Como é que um herdeiro de uma empresa de cervejas, casado com uma aristocrata, se orna num piloto de corridas? Vicio em adrenalina? Necessidade de se sentir vivo? E como de um piloto considerado como “incurável” – e despedido de uma equipa de fábrica – se torna numa das maiores esperanças do automobilismo britânico? Em pouco mais de dois anos, Piers Courage passou do inferno ao céu, domou os seus instintos e foi considerado como um futuro campeão. Mas a 21 de junho de 1970, no circuito holandês de Zandvoort, essas esperanças desapareceram quando bateu com o seu carro e morreu no meio das chamas. Foi o primeiro grande desgosto de Frank Williams e segundo contam alguns, o grande motivo para que Jochen Rindt ter decidido ir embora da Formula 1 no final daquele ano. Nascido a 27 de maio de 1942 na cidade de Glasgow, Piers fazia parte da família que tinha fundado a cerveja com o mesmo nome em 1787 por John Courage, de descendência hugenote (protestantes de origem francesa). Com o dinheiro da família, foi colocado no Eton College, mas a meio da educação, adquiriu um Lotus 7, onde começou a participar em corridas. Cedo o seu talento foi demonstrado, bem como a sua capacidade para acabar as corridas na berma. Piers tinha no automobilismo um prazer sem tamanho. Ele não precisava ser piloto para ganhar a vida. Mesmo assim, em 1964, aos 21 anos, decidiu começar uma carreira no automobilismo com um Lotus 22 para fazer uma temporada na Formula 3 europeia. O seu companheiro de equipa era outro britânico, Jonathan Williams, e os bons resultados fizeram com que ele corresse outra temporada, desta vez com um Brabham, ao serviço da equipa de John Lucas. Foi nessa altura que conheceu outro aspirante a piloto chamado Frank Williams. Courage e Williams cedo fizeram amizade e formaram uma aliança no sentido de ele ser o manager da equipa, enquanto que ele era o piloto principal. A aliança resultou e Courage venceu quatro corridas na Europa. Isso foi suficiente para que Colin Chapman prestasse atenção nele e o convidasse para a sua equipa de Formula 3, em 1966. Apesar do chassis Lotus ser inferior aos Brabham, as suas performances em corrida compensavam as deficiências e cedo o seu talento foi suficiente para que fosse para a Formula 2, onde uma das corridas fazia parte do GP da Alemanha de Formula 1. Nessa sua estreia, um acidente o impediu de concluir a corrida. O desempenho de Piers Courrage na Fórmula 3 chamou a atenção dos chefes de equipe das categorias acima. Essas performances fizeram com que Tim Parnell, dono da sua própria equipa de Formula 1, que usava chassis BRM, de o contratar ao lado de outra promessa do automobilismo britânico, Chris Irwin. Mas a estadia foi curta e acabou num pesadelo. As suas performances “selvagens” fizeram com que a equipa o dispensasse após o GP do Mónaco, fazendo com que ele se concentrasse na Formula 2. Com um chassis McLaren, continuou a mostrar talento, especialmente no final do ano, quando terminou no quarto lugar do campeonato. No inicio de 1968, Courage pegou noutro chassis da McLaren e foi para a Tasman Series, onde acabou por vencer na última corrida do ano, em Longford, na Tasmânia, e acabou o campeonato na terceira posição, apenas atrás de Jim Clark e Chris Amon. Isso foi mais do que suficiente para que Tim Parnell voltar a contactá-lo para lhe dar nova chance de correr num chassis BRM na temporada de Formula 1 desse ano. Piers Courage em Mónaco, com um experimento de dois aerofólios altos, na frente e atrás do carro. Começando a participar a partir do GP de Espanha, as suas performances foram encorajadoras, culminando com um sexto lugar no GP de França. Em Monza, palco do GP de Itália, conseguiu ainda melhor, com um quarto lugar na corrida, a uma volta do McLaren vencedor de Dennis Hulme. No final da temporada, conseguiu quatro pontos e o 19º lugar da classificação geral. Ao mesmo tempo, Courage participava na Formula 2 pela equipa de Frank Williams, e juntos alcançaram bons resultados, mais do que suficientes para que Williams tenha decidido dar o salto para a Formula 1 na temporada seguinte. O plano era simples: um chassis Brabham BT26A, com motor Cosworth, e com Courage como piloto. Ele aceitou e ambos estavam presentes a partir da segunda prova do ano, o GP de Espanha. O entendimento entre Piers Courage e Frank Williams foi algo que aconteceu cedo e naturalmente. Cedo, a aventura compensou: Courage já tinha refinado a sua velocidade e tinha conseguido o seu primeiro resultado de relevo, com um segundo lugar no GP do Mónaco, imediatamente atrás de Graham Hill. A seguir, conseguiu dois quintos lugares em Silverstone e em Monza, dois circuitos velozes, antes de conseguir novo pódio, outro segundo lugar, no GP dos Estados Unidos, em Watkins Glen. No final, Courage e Williams conseguiram um oitavo lugar na classificação geral, com 16 pontos. Sabendo que Williams tinha estofo para ser bem sucedido na Formula 1, deu o passo seguinte, que foi o de construir o seu próprio chassis. Não tendo a capacidade de construir um de raíz, aliou-se ao construtor italo-argentino Alessandro De Tomaso para a construção de um chassis, o modelo 505, feito de magnésio e com motor Cosworth. Apesar de ter o motor do momento, o carro era pesado e o desenvolvimento do chassis era complicado. Apenas terminou no GP do Mónaco, mas sem se classificar, pois ficou a 22 voltas do vencedor. GP da Alemanha em Nurburgring, 1968, quando os aerofílios começaram a fazer parte da imagem dos Fórmula 1. Somente numa corrida extra-campeonato, o International Trophy, em Silverstone, é que tiveram resultados, quando terminou no terceiro posto, atrás de Chris Amon e Jackie Stewart, e à frente de Bruce McLaren. A 21 de junho, a caravana da Formula 1 estava na Holanda, a sexta prova do campeonato. O pelotão ainda chorava o desaparecimento abrupto de Bruce McLaren, apenas dezanove dias antes, mas nos lados da Williams, a equipa comemorava o nono lugar da grelha conseguida por Courage, igualando a performance do Mónaco. Mas os treinos tinham deixado um pressentimento de que as coisas poderiam acabar mal, quando Jack Brabham e Pedro Rodriguez tiveram acidentes potencialmente graves (o carro de Brabham capotou), dos quais saíram incólumes. Pires Courage conversa com Frank Williams antes da última largada que faria na vida. Na partida, Courage aproveitou a confusão inicial e passou Amon – que ficara parado na pista – e Regazzoni, indo atrás do Matra de Beltoise para o sétimo posto. Poucas voltas depois, foi superado por Regazzoni, mas apanhou o Lotus de John Miles e conseguiu ultrapassá-lo, ficando no sétimo posto à entrada da volta 22, perseguindo o Ferrari do suíço, que fazia ali a sua corrida de estreia na Formula 1. Mas então, sofreu um furo lento e despista-se na curva Shleivak. O De tomaso bate contra um banco de areia e depois a um poste, e o embate faz arrancar um braço da suspensão com o pneu lá dentro, acabando por o matar de imediato. Mas o impacto de tal forma duro que o carro se arrastou por algumas dezenas de metros e fez com que o carro se incendiasse. Contudo, com componentes de magnésio, o incêndio foi tão intenso que os arbustos a algumas dezenas de metros à sua volta pegaram fogo. Courage tinha 28 anos e deixava viúva e dois filhos.
Acima, o que sobrou do carro de Courage. Abaixo, a viuva, Sarah Curzon e netos no busto colocado em Zandvoort. No final da corrida, um dos seus amigos, Jochen Rindt, foi declarado vencedor. O austríaco, da mesma idade que Courage – tinha nascido mês e meio antes – comemorava de forma sombria a sua primeira vitória oficial a bordo do seu modelo 72, mas com tantas mortes em pouco tempo, começou a pensar seriamente se valeria a pena continuar a correr e sair dali vivo. Aparentemente, foi por causa do que aconteceu a Courage que poderá ter decidido que queria abandonar a Formula 1 no final daquela temporada. Não teve tempo. Saudações D’além Mar, Paulo Alexandre Teixeira
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