Carregar sobre os ombros o sobrenome Piquet no automobilismo não é uma tarefa fácil. Afinal, Nelson Piquet, o patriarca de uma veloz família, onde quatro dos seus cinco filhos enveredaram pelo esporte a motor, tem três campeonatos mundiais de Fórmula 1 e enfrentar uma carreira internacional para qualquer um deles, em especial no automobilismo, sempre haverá uma cobrança extra. Em 2016 será a vez de Pedro Piquet encarar o desafio de tentar chegar na Fórmula 1 como chegaram seu pai e seu irmão Nelson Ângelo. Depois de dois anos correndo na Fórmula três brasileira e conquistar o bicampeonato, estabelecendo vários recordes de vitórias e voltas na liderança, é chegada a hora de encarar um desafio internacional contra pilotos vencedores do mundo inteiro na disputadíssima Fórmula 3 Europeia. Pedro correrá pela equipe holandesa Van Amersfoort, uma das que vem conseguindo melhores resultados nos últimos anos, mas enfrentará em seu primeiro ano, alguns pilotos com duas ou três temporadas na categoria e que já estão bem familiarizados com os autódromos onde ocorrerão as 33 etapas (11 rodadas triplas) do campeonato. Em sua despedida das pistas brasileiras pela Fórmula 3 Brasil, o piloto da multicampeã equipe de Augusto Cesário nos deu esta entrevista exclusiva que partilhamos agora com vocês. NdG: Pedro, esta corrida está sendo um divisor de águas na sua vida, deixando as pistas nacionais e partindo para um desafio a nível mundial. Que balanço você pode fazer destes dois anos de Fórmula 3 no Brasil? Pedro Piquet: Foi um grande aprendizado, com certeza. No ano passado o nível começou um pouco mais baixo por conta das equipes estarem se acertando com o regulamento que havia mudado, mas foram crescendo durante a temporada de 2015 e este ano o nível de competitividade estava mais alto. Foram meus primeiros anos fora do kart, numa equipe de Fórmula, o que é diferente e estar numa equipe vencedora como a Cesário Fórmula, com a experiência que ele tem foi muito importante neste processo de aprendizado, especialmente porque a gente treina muito pouco, são apenas dois treinos que temos por etapa e nisso a equipe e o piloto correm contra o tempo para aprender e evoluir o máximo em cada etapa e uma após a outra. NdG: Você foi, como a maioria dos pilotos da categoria, um kartista por vários anos antes de chegar aqui. Contudo, ao contrario de outros, sua carreira no kart foi bastante discreta, sem grandes conquistas , sem um título brasileiro... como foi este período como kartista para você? Estes dois anos de F3 no Brasil foi um grande aprendizado. Trabalhar com a Cesário Fórmula foi muito importante. Pedro Piquet: O período de kart é um período complicado, é uma fase da vida onde você está mais preocupado com a escola, onde você ainda não sabe se é aquilo mesmo que você quer fazer da vida. Para você ter uma ideia, eu só disputei três campeonatos brasileiros de kart em sete ou oito anos de kart. Muitos dos pilotos que aqui estão na categoria disputou o dobro disso ou mais, além de ser uma coisa por vezes perigosa. Eu disputei um brasileiro em Fortaleza ainda na categoria cadete e na pré-final sofri um acidente sério. Bateram tanto em mim que meu pai não queria mais que eu corresse mais naquele campeonato e a gente é menino, que chora, fica triste, que quer correr porque gosta de correr. A gente tem pilotos brasileiros que foram campeões mundiais de kart e que não se fala muito deles. Temos o Rubinho Barrichello que foi 5 vezes campeão brasileiro de kart, mas se fala mais do que ele fez na Fórmula 1. Quando a gente é mais novo, tem 10, 11 anos, o nome pesa um pouco e os meninos não gostam muito. Quando você está aqui com caras mais velhos os caras não estão nem aí, vão te tratar como outro piloto, somente. Outra coisa é que, por exemplo, eu vinha correr na Granja Viana e os treinos começavam na quinta-feira. Eu só chegava na sexta-feira de tarde, só fazia um treino, largava em 15º, chegava em 10º... era o que dava pra fazer pra não perder aula e os pilotos daqui de São Paulo podiam treinar todos os dias lá. Para quem vinha de fora ficava mais difícil. Mas o kart foi um aprendizado muito bom pra mim. Eu sempre fui um piloto muito limpo. Eu lembro de muitos caras que não eram muito limpos, que batiam bastante e eu não sei onde eles estão mais. Num carro de Fórmula você não pode mais fazer isso de bater como batia no kart. Se você bate num Fórmula quebra asa, fura pneu, quebra suspensão... mas o kart, como todos dizem é um excelente treinamento. Ele exige muito mais que um Fórmula. NdG: Se no kart os resultados não eram importantes, mas sim o aprendizado, o foco quando você começou a andar nos Fórmulas mudou, não? Pedro Piquet: Eu fiz meus primeiros treinos com um carro de Fórmula em 2014 e vim para a Fórmula 3 no ano passado com uma cobrança que começou em casa. Meu pai falou que a partir dos 15 anos eu tinha que ganhar tudo! E eu fiz 15 anos em 2013, quando comecei a andar nos carros de Fórmula e nestes dois anos disputando o campeonato brasileiro as coisas correram bem, foram dando certo e eu consegui, até agora, cumprir com o que meu pai cobrou de mim. NdG: No intervalo entre as temporadas de 2014 e 2015 você treinou na Europa com carros da categoria. O que foi que você viu de diferente, de interessante nos carros da categoria e no ambiente em si? Meu pai nunca cobrou resultados de mim no kart, mas disse que, depois dos 15 anos eu tinha que ganhar tudo! Pedro Piquet: Bom, começa que lá a referência é outra. Se aqui a referência sou eu, lá as referências são as voltas do [Max] Verstappen, do [Daniil] Kvyat e você tem que tentar de tudo para virar igual. As estruturas são melhores. Tem mais dinheiro envolvido então tem como investir mais, ter carros mais modernos, motores melhores, o trabalho com o seu engenheiro é muito mais próximo, tem que buscar cada décimo possível em cada trecho da pista. O pneu que usamos (Hankook) é um pneu muito mais duro do que nós usamos aqui. Leva 3 ou 4 voltas para colocar o pneu na temperatura ideal, mas ele é mais resistente e mantém uma performance boa, perdendo menos ao longo da corrida. O carro é uma versão mais nova, o F-312, e ele é um carro mais “limpo”, tem menos apêndices aerodinâmicos, mas mesmo assim tem mais pressão aerodinâmica. Curva de alta ele é muito rápido, mas perde nas curvas de baixa por conta dos pneus. A direção é mais mole, o piloto faz menos força pra virar o volante, tem câmbio ‘borboleta’, enquanto aqui no Brasil ainda é o sequencial por alavanca. Cansa menos do que correr aqui no Brasil, e ainda tem a vantagem de correr em circuitos onde anda a Fórmula 1, com retas grandes. Agora em outubro tem os treinos na Áustria e na Alemanha. NdG: Você acompanhou o campeonato da F3 Europeia deste ano? Tinha o “streaming” pela internet e a gente viu umas coisas bem brabas em termos de acidente, com prova terminando em bandeira vermelha e até “puxão de orelha” nos pilotos. Como você viu isso? Pedro Piquet: Ah, eu acho que isso acontece porque a gente está aprendendo ainda. Aquele piloto que bateu e capotou tinha 16 anos e eu não acho que ele queria capotar. Nesse período de aprendizado você fazer umas besteiras pode acontecer. A gente aprende acertando e errando. Uma coisa que eu vi nas corridas foi que é muito equilibrado, os carros andando em fila indiana, um empurrando o outro, todo mundo muito junto, e a classificação é importantíssima! Tem que classificar bem para sair na frente. Se largar lá trás para ter que sair passando todo mundo fica muito difícil. NdG: Este ano de 2015 o melhor brasileiro foi o Sergio Sette Câmara. Você correu contra ele aqui no Brasil? Treinar na Europa e conhecer os carros, as equipes e a forma como eles trabalham foi muito bom. Lá eu não sou a "referência". Pedro Piquet: Corri e ele foi o melhor companheiro de equipe que eu tive dentro da Cesário Fórmula e que mais me ajudou a pegar boas referências nos autódromos onde corremos. Tenho acompanhado a temporada dele e ele foi bem, conseguiu alguns pódios e não sei se ele poderia ter feito mais, porque na Fórmula 3 como em qualquer categoria você depende do equipamento e eu não sei qual o nível de competitividade, mas independente disso, ele fez um bom trabalho para ser seu primeiro ano e caso ele continue na categoria, vai ser um adversário difícil. NdG: Neste ano, além da disputa do brasileiro de Fórmula 3 você fez algumas corridas na Porsche Cup, categoria promovida pelo Dener Pires aqui no Brasil e fez uma corrida na Europa também. O que te levou a fazer estas corridas em carros GT3? Pedro Piquet: No ano passado o Dener me deu um teste de presente com o carro da categoria Challenge. Ele disse que era um reconhecimento ao meu trabalho e que ele queria abrir uma nova visão de automobilismo para mim além dos carros de Fórmula. Eu gostei muito da oportunidade, de andar com um carro com outras referências, sem ver os pneus virando pra fazer as curvas. É mais lento que u Fórmula 3, mas é gostoso de guiar e eu fiz a preliminar da Fórmula 1 em 2014, que foi muito legal. É uma categoria com os carros iguais, com um carro que tem pouco efeito de vácuo como tem um Fórmula e aí você tem que passar retardando a freada, mas isso foi interessante para se adaptar a coisas novas. Era engraçado a necessidade de se adaptar ao novo carro, a mudar suas referências nas freadas de curva... as vezes eu levava a manhã inteira pra me ajustar e na Europa a coisa é muito disputada. A Super Cup é um padrão de uma DTM. Os caras são muito bons. O carro lá é melhor, os pneus são diferentes e foi uma experiência que valeu a pena... com acidente e tudo! NdG: Você está com 17 anos e seu corpo ainda está em formação. Como é seu trabalho de preparação física, dieta, análise metabólica... você tem algum tipo de acompanhamento nisso? A experiência com as corridas da Porsche foi muito boa. Mostrou-me outro tipo de carro e forma de pilotar. Pedro Piquet: Tem que fazer todo um trabalho de fortalecimento físico para ter força nos braços, pernas, pescoço e tem também que trabalhar a parte cardiovascular. O piloto fica dentro do carro com 180 batidas por minuto por meia hora nas corridas aqui no Brasil e vai ser mais tempo na temporada da Europa. Esse trabalho tem que ser constante e o piloto não pode relaxar. Na última etapa em Curitiba eu vim daquele acidente com o Porsche em Goiânia e fiquei um tempo de repouso, sem poder treinar e na corrida, foi praticamente um mês parado, depois de 10 minutos de prova eu estava cansado, tinha dores no pescoço... quanto a alimentação, eu não como besteiras, mas como o suficiente para me manter saudável e no peso do limite do carro. Por enquanto é o cuidado para não comer besteira. NdG: Mas não rola nem uma rodinha na grama com um hamburger ou um sorvete? Pedro Piquet: (Risos) Rola. Poxa, qual o menino que não faz isso? NdG: Você falou em “ser menino” e você este ano está terminando o ensino médio. Lá na sua escola você é o Pedro, aluno. A carteira não tem roda e tem uma rotina totalmente diferente daqui do autódromo. Como é a vida do Pedro fora da pista? Pedro Piquet: Eu estou na escola com os mesmos colegas desde criança. São oito, nove, dez anos juntos e a gente se conhece desde sempre e é uma relação normal, natural, não tem essa de ser diferente. Eles me veem neste meio de corrida desde criança, no kart, agora na Fórmula 3, mas a gente fala de tudo, não só de corrida, e tem tiração uns com os outros como é com todo mundo. NdG: Fora do automobilismo você tem algum hobby? Seu pai jogava tênis... você faz algo diferente de estudar ou pilotar nas horas vagas? Pedro Piquet: Eu fazia wakeboard todo dia! Mas é um esporte que se você cai de mal jeito você pode ter que ficar sem treinar e isso poderia comprometer minha preparação então eu deixei o wakeboard meio de lado e eu treino, me preparo, faço atividade física sempre que posso, mas voltada para preparação que eu preciso. NdG: O Wakeboard é um esporte radical e em termos de coisas radicais você foi andar com o Nelson Ângelo no Rally Cross, que é bem radical. Que tal a experiência de “voar nas quatro rodas”? Eu adorei a experiência com os carros do RallyCross. O carro era leve e muito potente. É uma coisa radical! Pedro Piquet: Foi muito legal! Eu cheguei lá e tinha o evento por todo o final de semana, mas eu só sentei no carro na sexta-feira para treinar e já tinha uma corrida na sexta-feira mesmo. O carro tinha 300 cavalos e 700 Kg. E aquela foi minha primeira experiência pilotando um carro fechado, foi antes mesmo de andar no Porsche e foi muita emoção subir aquelas rampas e voar longe. Eu me diverti bastante. NdG: Assim como a gente lá no site deu pra você aquela ‘hashtag’ “#vaiPedrão”, a do seu irmão é “#flyNerso”... Pedro Piquet: (Gargalhadas) #flyNerso... Boa! NdG: A gente falou dos amigos, dos colegas, dos papos... e como é com as meninas? Tem muito assédio no Pedro? Você está namorando? Pedro Piquet: Estou, estou namorando. Com namorada a gente fica mais tranquilo, não quer saber de balada, não fica naquela de querer sair, mas é uma coisa boa, normal da idade, como todo garoto da minha idade. Tem aquele que joga futebol, aquele que joga basquete e eu corro de carro. NdG: E no lidar com as coisas do sexo oposto, o Pedro é mais cerebral, estilo um Niki Lauda, ou parte pra cima como o Gilles Villeneuve? Pedro Piquet: (Risos) Um pouco de cada! NdG: Você falou no começo da entrevista sobre o sobrenome Piquet e sobre ter ou não peso. Você acha que vai carregar este peso vai ser considerado? Tipo: é outro filho do Nelson, é um filho do Nelson vindo correr aqui? Não acho que o nome Piquet vai atrapalhar ou ajudar na Europa. O piloto que está lá não está nem aí pra seu sobrenome. Pedro Piquet: Talvez um ou outro piloto olhe de uma forma diferente por causa disso, mas eu não acho que pese mais ou menos ter o sobrenome Piquet. Acho que as pessoas da imprensa, que escrevem se preocupam mais com isso do que as pessoas que estão na pista. Eu vou treinar em alguns autódromos até o final deste ano e no início de 2016 lá na Europa e espero conseguir virar bem, me adaptar ao esquema de trabalho da equipe e estar em condições de fazer uma boa temporada de estreia. NdG: Para o pessoal que fica por aqui, que ainda vai tomar este caminho, você deixa uma mensagem? Pedro Piquet: Para os que ficarão na Fórmula 3 Brasil para 2016, que o espetáculo seja bonito, que haja respeito entre todos e que trabalhem duro. O campeonato é muito bom, a categoria é muito boa. Preparem-se o melhor que puderem e se der para ir para a Europa, cheguem lá na melhor forma possível. |