A 4 de junho de 1967, nas areias de Zandvoort, na Holanda, um rejubilante Jim Clark comemorava a sua primeira vitória do ano, num novo carro, o modelo 49. O escocês dominou a corrida, especialmente depois do seu companheiro de equipa, o inglês Graham Hill, teve problemas com o seu carro e acabou por abandonar. Mas, mais do que comemorar a primeira vitória do novo chassis – que iria ser um dos mais marcantes da Lotus e da Formula 1, era saber que o motor que os propulsionava estava a abrir uma página ainda maior na história do automobilismo. Era a primeira vitória do Cosworth V8, a primeira de 155, terminada apenas dezasseis anos depois. Cinquenta anos depois, falo aqui da história não só do motor em si, mas também das pessoas que o ajudaram a construir, quem o construiu e quanto é que custou para o transformar num motor que iria marcar toda uma geração. OS PAIS DA CRIANÇA Em 1964, a CSI – a antecessora da FIA – decidiu que a partir da temporada de 1966, os motores passariam a ser de 3 litros, o dobro da potência existente então. Para muitos, bastava apenas juntar dois motores Climax e estava o trabalho feito. Mas no final de 1965, a preparadora decidiu que iria abandonar o automobilismo, o que causou um enorme choque entre pilotos e construtoras. E agora, onde é que iriam arranjar um motor tão fiável como aquele? Da esquerda para a direita:Mike Costin Keith Dukeworth e Walter Hayes A solução não estava a ser fácil. Quando chegou a temporada de 1966, muitos decidiram que a solução seriam os V12. Ferrari e Maserati deram esse tipos de motores, enquanto que Dan Gurney, que tinha decidido montar a sua equipa, a Eagle, decidira construir um V12 à britânica Westlake. A BRM tinha um estranho motor H16, montado de forma transversal, que de tão complicado que era, levava a frequentes quebras. A Brabham parecia que indicava o caminho, ao fazer motores V8 da preparadora local Repco, baseadas em velhos motores Oldsmobile. Mas os blocos eram envelhecidos e a sua potencialidade parecia ter chegado ao limite. Logo, outros motores teriam de aparecer. Logo em 1966, Colin Chapman, o patrão da Lotus, decidira que o V8 seria uma boa solução, mas precisava de encontrar alguém que estivesse disposto a aceitar esse projeto. Tempos antes, tinha conhecido Walter Hayes num evento social. Antigo jornalista, tinha-se tornado relações públicas na Ford Europa, ajudando a expandir as vendas da marca. Feito o serviço, tinha descoberto o automobilismo e tinha visto o seu potencial, numa altura em que aquilo era pouco mais do que… artesanato. Ou seja, tudo muito primitivo. Revolucionariamente simples, muito confiável, o Cosworth V8 era um excelente motor. Assim, precisava de o impulsionar. Mas, mais do que simples dinheiro e uma ou outra ação promocional, precisava de mais alguma coisa. E foi nessa altura que descobriu dois preparadores de motores para o modelo Anglia: Mike Costin e Keith Duckworth. Depois de uma conversa com Chapman, que falou do potencial de ambos os preparadores, Hayes foi ver o que poderiam fazer, foi a Detroit falar com Henry Ford II, no sentido de arranjar fundos para desenvolver dois motores: um de 1,5 litros, de quatro válvulas, para a Formula 2, e um de três litros, V8, para a Formula 1. No final, Henry Ford II (que queria bater a Ferrari em Le Mans) lhe deu cem mil libras – uma soma bem grande para a época – para fazer o trabalho. Tinha começado a aventura. POLITICAMENTE INCORRETO Hayes, Costin e Duckworth decidiram primeiro construir o motor mais pequeno. Em meados de 1966, este estava pronto para correr, e o primeiro cliente foi Chapman, com os seus Lotus. O motor – FVA, sigla de Four Valves Ahead – tornou-se vencedor no Europeu de Formula 2 logo nesse ano, e logo depois começaram a desenvolver o motor para a Formula 1, o DFV (Double Four Valves). Não demorou muito para os motores destes ingleses chamare a atenção do pessoal da Fórmula 1 Por esta altura, Costin e Duckworth já trabalhavam juntos há muito tempo. Tinham se encontrado na Lotus em 1957, e pouco depois, saíram de lá para construir a sua própria preparadora, a Cosworth, uma junção de ambos os apelidos (COS de Costin, WORTH de Duckworth). Preparando motores Ford ao longo da década de 60, colaboraram frequentemente com a Ford e com a Lotus, especialmente quando ambos fizeram o Lotus-Cortina, a versão especial do Ford Cortina, e que deu a Jim Clark o título de campeão britânico de Turismos em 1964… enquanto corria na Formula 1. Costin e Duckworth deram-se bem, embora a fama deste último não era fantástica. Tinha abandonado a universidade a meio, afirmando que “decidi que a maior parte da teoria era um disparate, ou pelo menos, não era baseada em argumentos que me satisfazessem”. E quando discutia as suas ideias com outros engenheiros, normalmente… tinha razão. Mas quem "largou na frente" foi Colin Chapman (2º da D para E), ao lado de Graham Hill, que levou o motor para a Lotus. Costin e Duckworth demoraram cerca de ano e meio para terem pronto o DFV V8. Tinha 410 cavalos, quatro válvulas por cilindro, com o comando das árvores de cames a ser feito através de engrenagens, em vez de correias. Tinha um injetor Lucas e sempre que entrava no carro, era aparafusado ao chassis de monocoque, para fazer parte integrante do carro, algo que não acontecia até então. Mas como a montagem tinha sido feita para facilitar a vida dos mecânicos, isso era mais uma vantagem do que um estorvo. O GOLPE DE GÉNIO Hayes, no meio disto tudo, tinha conseguido para a Ford um excelente “garoto-propaganda” na figura de um escocês franzino. E não era Jim Clark. Quando Hayes cruzou com esse rapaz no Salão Automóvel de Londres, a observar um modelo Zodiac, Hayes lhe deu uma proposta irrecusável: era o dono do carro e ganhava mais algum dinheiro se fosse pilotar para a Ford. Ambos apertaram a mão e até hoje, o piloto é um nome incontornável da marca. O seu nome é Jackie Stewart, e o resto da sua carreira iria ficar ligado à Ford. Enquanto que Costin e Duckworth faziam o seu motor, Chapman fazia o seu chassis. O modelo 49 tinha um chassis de alumínio, em monocoque, e tinha uma caixa ZF de cinco velocidades, melhor do que as da Hewland, usada por boa parte do pelotão. Contudo, ao adicionar o motor Cosworth, tornou-se num conjunto imbatível. Até lá, a Lotus teria de confiar no que existia. Eles andaram com o motor BRM H16, e só lhes causava pesadelos. Apenas na Holanda, a terceira prova do ano, é que tiveram disponível o motor Cosworth, com o resultado que foi conhecido. CONSEQUÊNCIAS Apesar do domínio, e da concorrência notar que a partir dali, iriam ser dominados por Chapman e a sua Lotus, eles não foram campeões em 1967. Dennis Hulme já tinha ganho no Mónaco, e ainda ganhou na Alemanha e pontuava, sempre que os Lotus avariavam. Apesar de Clark ter ganho quatro corridas – Holanda, Grã-Bretanha, Estados Unidos e México – foi apenas terceiro classificado no Mundial, atrás de Hulme e Jack Brabham. Clark parecia que iria vencer o Mundial em 1968, e a sua vitória na África do Sul parecia mostrar isso, mas o seu trágico acidente em Hockenheim, a 7 de abril desse ano, fez com que a Lotus ficasse órfã, e desse a Graham Hill a chance de mostrar que o conjunto valia a pena para ser campeão. Nos anos 70, a maioria dos carros do grid da Fórmula 1 já eram equipados com os motores DFV da Cosworth. No final dessa temporada, Colin Chapman decidiu que todos poderiam usar os motores Cosworth para montarem as suas equipas. Para a maior parte delas, como a Brabham e McLaren, foi a sua tábua de salvação e o trampolim para o seu desenvolvimento. Nos anos seguintes. Outros, como a Tyrrell, ter esse motor permitiu-lhes ter uma base para construir a sua equipa, fazendo-a vencer nos anos seguintes, quando surgiu a aerodinâmica, para complementar a potência dos motores. E com o passar dos anos, ter um DFV era sinónimo de potência e durabilidade. A potência chegou aos 450 cavalos e os motores poderiam durar duas ou três corridas… dependendo da maneira como estes eram tratados. E no inicio dos anos 70, os custos tinham embaratecido de tal forma que novas equipas surgiam como cogumelos. March, Shadow, Surtees… todas essas equipas poderiam ter um Cosworth a 7500 libras por unidade. E em quatro anos, apenas BRM, Ferrari e Matra é que corriam com motores próprios. Mais por orgulho do que por praticalidade. E NO FINAL… Os Cosworth correram quase sem concorrência até ao aparecimento dos motores Turbo, sobretudo, em 1983. Foi nesse ano que um desses motores vencera pela última vez, em Detroit, através do Tyrrell do italiano Michele Alboreto. Nessa temporada, com muitas equipas já com o motor 1.5 litros Turbo – Renault, Ferrari, Brabham e Lotus – os motores aspirados ainda tinham dado um ar da sua graça, especialmente nos circuitos urbanos. John Watson tinha conseguido a vitória em Long Beach, com o seu McLaren. Keke Rosberg no Mónaco com o seu Williams, e claro, Alboreto com o Tyrrell. Mas depois de 155 vitórias, era a altura da potência levar a melhor, e a diferença entre amos era da ordem dos 220 cavalos, em média. Mesmo com 8 cilindros, não fazia feio diante dos V12 da Ferrari e nos anos 70, venceu mais q os italianos. Depois disso, a Ford tentou construir motores Turbo, apesar de Duckworth detestar. Fez motores para a Lola-Haas, em 1986, e depois as distribuiu para a Benetton. Em 1989, com o regresso dos motores aspirados, de 3,5 litros, desenvolveu os motores DFR e DFZ, que equiparam equipas como a Benetton, Tyrrell e Larrousse. Os primeiros, com pouco envolvimento da fábrica, andaram com eles até 1993, onde também os distribuiu para a McLaren, enquanto que o outro motor durou um pouco menos de tempo. Por essa altura, Costin, Duckworth e Hayes já se tinham reformado da marca. Costin tem agora 86 anos e goza a reforma. Quando se descreve sobre ele mesmo, refere que “estudou durante 40 anos na Universidade de Duckworth”, não dando muita importância da sua contribuição para o automobilismo. Em Dallas, 1983, a última vitória de um motor Ford Cosworth V8, com a Tyrrell tendo Michelle Alboreto ao volante. Já Duckworth vendeu a sua parte em 1980, e ficou na marca por mais sete anos, até se reformar como presidente de marca. Duckworth gozou depois a vida, aproveitando a sua paixão por helicópteros. A reforma e a saúde não o deixou gozar esse passatempo por muito tempo, e acabou por morrer a 18 de dezembro de 2005, aos 72 anos, cinco anos depois de Walter Hayes, a 26 de dezembro de 2000, aos 76 anos, depois de ter sido o presidente da Ford Europa e de ter criado a Premiere Automoytive Group, que ficou com as marcas Jaguar e Aston Martin. Saudações D’além mar, Paulo Alexandre Teixeira
|