No intervalo de menos de uma década perdemos o Autódromo de Jacarepaguá (municipal), no Rio de Janeiro, o Autódromo de Brasília (estadual) foi semidestruído numa reforma que não se sabe onde vai parar e agora temos o Autódromo de Curitiba (privado), às portas do seu fechamento. O que pode ser feito, quem pode fazer algo e como isso poderia ocorrer para que paremos de perder autódromos no Brasil? Américo Teixeira Jr. – Jornalista do “Diário Motorsport” e Assessor de Imprensa do piloto Helio Castroneves. Eu penso que é preciso profissionalizar o automobilismo brasileiro. O esporte como um gerador de empregos, como uma fonte de investimento, como uma forma de empreender-se capital e trabalho e estando ele inserido em um cenário econômico ele precisa ser gerido de forma profissional como acontece em outros países. É preciso se criar um projeto para o automobilismo brasileiro. Quando falo em projeto, isso vai muito além da criação de um autódromo. Vai muito além de criar uma categoria para ter 12 carros alinhados ou ir buscar no patrocínio de uma empresa estatal para tentar custeá-la. É preciso pensar no automobilismo como um setor da economia e para isso é preciso se fazer um projeto técnico, esportivo, político e social para que o automobilismo seja algo de longo alcance. Esta é, no meu modo de ver, uma tarefa da CBA com os promotores. Para a CBA, cabe a normatização e aos promotores, garantir os seus negócios. Sem automobilismo forte, não há categorias fortes. Sem categorias fortes e sem automobilismo forte, não há porque se construir autódromos e não como inserir o automobilismo no dia a dia do país. Se formos observar a agenda de utilização dos autódromos com competições no Brasil, esta agenda é muito fraca. Analisando a questão dos autódromos, eu penso que o país não tem estrutura para ter autódromos nas mãos do poder público. Autódromo é uma peça da iniciativa privada. A partir do momento que tivermos mais autódromos privados, impulsionados por um automobilismo forte, terão ocupação e retorno e um negócio irá impulsionar o outro. O autódromo de Curitiba era um autódromo rentável, mas os donos viram nele um negócio para a realização de lucros, uma necessidade de direcionar capital para outro negócio. Castilho de Andrade – Diretor de Imprensa da GP Brasil de Fórmula 1. Eu acho que o mais importante para a gente conseguir preservar os autódromos que ainda restam e eventualmente criar novos autódromos no Brasil teria que passar, necessariamente, pela presença do automobilismo brasileiro por categorias mais populares. Atualmente nós só temos duas categorias no automobilismo nacional que conseguem levar público para os autódromos: a Stock Car e a Fórmula Truck. Fora as duas a gente não tem categorias que consigam motivar o público a comparecer nos autódromos. Seja por serem menos competitivas, seja p or terem menos participantes conhecidos. Isso passa por um processo que envolve investimento e enquanto as montadoras que temos instaladas aqui não se dispuserem a criar categorias mais eficientes e interessantes como nós tivemos no passado como foram a Fórmula Vê, a Super Vê e a Fórmula Ford, dificilmente os autódromos vão sobreviver. O autódromo de Interlagos sobrevive graças à realização da Fórmula 1. Por conta das exigências da FIA, que é extremamente rigorosa nos aspectos de segurança para que um autódromo possa receber a Fórmula 1, obriga que seja feito um investimento constante na conservação e melhoria do autódromo de Interlagos. Nos demais, os que não tem homologação de classe da FIA, não há este grau de exigência do que eles consideram como parâmetros mínimos. Com a falta de categorias que exigissem mais condições técnicas dos autódromos, estes estão se deteriorando, ficando desatualizados e mal cuidados, quando não desaparecendo. Claudio Carsughi – Jornalista de automobilismo que dispensa apresentações. Eu entendo, inicialmente, que como o estado não funciona em praticamente nenhum nível, não adianta recorrer aos poderes municipais, estaduais ou mesmo federal porque nada se consegue. O caso mais clamoroso foi o do Rio de Janeiro, que perdeu o seu autódromo, um belíssimo autódromo para que no seu lugar fosse construído o parque olímpico e nada das coisas que foram prometidas pelas autoridades foi cumprida e o estado não tem mais autódromo e perdeu-se um autódromo de grandes lembranças, como o melhor resultado obtido pela equipe Fittipaldi em toda a sua existência, com o segundo lugar de Emerson Fittipaldi em 1978. O caminho deveria passar sempre pela iniciativa privada, mas esta acaba sendo desestimulada pela precária situação do automobilismo nacional. É preciso que tenhamos mais categorias no automobilismo nacional para ocupar estes autódromos. Da forma como estamos hoje, com apenas a Stock Car, com suas categorias satélite, todas correndo no mesmo final de semana, e a Fórmula Truck, o garoto que sai do kart faz suas contas, ou se não fizer o pai dele faz, e chega a conclusão de que é muito melhor ir correr na Inglaterra ou em outro país da Europa do que correr aqui. Tudo é mais favorável: tem mais visibilidade, mais possibilidade de conseguir patrocínios, corre em categorias muito bem estruturadas e não tem todos os obstáculos burocráticos que existem no Brasil. Infelizmente vivemos um círculo vicioso, uma conta que não fecha e onde eu não vejo nenhuma possibilidade de solução a curto ou médio prazo, a menos que haja uma mudança completa na economia nacional, coisa também da qual duvido muito. Fabio Seixas – Jornalista de automobilismo do Sportv. Acho que dá pra fazer um paralelo entre os autódromos e os campinhos de futebol de várzea, que existiam nas grandes cidades tempos atrás. As cidades estão estrangulando estes espaços com a especulação imobiliária, motivo pelo qual, infelizmente, vamos perder o autódromo de Curitiba e foi o mesmo que aconteceu em Jacarepaguá alguns anos atrás, pois sabemos que parte da área do parque olímpico será destinada para a construção de unidades comerciais e residenciais. A única maneira de podermos preservar os autódromos que ainda restam no Brasil é termos um automobilismo forte. É preciso que as federações e a CB tenha força política para mostrar que o automobilismo é mais do que apenas carros na pista, que há toda uma estrutura por trás e que aconteçam competições nestes espaços que justifiquem a sua existência. A atual realidade do automobilismo brasileiro não é nada animadora. Temos uma automobilismo fraco. Temos poucas categorias para ocupar estes espaços, as categorias que atraem público aos autódromos são menos ainda. As categorias de monopostos que no passado sempre atraíam público aos autódromos hoje praticamente não existem mais e não haver público acaba sendo mais um argumento para não se construir autódromos, para destruir os que já existem. Esta foi uma das justificativas que usaram para destruir Jacarepaguá: dizer que ele era subutilizado... e realmente era! Difícil conseguir se lutar contra esta realidade. A existência de categorias locais, regionais é insuficiente para que se justifique a existência de um autódromo, algo que não se conseguiu fazer no Rio de Janeiro, que não se conseguiu fazer em Brasília, tanto que as obras continuam interrompidas e sem previsão por lá. Ou muda-se o panorama, ou o risco vai existir para todos os outros. Lito Cavalcanti – Comentarista de Automobilismo do Sportv. Olha, eu acho que pode sim, a questão é que temos aí é um ambiente muito pobre para o automobilismo. Não se dá uma atração maior para o público e para o público é tudo difícil. Você paga caro pelo ingresso, estaciona longe e o estacionamento também é caro, não tem lanchonetes e banheiro para atender todo mundo, fica numa arquibancada desconfortável, exposto a sol e chuva para assistir um espetáculo de qualidade duvidosa. Assim fica difícil atrair público. Aqui no Brasil vivemos uma dependência da Fórmula 1. Como faz tempo que não vencemos corridas na Fórmula 1, houve um enfraquecimento do automobilismo de uma forma geral no país. Aqui do lado, na Argentina, que há tempos deixou de pensar em formula 1, há uma outra mentalidade. Eles tem um automobilismo local muito forte. Enquanto a gente fica aqui, cultivando o que se fez, faz e se pode fazer no automobilismo fora do país, eles lá tem mais cultura, uma paixão muito mais profunda. Não tem como ter um automobilismo forte se as pessoas não entendem o automobilismo. O brasileiro tem um comportamento de um torcedor de futebol. No GP da Espanha, num autódromo que é difícil ultrapassar, Felipe Massa chegou em oitavo lugar depois de largar em décimo oitavo. Aí você vai na internet e lê que “ele morreu”, que “não é mais piloto”, que “a Williams é uma péssima equipe”, etc. É a cultura do futebol e nós somos isso. Luc Monteiro – Narrador da Porsche Cup, Mercedes Challenge e Copa Petrobras de Marcas. Acho que a gente tem que se agarrar no terço e rezar! Infelizmente é uma tendência. Apesar da evolução dos equipamentos, dos carros, a verdade é que o automobilismo não é a preferência nacional que nós que estamos aqui dentro achamos que ele é. Falando dos autódromos, talvez ele não seja o tipo de investimento que traga um retorno compensador para quem tem um autódromo para administrar. No Rio de Janeiro a gente perdeu o autódromo para um bando de picaretas que vão ganhar dinheiro com a especulação imobiliária. Eles transformaram a área de Jacarepaguá em Barra da Tijuca. Aquela coisa olímpica, construída toda superfaturada, vai quase tudo abaixo e vão construir um monte de prédio bacana. Sorte de quem for morar lá. Brasília tá diferente. Tem até algum indicativo de que alguma coisa pode acontecer e terminarem o que começaram. Não deve ficar pronto este ano, ano que vem, esperamos. Não vai ficar aquilo que todos estavam esperando, mas vai ficar melhor do que o que havia antes, onde não dava para andar no misto, mal dava pra usar o anel externo, o que dava pra usar com o esqueleto de 1974. E em Curitiba todo mundo ganhou dinheiro aqui. Eu ganhei, os donos de equipe ganharam, os promotores de evento ganharam, todo mundo ganhou... menos o dono do autódromo! A gente lamente, é uma pisa sensacional. Este ano eu andei aqui como piloto, mas isso aqui também precisa ser viável. É importante as pessoas lembraram que Curitiba estava morto em 1994 e foi o consorcio comandado pelo Peteco [Jauneval de Oms] que fez isso aqui renascer e se tornar o melhor autódromo do Brasil. E o compromisso era mantê-lo funcionando por 20 anos... e estes período de 20 anos acabou. Com o cenário que temos e com as condições dos autódromos que temos, agente em breve não vai ter pista. Não vai conseguir fazer um campeonato de seis etapas sem ter que repetir autódromo. Aí você entra numa situação de que é difícil e temos que reconhecer que é difícil. Veja Cascavel, por exemplo. Era privado, mas não era de um empresário, era de um grupo de abnegados. Foi negociado e agora é municipal, mas a prefeitura não pode despejar um caminhão de dinheiro. Cascavel tem outras prioridades. Uma solução que vejo são cidades de menor porte, sem grande projeção, apelo turístico conseguir em programas de parceria, sei lá, construírem autódromos. Vejam o caso de Guaporé. Se não fosse o autódromo, quem lembraria de Guaporé, uma cidade de 20 mil habitantes que ferve quando tem corridas por lá. Nos anos 70 recebia etapa de campeonatos continentais. Porque não ter mais Guaporés pelo Brasil. Eu nuca tinha ouvido falar em Curvelo antes de fazerem o autódromo por lá. Se saírem mais dois ou três no Brasil seria uma saída. Luiz Silvério – Repórter de automobilismo da TV Bandeirantes. Eu acho que é preciso se cobrar do poder público eu coloco muita fé na associação de pilotos liderada pelo Felipe Giaffone e que tem todos os grandes do Brasil associados para fazer com que se mude alguma coisa. Brasília não pode ficar sem autódromo, cidade de um tri campeão mundial de Fórmula 1 e o Distrito Federal tem um histórico de pilotos e equipes no automobilismo nacional. Aqui no Paraná é a mesma coisa. Quantos pilotos de renome internacional são daqui, mais de uma dezena. Zonta, Gugelmin, Farfus... no Rio de Janeiro, aquele absurdo que foi destruir um autódromo maravilhoso para se fazer um parque olímpico que poderia ser feito em qualquer outro lugar. Minha esperança é que surjam autódromos particulares como é o caso de Curvelo em Minas Gerais, um projeto privado, muito bem planejado É muito triste para nós ver um autódromo como o de Curitiba desaparecer. O melhor autódromo do Brasil e não dá pra acreditar que ele vá fechar e nenhum movimento por parte das autoridades do estado, prefeito de Curitiba, de Pinhais, do governador do estado no sentido de encontrar uma outra solução, para mobilizar os empresários da região para tentar viabilizar outra solução. Isso serve para Curitiba, Brasília e outros. A crise está dificultando a vida dos promotores do automobilismo brasileiro e se perdermos autódromos vai ficar ainda pior. Milton Alves – Jornalista e assessor de imprensa da Fórmula Truck. Esta pergunta é bastante ampla e deve começar a ser respondida da seguinte maneira: quem teria poder e força para mudar esta situação seria a CBA, que é a entidade que normatiza o esporte no Brasil. Ela deveria ir além de arrecadar suas taxas, mas também fomentar e criar canais para a criação de autódromos, de novas categorias, de novas gerações de pilotos. A perda dos autódromos mencionados tem aspectos distintos. Jacarepaguá foi perdido em função da especulação imobiliária de uma área que se valorizou extremamente no Rio de Janeiro. O autódromo de Curitiba vive o mesmo problema e o eventual final de suas atividades é algo muito triste. É o segundo melhor autódromo do Brasil, depois de Interlagos, claro, devido ser um autódromo pra receber a Fórmula 1. E o que podemos dizer de Brasília, dos governantes que estão lá em Brasília, de como as coisas acontecem em Brasília. Era um autódromo que funcionava. Com carências, como os boxes, mas era possível se fazer corridas ali e eles destruíram, com o pretexto de uma reforma que o Ministério Público bloqueou e vamos aí com mais de um ano sem autódromo e sem perspectivas da conclusão das obras. Sabe-se lá quando as obras serão retomadas, se é que serão retomadas. É com tristeza que nós que vivemos do automobilismo vemos a situação que o esporte está passando no Brasil. Eu entendo que a CBA deveria ter um papel muito maior do que tem, até mesmo investindo na construção de autódromos, deveria ser o grande órgão articulador nos assuntos do automobilismo. Sergio Lago – Narrador do canal Fox Sports. Eu vivo um pouco distante da situação dos autódromos pelo Brasil. Mas eu vejo que qualquer lugar hoje os autódromos tem que encontrar maneiras de ser auto sustentáveis. Dar lucro. Eu não acho que isso deva ser papel do poder público, mas da iniciativa privada. Para quem mora no Rio de Janeiro como eu, é inaceitável ver o que aconteceu aqui e não ver mais o autódromo de Jacarepaguá, que tinha uma história. O fato dele ser um bem do estado ou do município não era para acabar com ele também. Aqui no Brasil a maioria dos autódromos são públicos e mesmo sendo públicos, eles tem que dar retorno. É isso que a gente vê nos autódromos lá fora. Eles se sustentam. Vou citar o exemplo do autódromo de Fontana, na Califórnia, onde morei muito tempo. Você tem lá uma corrida da NASCAR, uma da Indy e no resto do ano você tem cursos de pilotagem, tem o sistema de volta rápida como carona, tem o uso do circuito misto, que tem um misto dentro do oval. Funcionam empresas privadas que movimentam o autódromo o ano inteiro e geram receita para seus donos. Tem as montadoras que fazem testes no circuito, usando mais o misto do que o oval, e nisso elas também fazem uns test drive com convidados. Outros autódromos alugam superesportivos para você andar na pista. Alguns tem museus, parque temáticos, atrações para movimentar todo o ano e envolver toda a família. Era o mesmo que se deveria pensar em se fazer por aqui. Téo José – Narrador da TV Bandeirantes. Esse é um tema bem profundo e, infelizmente, isso não é novidade. Em alguns casos o processo de destruição e inativação dos autódromos passa pelo abandono destas praças, como foi o caso do autódromo de Goiânia, que ficou por muitos anos sem receber eventos nacionais. É preciso que haja uma mobilização de toda a comunidade do automobilismo para que se consiga fazer alguma coisa. Pilotos, chefes de equipe, promotores de categorias tem que se unir e se fortalecer. Com isso, pressionar as federações e a CBA para que esta encontre meios de agir junto ao poder público, nisso incluo prefeituras, governos estaduais e também o ministério do Esporte, para que os autódromos sejam melhorados, conservados e até mesmo novos autódromos sejam construídos, uma vez que a maioria dos autódromos do país são públicos. Uma coisa pra mim é clara: o autódromo de Goiânia, que considero ser hoje o segundo melhor autódromo do país, depois de Interlagos, claro, mesmo sem Fórmula 1, está dando lucro como Curitiba dá lucro e que agora vai fechar, vítima da especulação imobiliária, como o autódromo de Jacarepaguá foi também vítima do crescimento da cidade do Rio de Janeiro. O que precisamos é de um automobilismo forte. Se tivermos categorias, pilotos, público, eventos, teremos argumentos para pressionar o poder público, mas ainda assim, podemos reclamar, pedir e nada acontecer. Depender de autódromos públicos a gente vai estar sempre dependendo de decisões políticas. As parcerias público-privadas, que hoje temos em muitos kartódromos do país deveria ser buscada também para autódromos. Para reformar os existentes e para o surgimento de novos e que estes deem lucro.
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