No passado dia 20 de novembro, em paragens australianas, a Volkswagen arrumou de vez os seus carros, depois do norueguês Andreas Mikkelsen ter vencido a prova, numa dobradinha com o francês Sebastien Ogier. Este rali tornou-se no último da marca alemã no WRC – pelo menos de forma oficial – e encerrou assim quatro temporadas de bons serviços, onde venceu todos os títulos de pilotos, com Sebastien Ogier, bem como todos os títulos de construtores, tudo graças ao seu modelo Polo R WRC, que provavelmente passará para a história como um dos mais bem sucedidos da história dos ralis. Contudo, isto acontece precisamente trinta anos depois de, num canto remoto dos Estados Unidos, máquinas e pilotos participavam no último rali daquela temporada, que também era o último rali de uma série de carros que abalaram a imaginação de toda uma geração: os Grupo B. Numa temporada atípica, com acidentes e polémicas, o Olympus Rally tornou-se no último capitulo de uma temporada que teve muito de tragédia, como também de farsa. O OLYMPUS RALLY DE 1986 O Olympus Rally foi criado em 1973 por um grupo de entusiastas de ralis da zona de Shelton, no estado de Washington. Com classificativas à volta do Mont Olympus, um dos vulcões da zona noroeste americano, começou a fazer parte da SCCA Rally Championship (agora Rally America) tornando-se rapidamente num dos ralis mais populares do pais. Gene Henderson foi o primeiro vencedor, a bordo de… um AMC Jeep! Porém, ao fim de alguns anos, vencedores como John Buffum conseguiram a bordo de máquinas como o Mazda RX-7 ou Audi Quattro. Outro grande vencedor deste rali foi o neozelandês Rod Millien, que o conseguiu em 1980-81, 1983-84, empatando em termos de vitórias com Buffum. Contudo, no final de 1984, os organizadores decidiram ser mais ambiciosos e trazer os melhores pilotos de rali do mundo para aquela parte dos Estados Unidos, e a FISA acedeu à ideia. Decidiram fazer um evento de teste no final de 1985, após o Rali RAC, na Grã-Bretanha, com as equipas de fábrica a levar pelo menos um carro para o local. O primeiro a cruzar a meta foi o finlandês Hannu Mikkola, a bordo de um Audi Sport Quattro. Antes da largada, todos os carros ficavam no parque fechado para vistorias técnicas dos comissários. Como o teste correu bem, os responsáveis da FISA decidiram que o rali iria fazer parte do calendário oficial, sendo o último rali do ano, a decorrer entre os dias 4 e 7 de dezembro de 1986, num evento patrocinado pela Toyota. Ao todo, o rali iria ter 39 classificativas, num total de 525 quilómetros cronometrados, com classificativas quer em asfalto, quer em gravilha. Contudo, quando máquinas e pilotos chegaram à aquela altura do ano, muita coisa tinha acontecido. Não só os acidentes em Portugal e na Corsega, como também as polémicas do Rali de Sanremo, onde os Peugeot foram desclassificados pelos comissários italianos, para que favorecessem os Lancia, embora não admitissem abertamente que era por causa disso. A Peugeot tinha recorrido, mas por essa altura, a FISA ainda não tinha tomado qualquer decisão, logo, os Lancia poderiam vencer o Mundial, através do finlandês Markku Alen. Aliás, era Alen que estava presente nesse rali, como o único representante da marca italiana. A Peugeot, sua rival, iria levar também um só carro, para Juha Kankkunen, que também estava a lutar pelo título mundial com o seu compatriota Alen. 30 anos atrás ainda se via muitos competidores independentes nas disputas do WRC. Se Peugeot e Lancia levavam oficialmente um só carro (havia privados), as coisas para a Toyota eram um pouco diferentes. A marca japonesa, nessa altura, só participava nos ralis mais “exóticos” como o Safari e o Rali da Costa do Marfim, com pilotos como os suecos Bjorn Waldegaard e Lars-Erik Torph, bem como o neozelandês Steve Millien. Havia privados presentes, como o italiano Paolo Alessandrini, num Lancia Delata S4, ou o neozelandês “Possum” Bourne, num Subaru, mas também havia dois americanos na lista de inscritos: John Buffum, num Audi Quattro já datado, e John Woodner, num Peugeot 205 Ti16. Ambos eram pilotos experimentes e tendo máquinas capazes de andar a par e passo com os consagrados, prometiam mostrar-se. TUDO EM DISPUTA Quando os pilotos chegaram a Seattle, Alen tinha um ponto de vantagem (os resultados do Rali de Sanremo ainda contavam) sobre Kankkunen, pois o finlandês da Lancia tinha sido segundo classificado no Rali RAC, vencido por Timo Salonen. As estradas estavam cheias de entusiastas, é verdade, para ver qual dos dois iria levar o título para casa, mas um rali destes em paragens como estas eram coisas relativamente estranhas, pois não era um evento… americano. O rali começou com especiais noturnas à volta de Tacoma, com Markku Alen a ter problemas com a sua direção assistida a avariar, deixando Kankkunen no comando. Contudo, com o amanhecer, quem tinha problemas era Kankkunen, com problemas elétricos – teve de trocar duas vezes de bateria - e o comando mudava de mãos mais uma vez. Alen aproveitou a ocasião para tentar afastar-se o mais possível do piloto da Peugeot, que já sabia em 1987 que iria pilotar… para a Lancia! A Toyota teve um bom desempenho no Rally, com Buffum andando entre os primeiros. Atrás, Buffum conseguia ser mais veloz do que os Toyota oficiais, com Torph a ser melhor do que Waldgaard, e eram os únicos que conseguiam andar ao ritmo dos dois primeiros, que no final desse segundo dia, debaixo de frio e chuva, tinham uma distância de 40 segundos, com vantagem para o piloto da Peugeot. No terceiro dia, Alen continuou ao ataque, distanciando-se do Kankkunen, para ver se conseguia vencer, que seria mais do que suficiente para ser coroado campeão do mundo naquele ano. Kankkunen não conseguia acompanhar o ritmo de Alen, e ambos, claro, distanciavam-se enormemente de Buffum e dos Toyota. E para piorar as coisas, um furo fez perder mais 45 segundos para Alen, consolidando a liderança para o piloto da Lancia. Markku Alen correu com a cabeça e levria a Lancia a ser campeã mundial naquele ano. No último dia, o nevoeiro tomou conta doas classificativas e Alen adotou uma toada cautelosa, que fez com que diminuísse a distância para Kankkunen, que na altura era de minuto e meio. O piloto da Peugeot esforçou-se, diminuindo a diferença para 40 segundos, mas não chegou: Alen seria o vencedor, com cerca de 45 segundos de vantagem sobre Kankkunen, e parecia que o campeonato cairia nas mãos da Lancia, com Alen, então com 35 anos, a ser por fim campeão do mundo. Buffum ficaria com o lugar mais baixo do pódio, superando os Toyotas de Lars-Erik Torph e Bjorn Waldgaard. Contudo, o americano da Audi ficaria a… vinte minutos do vencedor. CAMPEÕES… POR ONZE DIAS A vitória de Alen daria ambos os campeonatos para a Lancia, numa temporada marcada pela glória e pela tragédia, especialmente com a perda de Henri Toivonen na Córsega. Contudo, os eventos de Sanremo ainda estavam a assombrar toda a gente, e a FISA Ainda estava a decidir o que fazer com eles. A resposta apareceu a 18 de dezembro, poucos dias antes do Natal, e com o Rali de Monte Carlo de 1987 à esquina, o primeiro debaixo dos regulamentos do novo Grupo A. Ao longo da competição, Juha Kankkunen tentou buscar, mas não alcançou Markku Alen, o vencedor. No final, em Paris, a entidade máxima do automobilismo tomou uma decisão inédita: anulou o rali de Sanremo, retirando a vitória à Lancia. Os Peugeot, desclassificados porque alegadamente tinham uma aleta que causava efeito-solo, que era proibido… na Formula 1, afinal estavam legais e a FISA tinha entendido que o esquema não era mais do que um expediente para retirar de cena os carros franceses a favor dos carros italianos. E como a FISA não queria um título mundial “adulterado”, decidiu que os Peugeot eram os campeões, dando o título mundial a Kankkunen, segundo classificado neste Olympus Rally. Porém, para a Peugeot não foi o suficiente. Com o fim do Grupo B, levou os seus 205 Ti16 para o Rali Dakar e lá ficou até ao final da década com pilotos como Ari Vatanen, Jacky Ickx e Bruno Saby, voltando apenas ao WRC no ano 2000, com o modelo 206. Para a Lancia, pode não ter ganho o Mundial de 1986, mas até 1990, todos os títulos pertenceram a eles, num domínio sem igual na história dos ralis, graças ao modelo Delta e Delta Integrale. Apenas no inicio da década seguinte, com a chegada dos japoneses Toyota e Subaru é que as coisas começaram a ficar um pouco mais equilibradas. Depois de muita confusão, os Lancia e Alen acabaram desclassificados e o título foi para Kankkunen e a Peugeot. Para o Olympus Rally, a edição de 1986 foi um sucesso, e voltou a entrar no calendário em 1987, de novo a ser a última prova do calendário, vencida por Juha Kankkunen. Ela ficou no calendário até 1988, altura em que saiu e caiu em hibernação até… 2006. Hoje em dia, o rali faz parte do campeonato americano, e já teve vencedores como Ken Block, Travis Pastrana e David Higgins. Saudações D’além Mar, Paulo Alexandre Teixeira
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