Começo a escrever este artigo para falar uma coisa acerca de Bernie Ecclestone: aprendi a não acreditar em nada do que ele diz, de considerar todas as suas declarações como disparates, porque ele é um manipulador de primeira. Sempre quis mandar as suas intenções a um grupo de jornalistas à sua escolha - que Joe Saward teve a felicidade de os batizar de “papagaios” - para poder agitar o meio no sentido de desviar a atenção de outras coisas mais pertinentes. Nos últimos 45 anos, Ecclestone chegou e moldou a Formula 1 à sua maneira, acumulando imensa riqueza, primeiro como o dono da Brabham, e depois como o dono da Formula 1, chegando ao ponto de ele em 1991 escolher um amigo seu e advogado, Max Mosley, como presidente da FIA, cargo que ocupou durante 17 anos. A eleição do britânico Mosley, filho de Oswald Mosley, o presidente dos fascistas britânicos nos anos 30, foi uma espécie de vingança sobre a pessoa que mais dificultou a sua vida, o francês Jean-Marie Balestre, (mas para ser honesto, nem um nem outro foram flores que se cheirem, digo já...) e enquanto ele foi o seu presidente, Mosley fez de tudo para que a FIA quase passasse para a sua insignificância, primeiro diminuindo a concorrência interna - desmantelando o Mundial de Endurance em 1992 para atrair os construtores para a Formula 1, por exemplo - e depois, em 2001, fazer um acordo em que dava à FOM a sua parte do dinheiro das transmissões televisivas, num acordo com uma duração de... cem anos (sim, leram bem, um século!), em troca de cem milhões de dólares, ao longo de dez anos. Uma pechincha, se querem que lhes diga. A amizade e a afinidade nos negócios entre Bernie Ecclestone e Max Mosley vem desde os anos 70, quando chegaram à F1. Afastado da FIA em 2009 por pressão dos construtores da Formula 1 (a famosa FOTA), Mosley esteve nestes anos mais atento a si mesmo - o famoso caso da orgia sado-maso-nazi gravado pelo infame "News of the World" - mas parece que, aos 75 anos, poderá estar a ensaiar um regresso, de novo levado por... Ecclestone. Uma entrevista passada no passado dia 18 de outubro pelo canal alemão de televisão ZDF, afirmou que pretende “rasgar os regulamentos e começar tudo de novo”, mas a razão porque quer fazer tem a ver com a atual situação, onde os construtores tem muito poder, e a FIA só admite motores V6 Turbo híbridos, algo que Ecclestone sempre abominou... depois de entender o que isso poderia fazer, ele que em termos de engenharia, sempre foi um zero à esquerda. Passada a entrevista, o que se pode ler pelos entendidos é que ele admite que está impotente para fazer alguma coisa. E as suas queixas - e não passam disso mesmo: queixas - poderão ter a ver com, por exemplo, as queixas da Red Bull de não poder arranjar um motor decente para continuar a ser competitivo, depois de ter dito cobras e lagartos da Renault e da Mercedes ter preferido dar um contrato de motores à Manor, a pior equipa do pelotão no momento, do que a eles. E a Red Bull grita que poderá sair da Formula 1 no final do ano e levar consigo a Toro Rosso, deixando quatro lugares à mostra, perigando ainda mais uma Formula 1 demasiado cara, sobrevalorizada e envelhecida, perante ameaças como o Mundial de Endurance e até a Formula E, mais pequenas e cada vez melhor organizadas. Uma relação de mais de 40 anos que teve alguns altos e baixos, mas talvez, na mente de Bernie, seja "a menos pior das opções". A abominação pelo “barulho” dos V6 Turbo é o preço a pagar pelo facto de termos motores híbridos e cada vez mais eficientes, e cada vez menos poluentes. A Formula 1, se quiserem que seja uma manifestação de tecnologia, tem de seguir a tendência atual, que é de mostrar que esta quer contribuir para a diminuição da poluição e ajudar a combater o aquecimento global, deixando de ser apontada como uma competição desfasada com o mundo. Contudo, algo do qual poucos falavam se tornou de repente no assunto do momento, em muitos aspetos incentivada pelo próprio Ecclestone. Sobre este caso em particular, recorro ao jornalista britânico Joe Saward, que no dia 20 de outubro escreveu no seu blog: “O tipo de motores [V6 Turbo] são exatamente aqueles que precisa a Formula 1. Eles são relevantes e a sua pesquisa é útil para a indústria. Fabricantes de carros precisam reduzir as emissões, não só para ‘salvar o mundo’, mas também para atender aos rigorosos padrões emitidos pelos governos. A Formula 1 ainda é barata quando se olha para a despesa em pesquisa e desenvolvimento dentro na indústria automobilística. O problema é que tem de ser necessário que haja regras sobre o abastecimento de motores a clientes a um preço máximo. Mais fabricantes viriam se o desporto mudasse a sua imagem”. O Conselho Internacional da FIA que não se reune apenas na Suiça (aqui foi Dubai) tem outras atribuições além da competição. O que não se fala por aqui são outras coisas, e uma delas é a abominação que Ecclestone têm com o conceito de democracia. Não tanto sobre a ideia de beijar os pés a ditadores ou a “homens fortes” (o caso de Vladimir Putin no último GP russo é o mais recente exemplo), mas sobre a ideia das decisões colegiais, onde se chegam a consensos sobre determinados assuntos. O exemplo mais claro é o Grupo de Estratégia. Uma ideia de Ecclestone (que ironia!) para que diminuísse o poder da FOTA (que acabou por ser extinta) e colocar os construtores no meio das decisões da Formula 1, sobrepondo-se até à FIA. E a ideia era simples: impedir que a FIA - leia-se Jean Todt, que Bernie tem uma guerra surda contra ele - voltasse a ter poder e fazer as regras à sua maneira. E uma das coisas do qual Todt deseja neste momento seria de implementar um teto salarial nas equipas, redistribuindo os dinheiros que a FOM angaria um pouco por todo o mundo - cerca de 1500 milhões de euros, de acordo com as contas de 2013 - de forma mais justa, para evitar a falência das equipas mais pequenas, como aconteceu com a Manor e a Caterham. A primeira foi recuperada, mas a segunda não. Desde a saída de Max Mosley da FIA, Bernie Ecclestone é obrigado a engolir a presença de Jean Todt, que revigorou outros campeonatos. Agora, Ecclestone quer impor algumas das suas ideias perante o Grupo de Estratégia - que tem seis equipas: Ferrari, McLaren, Red Bull, Force Índia, Williams e Mercedes - como por exemplo o regresso dos V8, mas estes não desejam, apesar da Red Bull estar aflita neste momento em arranjar um motor minimamente competitivo. Complexo? Sim. Estranho? Também. Mas é esse poder do qual Ecclestone está frustrado: o tempo em que poderia fazer o que quiser já acabou. E ele é um pouco culpado do monstro que criou. E sobre isso, o Luis Fernando Ramos, vulgo o Ico, sentenciou na sua coluna da UOL Esporte, escrita a 19 de outubro: “Ao admitir em entrevista o fracasso de um sistema que ele mesmo criou, Ecclestone deixou claro que não tem mais o mesmo poder que tinha antes. Através de seu discurso, tenta colocar a opinião pública contra este mesmo sistema. Mais do que nunca, parece incapaz de conseguir resolver sozinho a bagunça que acabou causando”. Hoje, uma grave crise se abate sobre a F1. Crise Econômica, de visibilidade e de racionalidade. Ou a categoria muda ou pode morrer. No final, percebe-se que Bernie gostaria de voltar a ter mão livre sobre o desporto do qual ajudou a construir nos últimos 45 anos, mas que agora perdeu o seu controlo. A acontecer alguma modificação - ou o tal "rasgar as regras" que ele tanto fala - não será com ele ou com Todt. Bernie terá 85 anos no próximo dia 28 de outubro, e Mosley já tem 75. Ou seja, daqui a dez anos, é altamente provável que ambos estejam mortos. Para aqueles lados, o fim chegou e não vai ser bonito. E quando ele desaparecer fisicamente, mesmo a parte financeira será modificada para que se lime um acordo onde a FOM perderá a grande maioria da sua parte, redistribuindo ainda mais o dinheiro que vier pelas equipas, criando uma série mais competitiva e onde se possa modernizar, convivendo com as restantes competições sem nunca os sobrepor, supervisionado pela FIA, e um calendário equilibrado de acordo com as preferências dos adeptos. Como deveria ser. E sobre esse rumo, eu volto a Joe Saward, que já deu uma ideia do que a Formula 1 deveria fazer para recuperar a popularidade perdida. “Ao fim e ao cabo, não deveria ser o livro de regras que precisa de ser rasgado, mas sim os acordos comerciais e de governanção que Ecclestone, Jean Todt e algumas das equipas assinaram. Eles têm que desaparecer. A direção deveria governar e ficar de fora do lado comercial do desporto. Se a FIA quiser ser um organismo de segurança rodoviária, bem, deixá-los fazer a segurança rodoviária, mas eles deveriam criar um braço desportivo independente para cuidar do automobilismo [talvez o regresso da FISA, digo eu]. As equipas devem aceitar que é justo para eles no sentido de partilhar as receitas corretamente. Sim, talvez haja bônus para os melhores, mas a crença de que o desporto deve pagar à Ferrari por causa de seu nome é simplesmente falho. O valor ‘estrela’ irá gerar receitas noutros lugares, em termos de patrocínios, de merchandising e de vendas de automóveis. A FIA também zela pela direção segura, mas precisaria dividir melhor suas ações e separar a parte socio educativa do esporte. E as pessoas de direitos comerciais devem ter uma participação menor, mas serriam contratados para promover este desporto, a estudar formas para que o seu crescimento seja sustentável a longo prazo e não simplesmente deitando dinheiro fora. Novas fontes de receita poderiam significar uma reversão de volta à TV aberta, ou pelo menos para o conteúdo sensível em redes de cabo populares, isso poderia significar taxas de corrida mais baixos, e que permitiriam bilhetes mais baratos e mais dinheiro para investir para melhorar os circuitos e tornar a experiência melhor para os fãs. Poderia também significar que as corridas iriam para onde eles devem ir a partir de um ponto de vista estratégico, ao invés de lugares onde os governos vão pagar enormes somas para tentar comprar o que quer que é que eles pensam que estão comprando”. Saudações D’além Mar, Paulo Alexandre Teixeira
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