Olá pessoal que acompanha o site dos Nobres do Grid, Decidi mudar a sequência dos artigos sobre motores de combustão interna e seus combustíveis por achar que, desta forma, ficaria mais didático. No artigo anterior, falei, no final, sobre a dificuldade dos proprietários de carros movidos à álcool no Brasil, na segunda metade dos anos 80, devido ao barateamento do barril de petróleo e à subida do preço do açucar no mercado internacional, o que desestimulou os produtores do combustível renovável a continuar sua produção. Também vimos que para que a frota veicular nacional pudesse fazer uso do álcool hidratado, foi necessário um detalhado estudo de engenharia e de materiais para se modificar os motores que usavam gasolina para poder trabalhar sem problemas com o novo combustível, quimicamente totalmente diferente. Com praticamente 90% da frota de automóveis brasileiros fazendo uso do álcool hidratado como combustível e com o produto em falta nas bombas, muitos usuários correram para as oficinas para “reconverter” seus carros e voltar a usar a gasolina. Contudo, outros simplesmente passaram a colocar o outro combustível nos tanques... e os problemas foram grandes! Álcool e gasolina diferem, basicamente, em dois fatores: a gasolina tem maior poder calorífico (gera mais energia na queima), mas oferece menor octanagem (entra em combustão mais facilmente, o que leva à detonação com taxa de compressão muito elevada) do que o álcool. Na verdade o álcool não possui octanas, mas é possível estabelecer um índice de comparação. A estrutura do álcool acima é basicamente como este sai após o processo de destilação na usina. Com isso, o motor a álcool possui taxa de compressão maior (considerando motores com mesmo estágio evolutivo e sem sensor de detonação), mas trabalha com mistura ar-combustível mais rica (menos ar, mais combustível) que o propulsor a gasolina. Não existia nenhum motor a álcool com apenas 9,5:1 de taxa de compressão, enquanto motores a gasolina com taxa elevada – acima de 11:1 – e naquela época não existiam os sensores de detonação que existem nos carros com motor flex dos dias de hoje. Com as taxas entre 11:1 e 13:1, normalmente usadas com álcool, esses motores apresentariam forte tendência à detonação, que pode danificar gravemente o motor com o uso de gasolina... e foi isso que aconteceu. Mas como o brasileiro é, em geral, “o rei do jeitinho”, quem ainda possuía modelos movidos apenas pelo álcool, para tentar compensar o prejuízo com o uso do etanol tão escasso, fizeram como muitos brasileiros fazem quando vão a uma farmácia comprar um medicamento sem receita: pedem uma “dica” do balconista, que muitas vezes nem é o farmacêutico (em teoria, este tem um senso de responsabilidade compatível com o peso do seu diploma). Dentro do processo com átomos de carbono e hidrogênio, pode haver outras combinações, mas todas são álcool. Segundo alguns frentistas consultados, eles estão fazendo uso de um recurso muito usado nos bares, com bebidas: o famoso “rabo de galo”... só que às avessas! Muitos abasteciam o tanque colocando partes iguais de gasolina e álcool, enquanto outros pediam proporções maiores de gasolina, ou, apenas o combustível mineral com a falsa impressão de que ganhariam em autonomia – compensando, assim, o investimento um pouco maior. A extensão do dano era grande. Além de contaminar o óleo lubrificante, a gasolina pode causar estrago nas válvulas, na sede das válvulas, velas de ignição, junta de cabeçote e várias outras peças do motor que entram em contato com o combustível. Sendo a taxa de compressão de um motor movido exclusivamente a álcool é bem mais alta. O uso do combustível mineral (gasolina) nestes motores provoca a explosão antes do momento ideal na câmara de combustão, e é justamente isso que pode causar tanto estrago. Assim como o álcool, a gasolina pode ter cadeias estruturalmente distintas em seu arranjo químico. Os resultados mais drásticos ocorrem quando se usa apenas gasolina, ou proporções muito maiores desse combustível na mistura com o álcool. Mesmo quem opta pela proporção em partes iguais coloca o motor em risco – os danos podem até ser menores, mas ainda assim não era e continua não sendo recomendável optar pela mistura. O amigo leitor, proprietário de um automóvel de qualquer marca que seja, caso procure uma das montadoras, converse com engenheiros mecânicos, tenha contato com pessoar técnico de distribuidoras de combustível ou mesmo conversando com aquele ‘mecânico amigo’ para saber até onde esta coisa do “rabo de galo matador de motor” é mito ou e se há fundamento nesta estória, certamente não vai ouvir o mesmo parecer, uma vez que não existe um padrão ou fórmula a ser seguida, mas certamente todos garantirão que o uso gasolina no motor a álcool costuma acarretar problemas específicos que podem reduzir a vida útil do motor. Quando chegamos no posto, devemos ter consciência que ali existem dois combustíveis distintos. O que muitos desconhecem é que a economia momentânea – e enganosa – da colocação de gasolina em um carro com motor a álcool é extremamente danosa ao motor do veículo e a mistura de álcool hidratado (que pode conter até 7,4% de água na sua composição) à gasolina pode ocasionar uma série de problemas ao veículo. Há uma diferença entre o álcool usado para combustível e o álcool que é adicionado na gasolina há algum tempo e que, com o passar dos anos, foi tendo o seu percentual aumentado, estando hoje em 25%, com projeção de ir para 27%. A mistura do álcool na gasolina tem que ser feita na medida certa... e este álcool não tem a adição de água. O álcool colocado para a venda e encontrado nas bombas dos postos de combustível de todo país é o álcool hidratado, que possúi uma graduação de cerca de 94GL, sendo o restante da solução composta por água. Já o álcool anidro é o álcool puro, do jeito que é destilado, com uma graduação acima de 99,5GL. É este álcool que é adicionado à gasolina... sem água. A gasolina comum não contém água e possui 25% de álcool anidro, que é um componente fundamental. No entanto, quando o motorista faz o rabo de galo, ele mistura na gasolina álcool hidratado (que contém água). A presença de água provoca uma instabilidade na composição e pode separar a mistura em duas fases: álcool-gasolina e álcool-água. Como a mistura álcool-água é mais pesada que a gasolina, ela ficará no fundo do tanque. A gasolina, contendo ainda um pouco de álcool, ficará na parte superior do tanque. Estequiometricamente falando, podemos comparar aqui as fórmulas dos combustíveis e seu poder calorífico. A retirada de álcool da gasolina reduz a octanagem da gasolina comum e provoca perda de potência e aumento de consumo, podendo causar ainda a chamada “batida de pino”. Esse carro, a médio e longo prazo terá sérios problemas mecânicos. Cuidado. O espertinho pode acabar entrando pelo cano tentando contrariar as leis da química (criando novas fórmulas de combustível) e da física, submetendo seu motor a trabalhar numa condição para a qual não foi projetado. Ou seja: se o amigo leitor tem um carro importado, cujo motor não é preparado para receber o álcool hidratado, não coloque este combustível no seu tanque! Se o seu motor é para usar álcool, jamais coloque gasolina para queimar nele! As usinas de cana tem sido, nestas quase 4 décadas de proálcool, hora heroínas, hora vilãs em nossas vidas. A indústria automobilística brasileira precisava encontrar uma forma de não ficar à mercê das mudanças de humor do mercado de cotação do petróleo e do açucar, além de manter uma conquista tecnológica como foi a criação do proálcool. Era preciso criar um motor que fosse capaz de trabalhar com qualquer dos combustíveis disponíveis no país. Mas isso é assunto para o próximo mês, quando falaremos sobre os motores flex. Muito axé pra todo mundo, Maria da Graça
|