Dez entre dez pilotos que começam no kart tem ou acabam tendo como sonho chegar à Fórmula 1. Com Lucas Tucci Di Grassi não foi diferente e ele chegou lá... mas não da forma como queria. Contudo, o talento e a sensibilidade deste paulistano de 30 anos levou-o a ser um profissional cobiçado para aqueles que queriam fazer projetos de desenvolvimento. Lucas só precisava de uma oportunidade em uma equipe de ponta para mostrar todo o seu potencial... e esta oportunidade chegou, mas não na Fórmula 1. Foi na Audi, na equipe principal do mundial de endurance, o WEC, que chegou esta oportunidade... e Lucas a agarrou com unhas e dentes! Atualmente, além do lugar na multicampeã das 24 horas de Le Mans no mundial de endurance, Lucas faz parte da equipe dos quatro anéis no revolucionário campeonato da Fórmula E, tendo sido o desenvolvedor dos princípios que dera origem aos carros que estamos vendo nos circuitos urbanos pelo mundo. Com uma agenda lotada, não foi fácil conseguir “segurar o homem nos boxes”, mas nós conseguimos fazer isso em Goiânia e agora, é hora de acelerarmos com ele. NdG: O que levou você pera o automobilismo? Meu pai e meu tio correram, mas não de forma profissional. Eu fiz muitos esportes, mas era melhor no kart. Lucas Di Grassi: Tem algo de influência de casa. Meu pai e meu tio correram de Fórmula Ford, de carros de turismo aqui no Brasil e eu os vi correr, mas eles faziam isso como esporte, como hobby, sem pensar numa carreira. Eu fiz vários esportes quando eu era criança, mas o que eu me saia melhor era o kart, que comecei praticar em 1994 e isso vai levando você por optar continuar fazendo aquele esporte. Daí disputei meus primeiros campeonatos em 1997 e já ganhei de cara. Aí você não para mais! NdG: Você fez parte de uma geração de kartistas brilhantes, mas nem todos conseguiram ir tão longe profissionalmente como você chegou. Como você vê isso? Lucas Di Grassi: Começa que kart é diferente de carro. As vezes o piloto tem uma técnica muito boa no kart e quando vai para o carro não consegue desenvolver a mesma técnica. Depois, vem a parte do planejamento de carreira, que é estar com as pessoas certas, no lugar certo, na equipe certa e num ambiente que vai premitir ao piloto fazer todo o processo de evolução necessário para ele chegar e se estabelecer numa categoria top. NdG: Voltando no tempo, os pilotos da geração dos Nobres do Grid, que correram nos anos 60, em grande parte não pilotaram karts e nisso incluímos os estrangeiros como Jim Clark, Graham Hill e Jack Brabham que não pilotaram karts. Até onde o kart é aquilo que todos chamam: uma categoria escola? Kart e carro são diferentes. Não é todo grande kartista que vai se tornar um grande piloto de carros. Lucas Di Grassi: São gerações bem diferentes. Os pilotos daquela nenhum deles andou de kart, tiveram uma outra escola de pilotagem, uma formação. A minha geração vê o kart como categoria escola porque todos começamos muito cedo e desenvolvemos conceitos de pilotagem. Um piloto que hoje não passa pelo kartismo não vai conseguir se desenvolver plenamente como piloto. Talvez nem estes grandes campeões do passado conseguissem tanto êxito sem passar pelo kart. NdG: Vindo para uma geração posterior, pilotos como Nelson Piquet, Alain Prost e Niki Lauda andaram muito em treinos. Foram centenas de milhares de quilômetros em testes em diversas pistas do mundo. Algo que, para esta geração foi substituído pelos simuladores, que evoluíram muito com a evolução da informática. Qual a tua visão para este “treinamento eletrônico”? Lucas Di Grassi: Eu não acho que a técnica de simulador ajude. Vou mais além: eu não acho que treino, dependendo das condições, seja benéfico! Benéfico é treino com qualidade. Treino nas condições que você precisa. Num simulador é uma ferramenta, um equipamento para melhorar o nível do piloto e pode ajudar, mas é um equipamento para melhorar o carro, equipamentos, componentes do carro, conhecer uma pista que não se conhece, essas coisas. NdG: A Nissan tem um programa de formação de pilotos em simulador e alguns destes pilotos serão seus adversários este ano. Este método pode vir um dia a mudar a forma, o perfil da formação de pilotos e o kart perder importância? Lucas Di Grassi: O kart nunca vai perder importância. O que vai haver é uma integração, com esta parte de treinos em simuladores se tornando cada vez maior, tornado-se uma complementação muito em conta por causa dos custos. Estes pilotos que a Nissan vem preparando, eles também correm e treinam em pistas, com carros de verdade, participando de campeonatos. Não é apenas algo apenas de simulador. NdG: O seu talento e a sua sensibilidade sempre foram muito reconhecidas, tanto que você foi piloto de testes de vários projetos, inclusive piloto de teste da Pirelli para os pneus da F1. O que esta quilometragem te proporcionou? Treino para valer a pena tem que ser aquele treino bom, onde se consegue fazer o que está programado. Lucas Di Grassi: Estar num programa de testes tão diverso como o que foi feito para a Pirelli tem a vantagem de proporcionar um grande acúmulo de conhecimento, mas o que todo piloto quer não é treinar... é correr! Neste tempo todo que que estive trabalhando como piloto de testes, não parei um minuto de buscar um lugar em alguma equipe para correr. NdG: Por falar em correr e testar, no WEC não é como na F1, que quase não se pode testar. O quanto vocês podem testar? Lucas Di Grassi: Não é algo restrito como a fórmula 1, mas também não é totalmente liberado. Temos 50 dias por carro para testar ao longo do ano. Além do treinamento de pista, claro que temos os treinamentos em simulador, que como eu disse anteriormente, é um complemento e uma forma de se testar componentes. NdG: E como é a vida de piloto da Audi? Além dos compromissos de pista, com corridas e treinos, os compromissos extrapista? Lucas Di Grassi: A vida de piloto da Audi é muito boa! Além do campeonato de endurance, que para nós começou muito antes da etapa em Silverstone ou mesmo do ‘Prologo’ (treinos coletivos pré-temporada) em Paul Ricard, tenho também o programa da equipe na Fórmula-E. Este ano farei um total de 12 corridas pela equipe e correr é aquilo que o piloto mais gosta. Além disso, temos uma série de eventos que participamos representando a marca, como este que tivemos em março em São Paulo para a Audi do Brasil onde falamos sobre os projetos da marca para este ano e eu ainda tenho na garagem os dois melhores carros do mundo. É uma vida muito boa! NdG: Além de ‘fera’ dentro das pistas você também mostrou um talento para projetá-las, chegando mesmo a trabalhar em alguns projetos com o arquiteto alemão Herman Tilke. Como isso entrou na tua vida e o que de bom isto te trouxe? Este ano farei 20 corridas pela Audi. Oito no WEC e 12 na Fórmula E. É uma vida muito boa. Lucas Di Grassi: Eu sempre tive essa coisa de desenhar pistas desde moleque e depois, quando a gente vai aprendendo, conhecendo mais pistas, a gente vai, se tiver interesse, se aprimorando e eu acho que uma pista projetada por alguém que anda nas pistas, que pilota, tem muito mais chance de ficar melhor para as corridas do uma pista projetada por quem nunca pilotou. Mas foi uma grande experiência a que tive com o Herman Tilke. Trabalhei com ele no projeto da pista da Austin e em outros projetos também. Além disso, tenho meus projetos. Tem a pista do kartódromo do Beto Carreiro, teve a pista que fiz para a Fórmula –E, no Rio de Janeiro, que acabou não acontecendo a corrida. Fiz agora uma outra, para São Paulo se candidatar a receber a Fórmula-E, tomara que seja viável. NdG: Porque que a gente lê e ouve tantas críticas às pistas projetadas pelo Herman Tilke? Lucas Di Grassi: Algumas pistas que ele projetou são pouco desafiadoras, acabam deixando as corridas com pouca ação, mas ele tem pistas boas, como a da Austin. No caso de outras, eu acho que se tivessem curvas mais interessantes, curvas de alta, curvas com cambagem variável, com ângulos e elevações diferentes... isso traria um desafio a mais para os pilotos. NdG: Antes de ir para a Europa você correu aqui de F. Renault em alguns autódromos nacionais. Correu em Goiânia na abertura da Stock Car 2015 e Goiânia é um autódromo FIA 3. Comparado com tua experiência na Europa, onde você correu em outros autódromos FIA 3, os nosso autódromos estão em que nível? Lucas Di Grassi: Em primeiro lugar eu só tenho elogios ao governo do estado de Goiás, ao governador Marconi Perillo, que não deixou o autódromo virar uma “Alfavile” e reformou o autódromo, modernizando-o e deixando-o muito seguro e bonito. Tecnicamente, hoje, esta é, provavelmente a segunda melhor pista do Brasil. Faz tempo que não vou a Curitiba, mas é certo que um trabalho como o que foi feito aqui deveria ser feito nos outros 10 autódromos do país para que tivéssemos autódromos no nível dos que encontramos na Europa. NdG: A sua chegada na F1 coincidiu com a introdução do KERS. Depois, você foi correr na Audi com um sistema híbrido e mais recentemente fez parte dos primeiros passos do projeto do carro da F-E, e está disputando a primeira temporada. É uma revolução tecnológica? Como é fazer parte dela? Trabalhar com o Herman Tilke foi uma grande experiência. Quando se sabe o que é estar na pista, é mais fácil projetá-las. Lucas Di Grassi: Se a gente for analisar, o motor elétrico é muito melhor do que o motor à combustão. Ele é muito mais eficiente e muito mais leve. Por enquanto o problema é fazer com que as baterias durem mais tempo. É uma revolução para o planeta porque vai melhorar a qualidade do ar, vai diminuir a poluição, especialmente nas grandes cidades e os governos deveriam apoiar mais os projetos de carros elétricos para todos. Quanto ao carro da F-E, eu participei do desenvolvimento do conceito, não do carro em si. Fiz parte do grupo de análise de componentes do carro, componentes aerodinâmicos, componentes de torque do motor. Não seria justo eu trabalhar um ano ou mais num carro e vir a disputar o campeonato em seguida. NdG: Nós sempre damos uma camisa ao nosso entrevistado e você pediu uma tamanho ‘P’. Como é o teu trabalho de preparação física e alimentação? Lucas Di Grassi: Um carro de corrida quanto mais leve for, melhor e então, quanto mais leve for o piloto, melhor. Em todas as categorias há um peso mínimo combinado entre carro e piloto. Quanto mais leve for o piloto, mais será possível para a equipe trabalhar a distribuição de pesos no carro. Então é correr, pedalar e fechar a boca. Comer pouco e bem para manter-se leve e em forma para aguentar o esforço das corridas. Eu sigo um programa de treinamento que varia por conta da disponibilidade de programação da equipe que varia entre 12 a 25 horas semanais, combinando exercícios aeróbicos e anaeróbicos. NdG: O Tom foi até os 48 anos competindo em alto nível e o Lucas, vai até quando? O uso cada vez mais difundido dos motores elétricos é um benefício para o planeta. São melhores e mais eficientes. Lucas Di Grassi: Ah, não vou ficar tanto tempo não. Acho que pelos 40 eu paro. Não acredito que eu aguente ficar tanto tempo quanto ele. NdG: O ano passado foi um ano “complicado” para a Audi. Mesmo vencendo Le Mans, no decorrer do campeonato pareceu que os carros da equipe perderam competitividade para seus rivais. Como a equipe trabalhou para recuperar o terreno perdido? Lucas Di Grassi: O carro deste ano é inteiro novo. A única coisa que ficou do ano passado foi o monocoque. O pneu é novo, a gente trabalhou com a Michelin para desenvolver o que precisa. Toda a parte de carbono do carro, tirando o monocoque e a caixa de câmbio, é nova. A parte híbrida foi melhorada, o motor ficou mais eficiente, então é uma evolução boa do carro do ano passado, principalmente na parte aerodinâmica e na parte híbrida. A equipe fez uma opção por entrar para o pacote de 4 Mega Joules e acreditamos que com os novos conceitos desenvolvidos teremos uma resposta forte e esperamos retornar à briga por vitórias também nas corridas de 6 horas e pelo título no final do ano. NdG: Com a temporada começando, além dos desafios já existentes vem aí a Nissan. O que esperar da concorrência para 2015? Lucas Di Grassi: Assim como nós, com certeza eles trabalharam muito para esta temporada. A Porsche foi muito bem no primeiro ano deles, construíram um carro completamente novo para este ano e é difícil falar. A gente não tem nenhuma referência, não sabe se realmente vão ser competitivos mais rápidos, menos, não dá para saber eles viram com um pacote de 8 Mega Joules. A Toyota apresentou o conjunto mais eficiente depois de Le Mans, mas é preciso ver o que virá por aí. Mesmo no ‘proólogo’ lá em Paul Ricard não dá para saber ou afirmar se os concorrentes vão estar mostrando tudo. A Nissan parece estar com problemas. Já retirou os carros da corrida de abertura e eu espero que eles consigam ir para Le Mans. A chegada de uma nova montadora e chegando forte é bom para o campeonato. Eles fizeram uma aposta com este projeto do motor dianteiro. Grande parte do peso nos carros LMP1 é bateria, então se no projeto desse para colocar o motor na frente e as baterias atrás, conseguindo uma boa distribuição de peso, alguma coisa legal poderia resultar, melhorando a aerodinâmica na frente, diminuir a asa traseira, ganhar eficiência… teoricamente o conceito faz sentido, outra coisa é funcionar. NdG: Você vê o automobilismo como um bom negócio, comercialmente e empresarialmente falando? Nosso carro é completamente novo. Subimos para a "categoria 4MJ" e esperamos ter um ano muito bom. Lucas Di Grassi: Eu acho que é um negócio muito bom. Ele pode ser um fator de retorno em vários seguimentos e a gente vê isso na Europa, no Japão e na Ásia está crescendo muito e aqui no Brasil precisava que se tivesse mais atenção com este seguimento. Com algum investimento do governo e de seguimentos da iniciativa privada o retorno seria certo. O automobilismo já viveu dias melhores no Brasil, mas agora, com a crise que vem se arrastando o esporte está sendo prejudicado e mesmo fora do Brasil algumas categorias vem passando por dificuldades como a própria Fórmula 1 que anda perdendo público e audiência na TV e com muitas equipes em dificuldades financeiras. NdG: Você abriu algum tempo atrás uma empresa no seguimento de marketing esportivo. Como vão os negócios neste seguimento? Lucas Di Grassi: Foi uma oportunidade que eu vi algum tempo atrás, mas que com a minha entrada para a equipe Audi ficou muito difícil de dar continuidade e nós optamos por encerrar a empresa para que eu pudesse focar exclusivamente no automobilismo que sempre foi meu objetivo principal.
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