Mal começou essa primeira quinzena do ano eu já consegui quebrar uma das minhas muitas promessas de Réveillon: a de que não iria brigar com ninguém. Levou quatro dias, 16 horas e 32 minutos desde os fogos estourarem minha eterna enxaqueca, meu saco e iluminarem o céu até a mãozada que dei naquele motoqueiro filho de uma quenga (autocensura) que me xingou num cruzamento em Sinop-MT. O desgraçado descobriu a utilidade do capacete não apenas para impactos laterais, mas também contra choques no asfalto. Apesar de ter quase certeza de que ele não achou graça nenhuma em ter rolado pelo chão e ainda estar, certamente, com o ouvido esquerdo zunindo, caso ele tenha pelo menos dois neurônios ainda funcionando vai conseguir ficar feliz por ainda ter o dedo médio da mão direita inteiro e unido ao restante do corpo. O mais engraçado é que o desgraçado acabou sendo minha inspiração para a esta “Estória do Arco da Velha”, que não será apenas uma, mas uma série de passagens engraçadas (ou não) sobre pilotos que tentaram ou saíram na porrada por disputas na pista. O pessoal mais das antigas que segue nosso site e que – não sei por qual motivo – lê as coisas que eu escrevo, costuma falar que os pilotos de antigamente eram verdadeiros cavalheiros e citam Graham Hill, Stirling Moss, Jackie Stewart... isso até poderia ser lá para os lados da terra da Rainha Elisabeth, porque na Itália não tinha essa não. Que o digam Claudio Francisci e Tino Brambilla (este último inclusive foi protagonista da primeira coluna publicada nesta seção e irmão mais velho do folclórico Vittorio Brambilla), que foram para as vias de fato na penúltima etapa do campeonato italiano de F3 em 1969, no circuito de Ímola (que um certo arrogante jornalista de nariz empinado, voz irritantemente esganiçada e estridente, chamou de irmão mais novo e afirmou ter sido o fato em 1970, quando Tino disputou o europeu de F2... mas ele sabe tudo e mais do que todos juntos). Na foto, vemos Claudio Francisci, que ainda hoje frequenta os autódromos e corre em categorias para pilotos veteranos com carros clássicos, aos 72 anos de idade, pegando seu oponente – Tino Brambilla – pelo pescoço e preparando o direto de direita enquanto tomava um cruzado. Os dois perderam a chance de se manter na disputa contra Gianluigi Picchi e, logicamente, um culpou o outro pelo acidente. Se formos olhar para anos mais recentes e para os pilotos que são – pelo menos em teoria – a elite do automobilismo mundial, a Fórmula 1, dos anos 80 para cá foram diversos episódios de brigas entre pilotos que, se não chegaram a trocar murros e pontapés foi por interferência da famosa “turma do deixa disso” que – infelizmente – nos privou deste “espetáculo”. A mais famosa delas, pelo menos a que mais se fala até hoje foi a protagonizada por Nelson Piquet e Eliseo Salazar em 1982, no GP da Alemanha. Inclusive conto aqui na seção algo que poucos sabiam, que era a ajuda que Piquet tinha dado ao chileno em 1979, quando este chegou na Europa. Os desdobramentos do episódio e a boa relação que os dois tem mostram como as coisas são apenas de momento. No mesmo ano houve uma outra briga, desta vez entre dois brasileiros. Chico Serra e Raul Boesel saíram no braço e nas pernas, trocando chutes e socos após um treino onde Chico Serra, na época piloto da equipe Fittipaldi, foi tomar satisfações com Raul Boesel que corria pela March naquela temporada. Eram tempos difíceis para ambos e era preciso mostrar resultados para tentar sobreviver numa Fórmula 1 que tinha mais carros do que posições no grid e mais pilotos tentando um lugar do que carros disponíveis para todos. Não era uma relação comercial selvagem como a de hoje, mas os pilotos pagantes já eram uma realidade. A briga entre os dois ficou no passado e se não são os melhores amigos hoje, eles se cumprimentam e falam civilizadamente, podendo ficar sem problemas ou riscos para terceiros entre as mesmas quatro paredes cobertas com um teto. Mas esse pavio curto parece ser mais uma característica dos campeões do que dos pilotos sem título, pelo menos quando se fala de Fórmula 1 e as coisas ainda mudam de ponto de vista, dependendo de em que lado o envolvido na situação está. O ‘Homem de Deus’, que chegou a vê-lo na curva que levava-o à bandeirada na conquista de seu primeiro título, teve seu momento de Jesus Cristo empunhando o chicote e descendo o sarrafo no templo judeu de Jerusalém... mais de uma vez! O bom menino, namoradinho do Brasil, não gostava de ser contrariado e ficava esquentadinho quando isso acontecia. Em 1992, mesmo com o seu poderoso motor Honda V12, o bem equilibrado Benetton nas mãos do jovem Dick Vigarista já perturbava os retrovisores do herói nacional. No GP da França, em Magny Cours, o brasileiro ficou irritado com a tentativa (errada) do alemão e foi tomar satisfações com ele depois da corrida, dizendo que se ele tivesse dúvidas, não tinha que tentar fazer a ultrapassagem. Não passou muito tempo e em um outro problema, o esquentadinho foi até os boxes da Benetton e, se não fosse a providência de Jô Ramirez em segurá-lo, ele teria descido o braço no Quexudão por, mais uma vez, achar que o calouro estava fazendo as coisas erradas. Afinal, onde já se viu desafiar o ungido tricampeão de Deus? Mas estes entreveros com o piloto que pulverizou seus números e mostrou-se o maior de todos (pelo menos até cometer a burrice de voltar em 2009) não era exclusivo para seus “supervilões”. O nosso nervosinho deu um ‘piti’ – e uns safanões – num outro atrevido no GP do Japão de 1993. O encardido irlandês Eddie Irvine, que pilotava para a Jordan. O fato do mala de nariz torto já ter se sagrado campeão somado à chuva que caia dava ao finado tricampeão a chance de conquistar sua 40ª vitória. Como líder e “mestre da chuva”, andou rápido e abriu vantagem ao ponto de nem ser ameaçado pela “Williams de outro planeta”. Com a corrida sob controle, começou a administrar o ritmo e ai rolou o problema. Eddie Irvine, que conhecia Suzuka como a palma da mão pelos anos e F3000 japonesa, tentando melhorar sua posição na corrida e andando mais rápido que o líder, fez uma ousada ultrapassagem por fora no finado, tirando a volta de atraso... e fazendo-o surtar dentro do capacete! Terminada a corrida ele foi parar no Box da Jordan, xingou o novato de tudo que podia e, diante das atrevidas respostas do irlandês, perdeu a cabeça e partiu para o ataque físico. Contudo, diante das câmeras, na entrevista coletiva, fez aquele discurso do politicamente correto e que um retardatário não podia por o líder da corrida em risco, blábláblá... porque não andou mais rápido então, ou deixou o retardatário ultrapassá-lo? Como o mundo dá voltas, anos depois e passadas algumas vigarices, como as de 1994 e 1997, no tumultuado e muito molhado GP da Bélgica de 1998, o bicampeão e estrela da categoria virou bicho dentro co carro e invadiu os boxes da McLaren querendo arrancar fora a cabeça de David Couthard, a quem ele culpou não apenas pelo acidente que o tirou da prova, mas também de ter colocado em risco a sua vida. Por imagens de televisão, ao menos para os padrões da Fórmula 1, foi a maior confusão que certamente assistimos envolvendo pilotos, xingamento e tentativas de ataque físico já transmitidos. Couthard colocou o carro no limite da pista para dar passagem ao líder e o Quexudão – na mesma trajetória – entrou com tudo com tudo na traseira da McLaren, que iria levar uma volta do líder da corrida, o que ia dar a ele uma grande vantagem na briga pelo título, uma ver que Mika, o bonzinho, estava fora da corrida. Se na Fórmula 1, onde estão os melhores entre os melhores, rola esse tipo de barraco, imagina na terra dos caubóis mascadores de fumo e contrabandistas de whisky de fundo de quintal ( origem da NASCAR) se não ia ter esse tipo de coisa até hoje? Claro que sim e com mais quantidade, mais intensidade e pancadaria de verdade! Se no passado grandes estrelas da categoria como Cale Yarborough e Donnie Allison trocaram murros na pista, diante das arquibancadas cheias em 1979, fatos como este eram comuns não só esporadicamente, mas todo ano tinha pelo menos um desses. Já teve briga, inclusive, de dois times de mecânicos inteiros por trás do muro de abastecimento depois de algumas corridas. Em 2015, apenas para citar uma das mais impactantes, uma vez que alterou a disputa pelo título da temporada, Kevin Harwick e Joey Jogano primeiro se atacaram com os carros e depois com os punhos na parte final do campeonato daquele ano. Logano, que vinha obtendo resultados melhores foi considerado culpado em uma batida no adversário e perdeu a chance de brigar pelo título, que ficou com Harwick. Contudo, sem sombra de dúvidas, das que eu vi em termos de NASCAR, a melhor foi a da Truck Series – a categoria das picapes – com aquele final insano em Mosport, Canadá, em que John Hunter Nemechek empurrou o adversário, Cole Custer, pra fora da pista nos metros finais, espremendo a picape do adversário contra o muro nos últimos 100 metros para vencer a corrida. O mais espantoso foi a direção de prova considerar aquilo como “incidente de corrida” e confirmar a vitória de Nemechek. Logicamente Cole Custer não não ficou nada satisfeito com a decisão e não teve a menor dúvida em se vingar da vigarice do adversário simplesmente no braço. Correu atrás de Nemechek na pista e a porrada correu frouxa! Levou um tempo para separarem os dois, mas foi inacreditável. Pra fechar o pacote, já que fomos para o Canadá, é visto que quando a coisa esquenta, esquenta pra valer e em 2006, uma disputa nos pits entre os canadenses Alex Tagliani e Paul Tracy não foi disputada com pneus, freadas e ultrapassagens, mas sim nos punhos, com o veterano Tracy tomando um pescoção quando os dois voltaram até a área de pits após um acidente na corrida. Bem que agora em 2017 podia rolar umas brigas dessas pra dar uma incendiada nessas corridas sonolentas... Felicidades e velocidade, Paulo Alencar
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