Os anos 70 foram bem férteis para a Formula 1. Com a proliferação dos motores Cosworth DFV V8, qualquer pessoa com dinheiro, um bom projetista, uma dúzia de mecânicos competentes e dois bons pilotos poderia construir uma boa equipa de Formula 1 sem fazer muitas perguntas. Para além disso, as tabaqueiras e as empresas petrolíferas tinham dinheiro da rodos, capazes de financiar as carreiras de pilotos desde as categorias de base até ao topo. E até algumas equipas construíam chassis para outras categorias, especialmente as americanas, que davam bastante mais dinheiro e prémios chorudos. Foi graças aos prémios da Can-Am (meio milhão de dólares por ano) que a McLaren ganhou muito dinheiro para os seus projetos para a Formula 1 e a USAC, nesses tempos. E é desses tempos que surge uma figura como Don Nichols. Falecido no passado dia 22 de agosto, aos 92 anos de idade, foi uma pessoa do qual não se sabe muito o que andou a fazer durante parte da sua vida, antes de se aventurar no automobilismo, e quando se perguntava sobre o seu passado, ele acrescentou um pouco mais de mistério, também para apimentar a sua aura. Esse homem foi o fundador da Shadow, uma das equipas sem o qual não se pode construir os anos 70 no automobilismo, quer na Formula 1, quer na Can-Am. O HOMEM DA SOMBRA Nichols nasceu a 23 de novembro de 1924 no Missouri, e como já foi dito, pouco se sabe sobre a sua vida em termos de juventude. Esteve no exército na II Guerra Mundial e na Guerra da Coreia, servindo na inteligência militar, chegando até à patente de Major. Falou-se até que esteve na CIA, mas na verdade, estava num departamento do exército especializado em colocar agentes atrás das linhas do inimigo, especialmente na Guerra da Coreia, entre 1950 e 53. Quando saiu no exército, decidiu radicar-se para o Japão, onde foi representante da Goodyear e da Firestone, e ajudou no inicio dos anos 60 a estabelecer uma comunidade automobilística no país do Sol Nascente. Ajudou na construção do circuito de Mont Fuji, em 1965. Em 1968, decide regressar aos Estados Unidos e fundou a Advanced Vehicle Systems. A ideia é construir chassis para várias categorias, escolhendo a Can-Am, pelos prémios chorudos que oferecia. Dois anos mais tarde, muda o nome para Shadow Cars e constrói um chassis para a Can-Am, o Mk1, desenhado por Trevor Harris, que seria guiado pelo britânico Vic Elford e pelo americano George Follmer. O carro era conhecido pelo seu baixo centro de gravidade e embora fosse muito veloz, era pouco fiável. Começando com carros protótipos no automobilismo norte americano, Nichols abriu caminho pra chegar à F1. Nos anos seguintes, a Shadow teve mais sucesso na Can-Am, sendo um dos rivais da poderosa McLaren, embora sem vencer corridas. No final de 1972, Nichols, com o apoio a petrolífera UOP (Universal Oil Products) decide dar o salto em frente e ir para a Formula 1. Escolhem como pilotos o americano George Follmer e o britânico Jackie Oliver, com o chassis DN1. No projeto entra também Alan Rees, que tinha fundado dois anos antes a March (era o R da sigla), e em terceiro chassis acaba por ser construído para Graham Hill, que em 1973 decidiu construir a sua própria equipa. O DN1, desenhado por Tony Southgate (ex-BRM) estreado na terceira prova do ano, no GP da África do Sul, em Kyalami, dá-lhes dois pódios – um terceiro lugar para Follmer em Barcelona, outro terceiro lugar para Oliver em Mosport – e deu-lhes nove pontos no total. O PRIMEIRO DESASTRE Em 1974, a Shadow constroi o DN3, de novo desenhado por Southgate e mostrou alguma promessa às mãos do americano Peter Revson e do francês Jean-Pierre Jarier. Nesta ocasião, Jackie Oliver decide ter mais responsabilidades em termos de gestão, enquanto corria na Can-Am. Uma das suas características do DN3 era ter braços da suspensão feitos de titânio. Contudo, embora este fosse um material forte, era maleável e propenso a quebras. Peter Revson acabaria por morrer num teste no circuito sul-africano devido a uma falha nessa suspensão de titânio, que andavam a testar naquela altura. Depois de três corridas com o britânico Brian Redman, escolheram outro piloto a partir do GP de França, o galês Tom Pryce. Nesse ano, a Shadow domina a Can-Am, com Oliver ao volante, mas por esta altura, a competição sofria com as restrições causadas pelo primeiro choque petrolífero e seria interrompido no final dessa temporada. Mas isso não impede que Oliver e Follmer sejam os campeões da competição, e no final da temporada, até convidam James Hunt, então piloto da Hesketh, a participar numa demonstração em Laguna Seca. Em meados dos anos 70, os carros negros da Shadow incomodavam bastante as equipas mais poderosas. O grande ano da Shadow foi a temporada de 1975, quando conseguiram três pole-positions e duas voltas mais rápidas. Dois delas com Jarier ao volante (Argentina e Brasil), e outra com Pryce, na Grã-Bretanha. Pelo meio, Pryce até vence uma corrida extra-campeonato, a Race of Champions, em Brands Hatch, e Jarier experimenta motores Matra V12 em duas corridas (Austria e Itália), para saber se tinha ou não vantagens em relação aos Cosworth DFV V8. Apesar destas promessas, experimentações e sabores de sucesso, no final dessa temporada alcançam apenas um terceiro lugar na Áustria, com Pryce, e 9,5 pontos no campeonato de Construtores. A UOP decide sair de cena como patrocinadora no final desse ano. Em 1976, aparece a Tabatip, uma tabaqueira, e mantêm a mesma dupla Jarier-Pryce. O DN5 é renovado, enquanto decidem estrear o DN8 na segunda metade do ano, e até lá, Pryce consegue um terceiro lugar no GP do Brasil, a primeira corrida do ano, acabando por conseguir todos os pontos da equipa nessa temporada: dez. SEGUNDO DESASTRE… E TEMPORADA DE SONHO No final de 1976, encontram o empresário italiano Franco Ambrosio (que no final da década fica envolvido no escândalo da loja maçónica P2, com ligações à máfia e ao Vaticano) e ele fica com parte da equipa. Coloca um piloto italiano num dos lugares, Renzo Zorzi, no lugar de Jarier. A temporada de 1977 começa com uma evolução do DN8 e o italiano consegue um ponto no Brasil. Mas a equipa é atingida por novo desastre, quando Pryce morre tragicamente em Kyalami, no GP da África do Sul, atingido pelo extintor de Jenson Van Vuuren, um jovem comissário local. Era o segundo desastre da equipa, e ainda por cima, acontecendo no mesmo lugar. Como substituto, entra o australiano Alan Jones, que tinha ficado sem lugar depois de uma temporada na Surtees. A equipa, que perdera Peter Revson em 1974, perdia também de forma trágica Tom Pryce em 1977. Foto: Sutton Pouco tempo depois, Ambrósio troca Zorzi pelo jovem Riccardo Patrese, que tinha mostrado talento na Formula 2, estreando-se no Mónaco e fazendo o resto da temporada sempre que os seus compromissos na outra categoria o permitiam. Por outro lado, Jones consegue três pontos até ao meio da temporada e parecia que as coisas seriam calmas. Isto… até ao GP da Áustria. Uma melhoria na evolução do DN8, aliado ao boletim meteorológico e as capacidades de Jones no molhado deram à equipa uma improvável vitória, a primeira da marca na Formula 1. Jones conseguiu mais um pódio, um terceiro lugar em Monza, e acabou a temporada com 21 pontos e o sétimo lugar no campeonato. Patrese ainda lhes deu mais um ponto no Japão, e foi o culminar de uma temporada de sonho… que tinha começado por ser um pesadelo. GOLPE DE TEATRO E DECADÊNCIA Em 1977, o final tinha sido de sonho, mas alguns integrantes queriam mais e melhor, a achavam que Nichols era mais um obstáculo, e assim tentaram afastá-lo da equipa. O golpe foi um fracasso e todos esses elementos saíram para dar lugar à Arrows. Os dissidentes eram a espinha dorsal da equipa: Rees e Oliver, como dirigentes; Ambrósio, como patrocinador; Southgate, como projetista, e Patrese, como piloto, pois Jones resolveu ir para a Williams para ser campeão do mundo dois anos mais tarde. A forma de gerir a equipa causou divisões e isso foi o início do fim da Shadow. Nichols ficou na Shadow sem ninguém para o gerir, e apesar de ter arranjado uma dupla competente na figura de Clay Regazzoni e Hans-Joachim Stuck, penou com um DN8 decadente e um DN9 que nunca foi devidamente desenvolvido. No final, conseguiram seis pontos, mas a Arrows, sua rival, conseguiu um pódio e onze pontos, e um bom patrocinio na figura da cerveja Warsteiner. Mas Nichols conseguiu uma pequena vitória pelo meio, ao processar os dissidentes por causa do chassis deles, o FA1, ser uma cópia descarada do DN9, pois ambos tinham sido projetados pela mesma pessoa, Tony Southgate. Contudo, a recompensa não foi muita e em 1979, lutava para sobreviver. Nessa temporada, contratou dois jovens promissores, o holandês Jan Lammers e o italiano Elio de Angelis. Aliás, a ideia inicial era de correr com o havaiano Danny Ongais, mas de Angelis apareceu com uma mala cheia de dinheiro e ficou com ele. O italiano tinha apenas 21 anos, mas era competente e veloz e conseguiu um quarto lugar no GP dos Estados Unidos, em Watkins Glen, dando três pontos à equipa. Viriam a ser os últimos. Don Nichols em uma de suas últimas aparições para a imprensa. Em 1980, De Angelis foi para a Lotus – não sem Nichols ter pedido dinheiro para o libertar – e alinhou com o sueco Stefan Johansson e o irlandês David Kennedy, mas não conseguia se qualificar para as corridas. Mesmo com a substituição de Johansson por Geoff Lees, as coisas melhoraram e na primavera de 1980, vendeu a sua equipa para Teddy Yip, o homem por trás da Theodore. Após o GP de França, a Shadow fechou as suas portas de vez, depois de 112 corridas, uma vitória, três pole-positions e duas voltas mais rápidas. Quanto a Nichols, radicou-se na Califórnia, onde aparecia regularmente nas reuniões de carros antigos, falando regularmente da sua equipa e dos seus feitos na Formula 1 e Can-Am, sendo uma figura respeita pelo meio. E não sem deixar uma aura de mistério aos fãs… Saudações D’além Mar, Paulo Alexandre Teixeira
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