possível. A comunicação com a equipe aqui é fundamental para um bom rendimento e um bom gerenciamento dos recursos do carro. Da mesma forma que as coisas avançaram muito em três ou quatro anos, em mais um período como esse acredito que veremos muito mais avanços e eu espero estar aqui, fazendo parte disto. Alexander Wurz – Piloto da Equipe Toyota. Existe há algum tempo, e esta busca aumentou significativamente nos últimos 10 anos, por alternativas energéticas para o transporte das pessoas e o automobilismo está tendo um papel importantíssimo neste processo com a implementação de sistemas de tecnologia híbrida e agora, com o “extremo” da Fórmula E. Até a Fórmula 1 rendeu-se à necessidade de buscar soluções mais eficientes em termos de consumo e tecnologia. O nível de conscientização sobre a necessidade de implementar uma mudança significativa na matriz de consumo tem crescido exponencialmente e os europeus tem buscado cada vez mais carros com estes recursos. Estamos vivendo o início de uma nova era e como tudo nos dias de hoje, as coisas estão avançando rapidamente. O grande desafio é, ainda, tornar estas novas tecnologias comercialmente viáveis. Uma coisa que poderia parecer um contra senso é o esporte a motor. Ele é uma forma de se gastar energia, contudo, as competições estão servindo de laboratório para o desenvolvimento de novas tecnologias para que, no futuro, possamos gastar menos energia e sermos mais eficientes em seu uso. Este ano consumiu-se 30% menos combustível em Le Mans do que no ano passado. Isso é fantástico! O que podemos esperar para o futuro é mais e mais formas alternativas e uma busca constante pela eficiência energética para o mundo. Contudo, algumas coisas não mudarão. No século XIX os cavalos puxavam carruagens e havia corridas de cavalhos. Hoje não há mais carruagens, mas as corridas de cavalo continuam. Poderemos ter daqui há algumas décadas carros elétricos, a hidrogênio, com baterias solares, mas acho que as corridas continuarão tendo carros com motor e ruído. Motores muito eficientes, mas os motores estarão lá. |