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O Automobilismo Atual visto por Stefan Johansson PDF Print E-mail
Written by Administrator   
Sunday, 24 January 2016 01:48

Aos 59 anos, Stefan Johansson teve uma carreira bem recheada no automobilismo. Sueco de Vaxjo, esteve na Formula 1 entre 1980 e 1991 em equipas como Shadow, Spirit, Toleman, Tyrrell, Ferrari, McLaren, Ligier, Onyx, Arrows e AGS. Apesar de não ter tido qualquer vitória, conseguiu doze pódios (seis pela Ferrari, cinco pela McLaren e uma pela Onyx) e 88 pontos, e após a sua carreira na Formula 1, foi para a CART americana, onde em cinco temporadas, conseguiu quatro pódios. E em 1997, em Le Mans, conseguiu ser o vencedor, ao lado do seu ex-companheiro de equipa na Ferrari, Michele Alboreto, e o dinamarquês Tom Kristensen, que conseguia ali a primeira das suas dez vitórias em La Sarthe.

 

Hoje em dia, radicado nos Estados Unidos, é manager de pilotos da IndyCar como Scott Dixon, e de Felix Rosenqvist, campeão da Formula 3 europeia em 2015.

 

Contudo, no inicio deste ano, Johansson decidiu escrever um artigo de três partes no site Motorsport, onde fala sobre a situação atual da Formula 1, de como chegamos até ali e o que deveríamos fazer para melhorar a competição. Primeiro fala sobre a situação atual, onde graças às constantes alterações de regulamento em termos de motorização, temos a situação onde os carros são cada vez mais lentos em reta, mas graças ao “downforce” que os carros têm agora, são crescentemente mais velozes em curva.

 

Quase todas as formas de automobilismo, hoje em dia, tornaram-se completamente dependente de aerodinâmica - e, mais especificamente, de downforce aerodinâmico - para determinar a velocidade final de determinado carro. Cada ano que passa, os tempos por volta mais rápida começam a baixar até que haja uma mudança de regras para reduzir a velocidade dos carros, normalmente no interesse da segurança. Na maioria das vezes, isso é feito através da redução de potência - uma solução rápida - até que os designers e engenheiros encontram uma maneira de contornar o problema, aumentando os níveis de aderência através de uma melhor aerodinâmica. Em 2-3 anos, os tempos por volta regressam para onde estavam antes das mudanças de regra.

 

Em todas as formas de corrida, as velocidades máximas em reta são significativamente menores hoje em dia do que eram em meados da década de 1980. Os tempos por volta eram muito mais rápidos em cada pista de corrida onde era possível fazer uma comparação razoável. Então, onde é que vem a velocidade? Via velocidade nas curvas, [pois os carros estão] maciçamente mais rápidos. Hoje em dia para um piloto, o impulso em curva é o que conta. Ele (ou ela) estão sempre tentando alcançar a melhor velocidade em curva no mínimo possível, pois isso irá normalmente determinar o melhor momento ao longo de uma volta. No passado, a travagem e velocidade de saída em curva eram os fatores mais determinantes”, começa por afirmar.

 

Mas deixando de lado falhas mecânicas ou qualquer outra situação anormal, caso o condutor perca o controlo, onde é que a maioria dos acidentes acontece? A última vez que verifiquei, eles aconteciam nas curvas! Então, por que todas as séries automobilísticas profissionais, alegadamente em nome da segurança, mantenham a obrigatoriedade de reduzir a potência do motor? As reduções trazem velocidades máximas mais lentas, é verdade, mas a velocidade nas curvas continua a aumentar todos os anos através do desenvolvimento aerodinâmico. Para mim não faz absolutamente nenhum sentido...”, continua.

 

Após isso, refere que as pistas já não tem mais as curvas ditas “desafiadoras”, e que estão tão “esterilizadas” (os escapes de asfalto, por exemplo) que os pilotos não são punidos caso excedam o limite. Tem tudo a ver com a precisão, e não a coragem. Johansson refere que um grande piloto tem a ver com a combinação da sua habilidade ao volante com a coragem de ir ao seu limite, ou seja, ser capaz de entrar para o cockpit do seu carro e entrar para o desconhecido, num circuito de limites bem definidos, para tirar o melhor de si, como fazia Ayrton Senna quando tentava uma volta mais rápida nas ruas do Mónaco.

 

Ele depois identifica três áreas onde acha que o automobilismo está a chegar a uma espécie de beco sem saída: a aerodinâmica, os motores e os pneus. A eficiência aerodinâmica está a fazer com que à medida que o carro é mais eficiente em termos aerodinâmicos, as chances de passar o carro à sua frente diminuem. E isso não é único da Formula 1: é algo que acontece no automobilismo em geral. Daí que hoje em dia existam coisas como o DRS (drag recucing system) que permitem facilitar as ultrapassagens. Apesar de muitos dizerem que é tal coisa artificial e “estraga o espirito da Formula 1”, é o preço a pagar por causa dessa eficiência aerodinâmica.

 

Mas sobre a aerodinâmica, Johansson diz o seguinte:

 

(…) “eis uma luta sem fim para ganhar percentagens minúsculas de downforce vs arrasto, todos determinados por um conjunto muito estrito de regras que basicamente não permite nenhum pensamento inovador. É puramente uma questão de gastar tanto tempo e dinheiro quanto é permitido pelas regras para afinar o pacote aerodinâmico.

 

 

A "guerra contra o desenvolvimento" tornou-se um grande ponto de falar na Fórmula 1, e as equipas de topo estão literalmente voando em caixas com novos componentes aerodinâmicos durante a duração de uma corrida. É puramente uma questão de dólares: quanto mais você gasta, mais você ganha. Hoje uma equipa de Formula 1 dita “de topo” coloca 75 versões diferentes da sua asa dianteira durante uma temporada. O simples custo disto é incompreensível. Há, obviamente, um monte de outros trabalhos aerodinâmicos a acontecer ao mesmo tempo, mas é tudo secundário por causa da asa dianteira, pois isso é o que mais influencia as forças aerodinâmicas ao longo de qualquer carro de corrida”.

 

Daí ele dizer depois que os carros, quanto mais eficientes eles são, mais complicados serão de ser ultrapassados. E quanto aos DRS, ele diz que, apesar de ajudar a ultrapassar, não existe qualquer técnica em especial, porque “quando pressionas um botão para passar o carro que está à tua frente, ele é basicamente um alvo fácil, sem qualquer possibilidade de resposta”.

 

 

Sobre os motores, ele refere que são tão sofisticados que o mais apropriado seria chamálas de “unidades de força”. Fala que os seus custos de desenvolvimento são astronómicos (os motores Mercedes eram vendidos aos seus clientes entre 20 e 25 milhões de dólares em 2015) e claro, quem sofre são as equipas mais pequenas.

 

Para além disso, são complicados de instalar e de manter, o que faz com que as equipas contratem mais engenheiros para os manter, o que é mais complicado para as equipas mais pequenas, que têm cada vez menos dinheiro para manter, e o patrocinio não abunda. E por último, o desenvolvimento de motores tem de ser feito através de um sistema estrito de regras, sem grande espeço para a inovação.

 

Por fim, no quesito dos pneus, ele refere o monopólio que a Formula 1 decidiu colocar na competição desde 2006, altura em que a Michelin se foi embora para que a Bridgestone ficasse com o papel, que depois foi para a Pirelli, em 2011.

 

E sobre isso, Johansson é demolidor:

 

O mandato [da FIA] para a Pirelli tem sido construir efetivamente um mau pneu, no interesse de tornar a corrida mais emocionante. Isso vem acontecendo de há alguns anos a esta parte e eu não acho que ninguém pode dizer que tem melhorado o nível das corridas. Tudo o que tem feito é fazer com que todos conduzam entre 10 a 20% abaixo do seu ritmo real, apenas para fazer os pneus durem ao longo das corridas; ele não alterou a estratégia nem tornou as corridas mais interessantes.

 

Para mim é uma das piores ideias que já apareceram na Formula 1. Seria muito melhor para todos os envolvidos se um piloto fosse forçado a andar no limite, a cada volta feita longo da corrida, para que pudéssemos ver quem eram os que são realmente bons e quem são os que iriam cometer um erro quando estivessem sob pressão”.

 

 

No final, Johansson afirma que as regras deveriam ser desenhadas para reduzir o arrasto aerodinâmico para assim alcançar maiores velocidades em reta, e ao mesmo tempo, perder aderência em curva, logo, aumentar a distância de travagem e claro, aumentar as oportunidades de ultrapassagem entre pilotos.

 

E ele estabelece um conjunto de regras que deveriam ser establecidas:

 

- Reduzir o arrasto aerodinâmico a um limite fixo. Atualmente, um carro de Formula 1 consegue à volta 3700 libras de arrasto, e ele acha que reduzi-lo a cerca de 2000 seria razoável. Isso implicaria uma redução de 40 por cento ao que está agora, e claro, aumentar as distâncias de travagem e as oportunidades de ultrapassagem.

 

- Congelar o desenho da asa da frente a algo padrão. Ele considera que tal coisa deveria ser feita pela FIA e entrega-los às equipas.

 

- Aumentar o tamanho dos pneus, quer à frente, quer atrás, a aumentar também o tamanho os aros das rodas – atualmente nas 13 polegadas – para assim aumentar o impacto visual dessas rodas. E também permitir que qualquer marca possa fornecer os pneus, numa competição aberta.

 

 

- Aumentar a potência dos motores para 1200-1300 cavalos de potência, no sentido de aumentar a velocidade de ponta. E com os limites em termos de arrasto, as distâncias de travagem seriam bem mais longas, e claro, haveria mais chances de ultrapassagem.

 

- Variar o tipo de motor que os construtores possam construir, com critérios em termos de consumo de gasolina e de energia (através do KERS), para que possam aparecer maiores chances de soluções. E claro, abolir os limites em relação à quantidade de motores a usar ao longo da temporada.

 

- Abolição de quaisquer ajudas aos pilotos, como o controlo de tração e outras ajudas. Para ele, o piloto deveria ser a pessoa a controlar o carro na sua totalidade, e acharia que seria um espectáculo para admirar por parte de toda a gente, quer esteja na pista, quer esteja a ver na televisão.

 

- Alguns dos componentes que fazem parte do carro – caixas de velocidades, travões, diferenciais, ECU’s, volante, entre outros – deverão ser feitos pela FIA e entregues às equipas, feitas por firmas subcontratadas para o efeito. Dessa forma, haveria um controlo de custos. E os orçamentos de cada temporada deveriam ser limitados a cem milhões de dólares.

 

- O monocoque terá de ser igual para todos, fornecido pela FIA, após ter passado no “crash-test”. Apesar de tudo, haverá espaço mais do que suficiente para os projetistas criarem o seu próprio chassis, diferenciado da concorrência.

 

 

- Limitar o numero de pessoas à volta de uma troca de pneus, fazendo-as durarem mais tempo. Um mecânico para cada roda é o exemplo que ele dá.

 

- Abolir o DRS e quaisquer sistemas de ultrapassagem artificial.

 

- Fazer o cargo de comissário de corrida limitado a uma pessoa, que estaria em todas as corridas do campeonato.

 

- Alterar o desenho dos circuitos de forma a que, caso o piloto cometa um erro, seja punido com isso, como existia antigamente com as escapatórias de gravilha, ou as redes de proteção, que seguravam o carro em caso de despiste.

 

- Em termos de governação, deveria haver um regulamento estável do qual as equipas estariam de fora do processo, e as duas entidades que regulam o desporto, a FOM e a FIA, deveriam acordar num conjunto de regras adequadamente equilibrado e suficientemente estável durante pelo menos uma década, no sentido de recuperar o prestigio que a Formula 1 já teve antes.


É certo que ler o manifesto de Stefan Johansson, muitos concordarão em muita da coisa que está escrita, mas o grande problema são os que lá estão dentro. Já falei disto há algum tempo e volto a frisar: a maior parte dos elementos que lá estão andam na Formula 1 há mais de 40 anos. Bernie Ecclestone é o senhor mais conhecido, mas outras personagens como Ron Dennis, manda na McLaren há 35 anos, e Frank Williams está no meio desde 1969, ainda antes de Johansson começar a sua carreira automobilística.

 

Muitos dos manda-chuvas estão lá de forma quase vitalícia, somente quando ficarem muito velhos ou morrerem é que poderá haver uma espécie de mudança. E com o poder dado ao Grupo de Estratégia, de uma certa forma, a Formula 1 ficou refém das equipas, que poderão fazer o que quiser e entender em relação ao custo dos motores, por exemplo. E teve de ser uma intervenção de Jean Todt e Bernie Ecclestone, há alguns dias, para que o preço dos motores descesse dos 20 milhões por temporada para perto dos doze milhões. As coisas ficaram reduzidas para metade, é certo, e mais dinheiro ficou liberto para outras áreas, mas não há sinais de uma mudança de regras no sentido em que ele preconiza, nem mesmo as que são conhecidas até agora em relação ao que pode ser a Formula 1 a partir da temporada de 2017.

 

 

E não podemos deixar de pensar que a FIA dicou sem grande parte do poder graças às ações do seu anterior presidente, Max Mosley, que deu a sua parte nos lucros no famoso contrato dos cem anos, assinado em 2002, que cedia até ao inicio do século XXII, em troca de mais de cem milhões de dólares nos dez anos seguintes. Em suma, a FIA não pode fazer muita coisa sobre a Formula 1, porque esta não lhe pertence. Pertence a uma entidade chamada CVC Capital Partners, que por agora, se limita a recolher a sua parte de lucros de uma organização que consegue amealhar cerca de 1700 milhões de dólares em 2014.

 

Sem as grandes mudanças de geração, e sem uma grande mudança ao nível de mentalidade, isto não vai passar de um manifesto bem intencionado. Mas vale a pena ler sobre isso.

 

Saudaçoes D’além Mar,

 

Paulo Alexandre Teixeira