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O polémico Rali de Sanremo de 1986 PDF Print E-mail
Written by Administrator   
Thursday, 20 October 2016 22:31

A temporada de 1986 do Mundial de ralis iria ser inesquecível por todas as razões erradas. Os acidentes no Rali de Portugal e o da Córsega, este último resultando na morte do finlandês Henri Toivonen e do seu navegador, Sergio Cresto, foram o “canto do cisne” para os carros de Grupo B, abolidos no final dessa temporada pela FIA, no intuito de abrandar a velocidade dos carros.

 

Contudo, ainda antes dessa temporada atacar, os ralis voltariam a estar nas bocas do mundo… pelas piores razões. Só que desta vez, não foi uma tragédia, mas sim uma farsa. A polémica aconteceu entre os Peugeot e os Lancia, que lutavam pelo título de construtores nesse ano, com a desclassificação dos carros franceses, que dariam o título à Lancia. Mas quando o campeonato terminou, a FIA decidiu fazer algo inédito: retirou o rali do campeonato, dando o Mundial à Peugeot. Trinta anos mais tarde, é sobre esse episódio do Mundial de Ralis que vou falar.

 

UM DUELO FRANCO-ITALIANO

 

O Rali de Sanremo iria durar entre os dias 13 e 17 de outubro de 1986 nas estradas à volta da mesma cidade italiana. O rali teria classificativas em asfalto e terra, com 118 inscritos, num total de 2148 quilómetros, 538 dos quais cronometrados. Entre carros de Grupo A e B, as duas marcas do qual todos estavam com os olhos em cima eram a Peugeot e a Lancia. Os franceses, com o 205 Ti16, tinham uma equipa com quatro pilotos: os finlandeses Juha Kankkunen e Timo Salonen, o francês Bruno Saby e o local Andrea Zanussi. No lado da Lancia, o finlandês Markku Alen e o italiano Massimo Biasion eram os pontas de lança, secundados por outros dois italianos, Dario Cerato e Fabrizio Tabaton.

 

Bruno Saby era uma das forças da Peugeot no campeonato, mas àquela altura, faria jogo de equipa para Juha Kankkunen.

 

Outras marcas estavam presentes, como a Austin Rover, que tinha três 6R4 para os ingleses Malcom Wilson, Tony Pond e o francês Marc Duez. No Grupo A, havia o Renault 11 Turbo de Jean Ragnotti, o Fiat Uno Turbo de Giovanni del Zoppo e Alessandro Fiorio, e o Volkswagen Golf GTi de Kenneth Ericsson.

 

A Peugeot já era campeã de Construtores, mas a luta pelo campeonato de pilotos estava ao rubro. Kankkunen, da Peugeot, era o líder, com 91 pontos, contra os 69 de Alen, mas nesses tempos, o vencedor alcançava vinte pontos, e em caso de vitória do piloto da Lancia, e se Kankkunen desistisse, ambos ficariam bem perto um do outro, quando faltavam apenas os ralis inglês RAC e o americano Olympus.

 

O primeiro dia do rali acontecia sob asfalto e o duelo foi ao segundo entre Peugeot e Lancia. Tendo o conhecimento das estradas locais, Andrea Zanussi acabou o primeiro dia na frente, mas Saby era o segundo, a nove segundos, e Biasion a 15. Timo Salonen era o quarto, seguido por Cerrato, com Juha Kankkunen a ser sexto, a pouco mais de 30 segundos do comando da corrida. Já Alen estava atrasado, perdendo um minuto e 11 segundos devido a um furo. No Grupo A, o melhor era Ragnotti, na frente de Ericsson.

 

Kenneth Ericsson andou bem no início do Rali, mas acabou ficando pelo caminho.

 

Por esta altura, a organização estava atento aos excessos dos espectadores, que queriam evitar o que tinha acontecido em Portugal, por exemplo. E foi por causa disso que a última especial do dia foi cancelada devido ao excesso de espectadores.

 

O segundo dia, já em pisos de terra, foi mais atribulado: Timo Salonen tem um acidente e abandona o rali – e também as suas chances de revalidar o título – enquanto que Juha Kankkunen conseguiu recuperar os 30 segundos de atraso para ser o líder do rali, seguido por Biasion e Cerrato. Já nos Grupo A, Ragnotti abandona com um motor quebrado e deixava a liderança para Ericsson, no seu Golf.

 

Massimo Biasion estava andando bem e partiu para confrontar Juha Kankkunen pela vitória no rali em sua casa.

 

No terceiro dia, os carros voltavam às classificativas em asfalto, e Biasion partia ao ataque, tentando apanhar Kankkunen. A troca de líderes foi uma constante e no final do dia, o italiano tinha uma vantagem de onze segundos sobre o finlandês da Peugeot, com apenas mais um dia para o final do rali. Mas depois, as manobras de bastidores entraram em ação, criando uma polémica que terminou apenas nas altas instâncias da então FISA, a federação internacional do desporto automóvel.

 

DECISÃO DE SECRETARIA, PARTE UM

 

No quarto dia do rali, por volta das cinco da tarde, os organizadores do Rali avisam a Peugeot de que os seus carros tinham sido desclassificados devido a irregularidades nas aletas laterais dos seus modelos 205 Ti16, que segundo os regulamentos então vigentes, eram capazes de causar um “efeito solo” que na altura, era ilegal. Contudo, a Peugeot – que era dirigida na altura por Jean Todt – contrastava a decisão dos comissários italianos, alegando que essa aleta lateral era legal, tinha sido apresentada aos comissários da FISA e que era usada desde o Rali de Portugal, há quase seis meses…

 

Timo Salonen andou o mais rápido que podia, mas também se viu envolvido com a discussão em torno dos Peugeot.

 

Contudo, por esses dias, os comissários tinham uma enorme autonomia em relação à entidade automobilística, e cada um poderia interpretar os regulamentos à sua maneira, o que poderia levar a abusos. Se existisse uma prova em França, os comissários franceses poderiam interpretar os regulamentos a favor dos franceses, a mesma coisa em Itália, Alemanha ou Grã-Bretanha, pois eram países com marcas de automóveis. E isso não acontecia só nos ralis: na Formula 1, a Ferrari tinha fama de usar os regulamentos a seu favor quando corriam em Monza, por exemplo.

 

Com o risco de ver a Peugeot excluída do Mundial, caso a FISA voltasse com a palavra atrás, decidiram apelar da decisão, deixando disponíveis os seus carros para que pudessem verificar se estavam de acordo com os regulamentos. Mas a ideia estava lá: se excluíssem os carros franceses deste rali, e a FIA decidisse favorecer o apelo à Peugeot, o mal estaria feito: o título de pilotos cairia às mãos de Markku Alen, mesmo faltando as tais duas provas até fechar o campeonato.

 

Markku Alen acabou vencendo a etapa depois das confusões com as decisões dos comissários.

 

No final, os Lancia monopolizaram o pódio, com Alen a ser o vencedor, com Biasion em segundo e Cerrato em terceiro, e fazendo com que Alen ficasse a dois pontos do seu compatriota da Peugeot. Malcom Wilson dava à Rover o seu melhor resultado da temporada, com um quarto posto, enquanto que Kenneth Ericsson foi o quinto e o melhor dos Grupo A.

 

DECISÃO DE SECRETARIA, PARTE DOIS

 

Nos dois ralis seguintes, Salonen foi o vencedor no Rally RAC, com Alen a ser segundo e Kankkunen o terceiro. Em paragens americanas, Alen venceu e ficou com o título, com o seu compatriota na segunda posição.

 

As polêmicas asas da Peugeot ptovocavam ou não o "efeito solo"? Muita discussão e confusão em torno disso.

 

Contudo, Alen comemoraria o título… durante onze dias. A 18 de dezembro, em Paris, O Tribunal de Apelo da FIA decide em reunião que iriam excluir o Rally Sanremo do calendário e invalidar os resultados. O que significava que o campeão seria Kankkunen, e ambos os títulos acabariam nas mãos da Peugeot.

 

Contudo, isso teria consequências. A Peugeot não iria participar no novo formato dos ralis, com os Grupo A (o Grupo S, que teria protótipos com 300 cavalos, acabou por ser um natimorto), preferindo ir correr no Dakar, enquanto que os Lancia dominariam o campeonato por quarto anos, sem concorrência de peso, até à ascensão da Toyota em 1990, com Carlos Sainz ao volante.

 

Juha Kankkunen acabou campeão numa temporada em que todos pareceram ter saído como perdedores.

 

Mas até hoje, o Rali Sanremo de 1986, e o seu resultado final, só mostrou que naquele anos de tragédias, também houve lugar à farsa. 

 

Saudações D’além Mar,

 

Paulo Alexandre Teixeira